Segredo sem Fim

Em um pequeno lugarejo de nome Tesoura, no estado do Paraná, nasceu Antonio. Menino de olhos verdes, garoto esperto. Sua família trabalhava com erva mate e dali vinha o sustento das crianças.

Uma família unida e destemida. A ajuda era mútua, o maior protegia o menor. Eram em dez irmãos entre meninos e meninas. Seus pais se orgulhavam da garotada. Todos trabalhavam arduamente nas lavouras. Plantava-se milho, feijão, batata, mandioca. Enfim tudo o que se plantava era aproveitado como produção.

O tempo passou rápido e Antonio já estava com dezessete anos. Tornou-se um homem bonito e charmoso, conquistava o amor das moças do lugar com facilidade devido a seu galanteio.

Verônica, uma loira estonteante logo se apaixonou por ele e em pouco tempo estavam noivos. Porém Antonio gostava de dançar e foi numa dessas escapadelas que conheceu Catarina. Com aquele jeito trigueiro acabou se envolvendo com a moça, mas era comprometido a se casar com a outra. Este triângulo durou dois anos.

Faltavam vinte dias para o casamento de Antonio, os convites distribuídos, a festa imaginada pelos noivos. A data se aproximava para a alegria de todos, menos de Catarina. Antonio convidou seu irmão Pedro para irem até a bodega, comemorar a despedida de solteiro. Conversar com os amigos, tomar cerveja. Estavam de bom humor.

No local encontraram a rapaziada reunida, beberam e contaram piadas. A gargalhada era geral. Aos poucos os amigos iam embora e ficaram apenas três pessoas, Antonio, Pedro e João. O terceiro já se encontrava embriagado, ficando com a valentia a mostra. Resolveu discordar de Pedro. A discussão tomou agravo e João sacou a pistola. Preparava-se para puxar o gatilho em direção ao peito de Pedro. Antonio ao ver a cena, percebeu que seu irmão seria morto e num pulo muito rápido e com destreza, estava entre os dois. Com agilidade dobrou o braço de João para trás. Mas a fatalidade fez com que o rapaz ao seu reflexo, dobrasse o braço e o tiro saiu. João foi atingido no próprio queixo, caindo desmaiado. A poça de sangue estava se formando no chão.

Antonio e Pedro ficaram desesperados e correram para casa. Iam contar aos pais o ocorrido. Eles abandonaram o amigo porque haviam o matado sem intenção. Os pais, cientes da gravidade, ficaram perplexos com os dois filhos. Eles custavam a acreditar porque na educação das crianças jamais estava a violência. Todos aconselharam Antonio a fugir, mas a falta de compreensão dos pais foi a maior decepção.

Antonio para não ser preso, resolveu fugir, mas antes devia satisfações a sua noiva. Sabendo que o casamento estava por acontecer, achava que na sua hora difícil, Verônica fugiria com ele. Esta moça se recusou e disse:

_ Jamais fugiria com você, seu assassino!

Antonio se sentia sozinho e sem apoio. Ele lembrou dos bons momentos com Catarina. Sabia que ela o amava de verdade. Chegou na casa de Catarina e contou a mesma historia para a moça. Ela não teve dúvidas, pegou as poucas roupas que tinha e ambos sumiram sem deixar vestígio.

Com o passar do tempo, as duas famílias estavam em desespero porque não sabiam se Antonio e Catarina estavam vivos e salvos. E assim nunca mais tiveram notícias do casal.

Eles eram analfabetos. Tinham medo de voltar para casa e serem presos. Casaram-se em um lugarzinho e juraram além dos votos de casamento, guardar o segredo para sempre entre eles.

Iam arranjando comida, pouso e trabalho pelas fazendas que vinham pela estrada. Pelos caminhos dos anos foram criando uma grande família, nove filhos bem educados. Este casamento foi duradouro, sessenta e quatros anos de convivência e cumplicidade em todos os sentidos. Não houve atritos, nem brigas que os separassem.

Antonio faleceu com oitenta e um anos num dia próximo da festa do Natal. Catarina, sua fiel esposa viveu mais seis anos em agonia constante após a partida de seu eterno amado. Nem ao leito de sua morte, ela quebrou o segredo sem fim da união de duas vidas.

Antonio morreu acreditando que era um assassino, como sua ex-noiva o chamou um dia no passado. Mas o segredo não foi ao tumulo junto com Antonio e Catarina, como era o esperado, porque o destino se incumbiu a trazê-lo à tona para surpresa de seus familiares.

Quase setenta anos após o ocorrido. Uma neta de Antonio, dentro de tantos que tiveram, a qual morava em outra cidade, em torno de duzentos quilômetros de distancia dos avós, precisou de assistência jurídica para o divórcio. Ao chegar no escritório de sua advogada, sentou num sofá perto da porta de entrada, esperando para ser atendida. O pai da advogada resolveu passar no escritório da filha ao mesmo momento. Deparado-se com a moça loira, sem rodeios e num espanto de felicidade disse:

_ Você é neta do irmão da minha mãe! O nome de seu avô é Antonio? Tenho certeza que você é minha prima! Alias, seu pai deve ser meu primo..

_ Sim. O nome do meu avô é Antonio. Como o senhor sabe dessa informação?

Ele rindo e espantado com a aparência da moça, tirou de seu bolso a foto de sua mãe e disse:

_ Olhe a foto! Você é muito parecida com minha mãe quando jovem! Só pode ser da minha família. O único familiar que não conheço pessoalmente é tio Antonio. Ele se casou com uma jovem e foram garimpar diamantes no interior do estado. Se não conheço você moça, e pela sua aparência, só pode ser parente deste lado! É a neta de Antonio!

A conversa se prolongou por muito tempo. E assim o pai da advogada, contou a história para a neta de Antonio. O verdadeiro motivo da saída de Antonio e Catarina da casa dos pais. O segredo do casamento estava sendo descoberto naquele momento.

Os filhos de Antonio e Catarina souberam da história, estavam emocionados. Ficaram a imaginar porque seu pai não havia revelado o episodio para aliviar o sofrimento. Com certeza os filhos iriam verificar a possibilidade legal, ajudariam Antonio a ver os entes queridos depois de tantos anos e morrer com a consciência limpa.

A neta sabia que o avô não matou ninguém, apenas tinha defendido seu irmão. O homem baleado passou nove dias em coma e se recuperou naquela época. A família de Antonio e Catarina soube que o amigo baleado ainda estava vivo, e morreu uns dois anos depois de Catarina.

Maior que o medo da cadeia, de ser preso, foi o amor deles que prevaleceu até a morte de ambos. Também maior que a cumplicidade de Antonio e Catarina foi o segredo que os tornou marido e mulher.

Ilario Ieteka
Enviado por Ilario Ieteka em 15/11/2008
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