A primeira lembrança que tenho na minha vida era a caixa de papelão que dormia com meus irmãos. Lá morei por umas semanas sendo alimentado por minha mãe, que parecia definhar com os dias. Cada dia ficava mais magra e doente.
 
       Era frio e dormiamos todos juntos, eu minha mãe e meus 7 irmãos. Um dia, minha mãe não acordou mais pra buscar comida. Pensamos que estava cansada e quisesse dormir, mas as horas foram se passando e ela não mais acordou...
 
       A fome foi aumentando e alguns dos meus irmãos se aventuraram a buscar comida. Acabei ficando sozinho na caixa com minha mãe. As horas foram passando e meus irmãos não voltaram assim como minha mãe não acordava...Lambi sua boca me despedindo..No fundo eu já sabia que ela não mais abriria os olhos.
 
       Resolvi então me aventurar pelas ruas..Parecia um novo mundo..Deixar pra trás minha mãe e minha caixa não foi fácil. Carregava tristeza no olhar, estava bastante magro e abatido, com fome.
 
       Percebi então que estava em uma cidade grande quando sai do beco de lixo que morava.
       As pessoas passavam rapidamente sem repararem em mim. Eu as olhava pedindo ajuda, socorro, um pouco de comida.
 
       Cansado de esperar a ajuda alheia que não vinha nunca, caminhei sem rumo pela cidade, atravessando ruas correndo de medo dos velozes carros até que encontrei um pedaço de pão no vão de uma calçada. Foi meu banquete aquele dia.
 
       A noite, já perdido na cidade grande, me abriguei debaixo de uma laje de uma loja do centro da cidade e adormeci.
 
      Pela manhã fui acordado com violência e chutes de um homem grande. Sem saida, tratei de sair dali correndo e fui parar numa praça de grama verde. Parecia no meio daquele inferno, um paraíso. Jurei que nunca mais sairia pra muito longe daquele local.
 
      Pisar na grama era especial, parecia que o jardim daquela praça me acariciava...Sentimento novo em minha vida.
       Me acomodei debaixo de um banco de madeira e lá fiquei algumas horas olhando a movimentação.
 
       Vi um grupo de crianças chegarem e uma menina se aproximar do banco onde eu me encontrava.
       Assim que me viu ela tirou do bolso um doce e me ofereceu. Apesar do medo que senti de levar mais chutes, me aproximei devagarinho e peguei o doce, mas ela mais rápida, me puxou e me pegou no colo rapidamente.
 
       Foi quando me apaixonei pela primeira e única vez em minha vida.
       A menina me acariciava com delicadeza e cuidado. Sua voz soava-me doce e serena.
       Ela sentou-se comigo no banco da praça e me colocou no colo alisando minha cabeça com carinho. De repente ouvi uma voz grossa gritando alto e zangado, fazendo com que  a menina me coloca-se no chão e limpasse as mãos no vestido.
       Ela olhou pra trás uma única vez e sua alma chorou. Tentei seguí-la mas o homem dos gritos me amendrontou e voltei pra debaixo do banco.
       Nunca mais a vi em toda a minha vida...e nunca mais amei ninguém. Ela era a minha única lembrança de amor e quis eternizá-la na memória.
 
       Hoje velho e com cicatrizes da vida, me reconforto numa velha oficina de carros usados. O dono me acolheu com comida e daqui nunca mais quis sair...Em todos esses anos nunca a esqueci um só minuto de minha curta vida.