O VELÓRIO

Há muitas coisas que eu gosto de fazer nessa vida. Uma delas, é participar de velório. Eu fico contrariado quando passam muitos dias, sem que eu tenha a oportunidade de levar meu último adeus, a um conhecido, um amigo ou até mesmo a uma alma cristã, a qual eu não tive o prazer de conhecer.

Bem! O fato que vou lhes contar, aconteceu já faz alguns anos.

Vinha eu solitário e aborrecido, perambulando pelos arrabaldes da cidade numa noite agradável de lua cheia. Na solidão do caminho, somente o ciciar dos grilos e o pio agourento de uma ou outra coruja, quebrava a monotonia do lugar. A estrada deserta e repleta de pedregulhos, marcava o meu itinerário indefinido. Em dado momento, avistei ao longe, uma luz fraca que emanava de uma das poucas casas que povoavam aquele lugar ermo e deprimente. Apurei a visão e percebi um certo movimento em frente ao local. Pensei comigo mesmo: “Ali deve ter um velório”. Sem pestanejar, apressei o passo. Ao me aproximar, comprovei minha intuição. A porta da sala estava aberta. Observei que havia um caixão acompanhado de todo aparato fúnebre a decorar com simplicidade o ambiente rústico. Com todo respeito, me aproximei do pobre ataúde. Em silêncio, fiz uma oração pela alma do defunto. Ao observar o dito cujo, levei um pequeno susto ao ver seu rosto todo barbudo. Apesar de não ser comum encontrar um cadáver bonito, bem que os parentes do indivíduo poderiam ter barbeado o rosto do coitado. Nunca havia visto defunto mais feio em toda essa minha vida de peregrinação.

Após fazer minha homenagem ao falecido, me acomodei. Perscrutei com o olhar as poucas pessoas presentes. Não havia nenhum conhecido com quem pudesse travar uma prosa. Mas como é de pleno conhecimento, o povo mineiro prima por sua cordialidade, principalmente os menos favorecidos pela sorte; como era o caso dessas pessoas. Não demorou muito, e eu já estava familiarizado com todos os presentes. As horas foram passando, os assuntos se esgotando. Meu velho e teimoso estômago já começava a se manifestar.

Em um canto da sala, as rezadeiras – velhas carcomidas e maltrapilhas – também aos poucos se inquietavam. De vez em quando, levantavam, se aproximavam do caixão, olhavam em direção da viúva, que cabisbaixa, absorvida em seus sentimentos, soluçava de mansinho. Em seguida, elas se dirigiam para a cozinha, vasculhando com os olhos a mesa tosca e vazia. Nem mesmo um café frio, líquido por mim abominado, havia para enganar o bucho.

Como a viúva não se manifestava e, eu cada vez mais faminto, resolvi tomar uma providência. Levantei meio sem jeito da cadeira, tirei meu chapéu do colo. Murmurando para as pessoas presentes, solicitei uma contribuição a cada um.

A dona da casa, escutando o sussurro, levantou e veio até mim.

— O que é que está acontecendo? — perguntou espantada.

— Bem! — respondi um tanto sem graça — É que a noite já está se alongando e, a senhora sabe...O estômago reclama...Como ninguém nos serviu nada para comer, resolvi fazer uma vaquinha para a compra do café.

— Meu Deus! — exclamou a velha, toda sem jeito. O senhor queira me desculpar! Com tudo que me aconteceu, esqueci de providenciar um lanche.

— Não se preocupe. Eu já coletei alguns trocados. Num instante eu saio e compro algo para comer.

— Não senhor! Essa obrigação é minha. Vou pegar o dinheiro. O senhor, por favor, fique aqui perto do meu querido esposo, enquanto eu dou um pulo lá no armazém do Felipe. Já deve ter fechado à essa hora, mas eu chamo na janela, peço para ele me vender alguns pães da sobra da tarde, umas fatias de salame e, um pouco de café; porque nem isso eu tenho aqui em casa.

— De maneira alguma, minha senhora! — retruquei — Não vou permitir que a senhora saia à uma hora dessas, abandone seu falecido e vá procurar comida. Pode ficar aqui, que eu mesmo tomo as providências. Ademais, não vou aceitar que a senhora gaste um centavo do seu dinheiro conosco. A senhora já fez muito ao entrar com o defunto, agora nós entramos com o café.

Despedi e saí apressado pela porta, deixando a mulher boquiaberta, e os presentes, com uma risadinha discreta. Não sei ainda qual foi o motivo do riso. Ora bolas... Afinal, eu estava só tentando ajudar.

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Gilberto Feliciano de Oliveira
Enviado por Gilberto Feliciano de Oliveira em 23/04/2006
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