A DENGUE E A REZADEIRA.

Amanheci com alguma “ziquizira”. Febre alta, dores fortes no corpo, ânsia de vômito, e etc.

Corri, logo, p’rá minha amada Avó, conhecida como “Vó Firmina”, rezadeira que atendia os moradores da Estrada do Engenho do Mato.

Assim que passei pelo portão de sua casa, ela, recostada na rede, em sua varanda, com aqueles olhinhos, ainda brilhantes, foi, logo, falando e também respondendo:

“Que qui foi, misanfi, tá todo arqueado?

Já sei, vosmecê tá muito mal e veio procurar Vó Firmina.”

Seu neto está muito mal, respondi e, ao mesmo tempo, sentei a descansar na cadeira de balanço, respirando ofegante.

Com incrível rapidez, para os seus quase cem anos, levantou-se, foi á cozinha e, de lá, voltou trazendo meio copo com água, que dizia benta, e um ramo novo de arruda, erva de santos milagres.

Em seguida, acendeu uma vela e um charuto e, ali mesmo, batendo com a arruda na minha cabeça e no copo d’água, começou a rezar em linguajar estranho, exceto algumas palavras que me pareceram “vosmecê...misanfi...saravá...Vó Firmina...etc.

Eu nada entendia, mas, calado estava, calado fiquei, pois a palavra de minha Avó era lei.

No final, ela me deu o meio copo d”água benta, já rezada, e as seguintes orientações:

“Pega um limão galego, dê um corte profundo, em cruz, coloque dentro um dente de alho, alguns grãos de sal grosso, uma folha de coentro da Costa macerada com pimenta do reino; e coloque tudo dentro do copo d’água, deixando-o ao ar livre, para captar a energia da noite, isso o deixará curado.

E não esqueça, vá, ainda hoje sem falta, ao Hospital para ser examinado.”

Assim fiz, pois com esses assuntos não se brinca, além de que, Vovó falou, tá falado, é lei.

Em casa, preparei o despacho, tintim por tintim, e coloquei o copo, em cima do muro, escondido no fundo do quintal, atrás do galinheiro, e parti, acelerado para o Hospital.

Cheguei esbaforido, quase morto, e fui, pasmem, de imediato, atendido, não por um, mas por uma equipe de médicos, enfermeiros, estagiários e o “escambau”, que me colocaram numa enorme tenda de lona, com a inscrição “CAMPANHA CONTRA A DENGUE

Após os exames iniciais, confirmaram o diagnóstico de dengue e me internaram, já agora, na enfermaria do Hospital, com soro direto, até o dia seguinte, à tarde, quando a vista dos demais exames, recebi alta, sendo liberado com as recomendações médicas de praxe: repouso, hidratação, analgésicos, etc.

Estava curado, e no retorno, passei na casa de minha Avó para agradecer, pois se não fosse ela, como todo brasileiro, eu não teria passado, nem na porta do Hospital.

Ela me recebeu com alegria, carinho e um afetuoso abraço, repetindo sempre que eu era o seu neto favorito.

Após tomar um especial café com bolo de fubá, já saindo no portão, lembrei e perguntei: Vovó o que faço com o copo e aqueles ingredientes que deixei lá no muro do galinheiro, ontem a tarde?

Ela deu um sorriso, dos mais doces, bateu a mão, se despedindo, e disse...

DÁ P’RÁS GALINHAS, QUE AQUÍLO NÃO SERVE DE NADA, POIS DENGUE É SÓ COM O SUS!

P.S. - Moral da história: SANTO DE CASA NÃO FAZ MILAGRE! ou

EM CASA DE REZADEIRA, SAÚDE É COM O

SUS

ViniciusSanches
Enviado por ViniciusSanches em 08/11/2008
Reeditado em 17/12/2008
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