De estalo... abri os olhos e deparei com o meu amigo irmão xamã e outro índio olhando para mim sentados na canoa,  eles estavam assustados com o estado de minhas pernas, vermelhas e inchadas, um pegou um líquido branco (banha de cobra com ervas) e imediatamente passou causando um alívio imediato, o amigo mandou que entrasse na canoa e perguntou como tinha chegado tão longe, narrei todo o acontecido caminho de volta, apenas respondeu que havia encontrado o equilíbrio da energia, o sonho transformou em realidade, após conhecer o templo sagrado da Estrela de Luz, que percebi a beleza do bem e o conflito do mal, devia entender o poder das coisas belas e sagradas que estão sendo destruídas pelo homem desde o ínicio, devido a sua ignorância, ambição e imbecibilidade. O DNA do predador encontra-se inserido na humanidade juntamente com a fagulha de luz, para manter o equilíbrio do mundo, mas a todo minuto nos destruímos as entradas sagradas do bem e abrimos passagens para o inimigo. Devido os nossos comportamentos, pensamentos, atitudes, vontades, fazendo o poder negro envolver de tal forma que o brilho da Estrela não reluza, não brilhe, mas o bastante é ter fé e ação que boas coisas acontecem e de uma forma ou outras são resolvidas.

Falou tudo isto muito sério, avisou que eu iria descansar para me enviar de volta, considerando que já havia aprendido tudo que precisava, inclusive até mais que o meu pai aprendeu. O silêncio é eterno, o segredo é a chave para que as coisas aconteçam ou não....foram praticamente os últimos ensinamentos ouvidos daquele nobre figura indígena.

Desci da canoa fui direto para choça, arrumar minha traia, separei quase nada, deixaria tudo ali, apesar da fome,  cansaço e emoções, dormi a noite toda, acordando ao clarear do dia, com o movimento, cacarejar das galinhas, pipilar dos pintainhos, música deliciosa da mata...no despertar.....

Resolvi despedir daquele ambiente sagrado, das picadas (caminhos), misteriosos e silenciosos. Fiquei  esperando algum tempo e vi ao fundo da mata uma grande veada acompanhada pelo seu filhote de uns dois meses, parou alguns metros receosa, e depois saíram  na disparada. Eu estava com o coração cheio de ternura, parecia que um cataclismo havia subvertido a vida e arremessando-me para longe. Olhei para os lados lentamente prolongando os momentos de emoção, deparei com alguns irmãos querendo demonstrar a sua amizade. Na hora da despedida, mãos calorosas se estendiam num gesto acanhado, mãos grandes, pequenas, ásperas como cascas de árvore, ao que murmuravam comovidos, novos e velhos, um povo como tantos perdidos ou encontrados, buscando uma liberdade única longe da maldade, perversidade dos brancos que anos depois dizimaram a aldeia, espalhando a pequena tribo e todos aqueles de almas simples e espiritualizadas. Abracei com carinho a todos e em especial o meu grande e mágico amigo xamã que agradeceu a visita e um dia estaria em Goiânia, fazendo uma visita e que gostaria de assistir comigo o espetáculo do Circo. Eu levaria pela eternidade das mil luas o sonho e o brilho da Estrela de Luz em minha alma.

Retornei ainda cheio de creme de cobra nas pernas, apenas com um outro irmão que foi escalado para me levar e trazer a canoa que ficou na Britânia, fomos devagar, eu olhando a mata, o Rio Araguaia e sua espiritualidade , depois o Rio Vermelho com a sua cor de sangue onde esconde muitos segredos e o Rio das Águas Limpas que é uma fonte de energia para alimentar o maior Lago da América Latina o Lago dos Tigres (extensão de 37 km). 

Não mais encontrei os amigos indígenas, não mais voltei aquele local, depois que partimos também não mais tocamos no assunto, tudo ficou em arquivo do coração. Os ensinamentos do amigo xamã,  acompanha em muitos momentos, o brilho da Estrela está comigo sempre, inclusive ao escrever, eu iria abordar o assunto de outra forma, mas movido por uma energia destes últimos dias, apresentei  um acontecimento totalmente pessoal, omitindo alguns personagens e nomes, inclusive o inglês, ele estava fazendo coletânea de sangue das tribos, amostras de plantas que eram contrabandeadas, fiquei sabendo anos depois.

Os meus amigos foram pulverizados, expulsos de sua terra, pelo espírito da ganância, o santuário destruído pelo fogo e desmatamento desorganizado dos malditos homens civilizados,  mas a energia continua imperando na região. Estou pensando em retornar ao local em expedição, não sei se irei via Cidade de Britânia -  Lago dos Tigres ou subirei direto pelo Rio Araguaia, irei fazer uma pesquisa, mapear a região e depois convocar a turma certa, sentirei falta de alguns que já partiram ( os  pedras noventa), mas estarão comigo em espírito, guerreiros da natureza, só de lembrar, começo arrepiar, isto é um bom sinal.......

 

 

P.S.: Este Conto foi dedicado as Comunidades Indígenas extintas, destruídas e mortas no Brasil desde o seu descobrimento, pelo motivo de religião, escravidão, terras, prostituição, safadagem, sacanagem, transformando de uma forma conflitante os remanescentes, depois tirar-lhes o orgulho, cultura, liberdade, rotulando-os de forma pejorativa, destruindo a maravilhosa história, deixando de colocar esta  raças em seu lugar de honra e ainda  tentando omitir  com o cinismo, mentira os interesses que  imperaram  nesta destruição. Assim continua a caminhada do homem civilizado, até a cobra engolir sua própria cabeça, ela  já começou engolir o rabo.....

 

 

 

 

 

Kulayb
Enviado por Kulayb em 03/11/2008
Reeditado em 03/11/2008
Código do texto: T1263816
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