A copa, doce copa do mundo, dos Estados Unidos.

Em agosto, só em agosto voltou a falar comigo. Nem com a mão dele eu podia falar. É isso mesmo. Menino tem essa de “fala aí com minha mão quando o assunto degenera”. Às vezes achava que a razão era dele, afinal de contas trato é trato e vice-versa. Nós apostamos, aposta não, foi promessa e tinha aquela aura espiritual. E do mais, todos ganhamos, esborneamos, esburramos de contentamento que valia até fazer cócegas em jacaré. Mas para ele, eu deixar de raspar a cabeça, não estava nesse vale tudo.

Não era ódio. Não poderia ser ódio. Acho que foi desapontamento, afinal eu era da turma. Corrente, sabe? Fica tudo assim concatenado quando se é da corrente. E se se vacila, esculhamba tudo.

Naquela ocasião que descobri o apelido de infância dele. Foi na festa da cidade. “Ei Bizonga, vem pra cá, com a gente”, gritou o Looth, que já estava comigo. Ele se aproximou um pouco, mas guardou uma distância de desprezo. Caminhou próximo a nós e não conosco, por bom tempo da festa noite adentro. Eu fazia muitas coisas pra desemburrar aquele mais prezado dos meus amigos. Aquele que estava sempre alegre com quase tudo. Então eu chamava “hei Bizonga, vem pra perto da gente!” Mas nem a mão dele respondia .

Eu tinha mesmo que perder o juízo. Assim como tantos outros nunca vira o Brasil ser campeão do mundo. Depois daquele “três a dois” na Holanda, “ah eu tô maluco, ah eu tô maluco!”. Aquele gol “bebê” do Bebeto, e o Branco, “Branquito”, como diria o Maradona, a gente achava ele o maior fim de carreira, mas carregou a bola, driblou, sofreu a falta e com personalidade pegou a bola como um predestinado, cobrou aquele tirambaço. Golaço, coisa que só brasileiro faz. O Baixinho até participou do lance, tirando a bunda fora. Foi bem bacana, muito bacana. Por isso eu disse: “vamos raspar as nossas cabeças, se der o tetra?” Ele topou na hora, o Super Calango aderiu e o Looth embarcou na idéia também. E só faltavam dois. “ Vocês vão ter que me engolir, vocês vão ter que me engolir!”. Eu não via a hora de engolir o velho Zagallo.

Só faltavam dois. Agora era a vez da Suécia do povo mais civilizado do mundo, com o seu goleiro fanfarrão, Ravelli, que fazia piruetas em cada bola da seleção brasileira que ia pra linha de fundo. Tivemos um primeiro embate com os suecos e foi duro. Um a um, suado. Mas para pular à final, a nossa seleção jogou fácil, dominou e o “um a zero” que o baixinho Romário fez de cabeça entre os gigantes zagueiros suecos, não retratou o jogo. Era para mais.

Até que o dia raiou e chegou a hora e a gente não tinha que ir embora. Em oitenta e dois, na Espanha, a “esquadra azzura” tinha mandado para os ares a nossa esperança naquele “três a dois” em que o “maledeto” do Paolo Rossi entristeceu um Brasil que apostava naquela seleção, que parecia mágica. Mas isso tinha ficado pra trás, agora, doze anos depois, já havia vários dias um atrás do outro. E sempre foi bom um dia após o outro.

A seleção italiana estava numa retranca danada. O Brasil também não ficava longe disso. As changes de gol foram poucas e foram nossas. Quando o Viola entrou na prorrogação, achei que ele decidiria o jogo. Os italianos estavam só bagaços e o Brasil tinha mais fôlego. Mas a decisão teve que ser nos “penais”. Sei que quando o Tafarel defendeu o pênalti do Massaro e o Dunga converteu pra gente, estava na hora, estava na hora... O Baggio, que havia salvado a Itália aos quarenta e seis do segundo tempo contra a Nigéria, e até budista o cara era. Não é que o cracaço italiano chutou pra fora. O Brasil é tetra, o Brasil é tetra!

Nos refestelamos. Explodimos de alegria no meio das pessoas penduradas nos carros, nos ônibus. A avenida Beira-Rio tomada. De Colatina eu sabia: O mundo é do Brasil.

Assim, no dia seguinte, a gente tetra, vi duas cabeças luzindo ao sol e ri de doer a mandíbula. O Looth tinha ficado o mais ridículo. Não fizera o corte zero e os “caminhos de rato” gritavam. Parecia um monstro de olhos azuis. “Aê, não vão pegar ninguém” falei pra eles. O Looth se enfureceu comigo. “Sacanagem, então você não raspou?”. E então, o Bizonga, entristeceu-se e nem falou comigo, e nem mesmo na festa da cidade.

Um dia chegou que, precisando de umas explicações em matemática, ele apareceu lá no corredor da Escola Técnica e ficou andando pra lá e pra cá, mas não dizia nada. “Vamos Bizonga, deixa de ser tolo, vamos mastigar essa matemática. E assim selara-se a paz.

Na copa da França, que perdemos para os franceses, desconfiei, por um pouco, que a culpa fora minha. Não cumpri a promessa e os deuses do futebol haviam se vingado. Mas é besteira que passa pela nossa cabeça, que a gente nem controla. Imagina.

O Bizonga, que é Rodrigo, agora o chamo “Doutor Digo”. Temos nos falado longamente ao telefone. Ele está em Salvador, é engenheiro da Petrobrás e sabe muito mais matemática que eu e tem vocação para a amizade. Assim como para seleção, torço muito por ele.

Se neste ano na Alemanha o Brasil for “hexa”, vou raspar o côco e vai ser de máquina zero! Pode saber Doutor Digo, pode saber! Quero ser um cachorro se não o fizer. Afinal é a copa do Mundo, é um país, é uma paixão.

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 17/04/2006
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