Caixeiros-viajantes

João Cardoso era o dono de uma humilde pensão, em Córrego da Mata. Juntos, ele e o neto de oito anos cuidavam do negócio desde que sua mulher morrera e a filha, mãe solteira, resolvera sair pelo mundo, não mais voltar e nem mandar notícias. Por ser o melhor estabelecimento do gênero na cidade, sua pensão era procurada pela maioria das pessoas que lá chegavam.

Sem problemas administrava seu negocio, tranquilamente, embora uma vez ou outra, era perturbado por certos hóspedes que reclamavam de tudo e ainda aprontavam, causando–lhe muitas vezes prejuízos. Por isso ele decidiu nunca mais hospedar tais indivíduos, especialmente caixeiros-viajantes, principais causadores de seus aborrecimentos..

Não era só ele que pensava assim. Para a maioria dos donos de pensão da cidade, caixeiros-viajantes não passavam de pessoas sem educação e encrenqueiras. Sujavam as paredes dos quartos, inundavam os banheiros, emporcalhavam as toalhas. Além destas e de outras bagunças, ainda reclamavam do preço e no menor descuido, davam o calote nos proprietários. Caixeiros-viajantes, dizia, nunca mais põem os pés na minha pensão. Quando chegava alguém, maletas na mão, com cara de caixeiro-viajante e iam preencher as fichas, era a primeira coisa que ele perguntava. Se a resposta fosse positiva, negava a hospedagem na hora. Não adiantava insistir.

Certo dia, chegaram na cidade três homens. Bem vestidos e muito educados, mas com caras de caixeiros-viajantes. Vieram no ônibus da capital e queriam hospedar na melhor pensão da cidade. João Cardoso perguntou se eram caixeiros-viajantes. Negaram categoricamente. Talvez soubessem da discriminação do dono.

Sem argumento para desmentir decidiu hospedá-los. Todavia, ele ficou muito desconfiado. A temporada estava em baixa. Os hospedes rareavam. Com a pensão vazia não tinha motivos para não ceder.

Colocou-os num quarto com três camas, conforme pediram, e em seguida, chamou o neto e mandou que os vigiasse e tentasse descobrir a verdade. Queria ter a certeza de que eles não o estavam enganando. Logo que entraram no quarto, o menino foi espiá-los pelo buraco da fechadura. Algum tempo depois, deixou o posto de observação e apavorado com o que viu, chamou o avô e disse:

- Vô eles são mesmo caixeiros-viajantes.

Seu avô assustado perguntou:

- O que você descobriu para ter tanta certeza?

- Olhei pelo buraco da fechadura. Um limpou os sapatos com a toalha. O outro urinou no canto do quarto.

- E o terceiro, o que fez? Perguntou o avô, impaciente.

- Abriu a janela do quarto e gritou bem alto: Nesta terra só tem corno.

- Realmente são caixeiros-viajantes, disse o avô, muito contrariado.