A LOURINHA ESPILICUTE E O JEGUE SEM NOÇÃO

— Pois é como eu lhe digo, moço! Quem me contou, num é de mentir. Por isto é que eu lhe repito, como um caso verídico acontecido!

O outro, sem poder expressar direito a sua estupefação, limitou-se apenas a dizer: “acho que eu não entendi direito...”.

Animado, o narrador voltou ao princípio da história.

“Foi assim: a moça, uma lourinha muito da sua “espilicute”, já tinha ido a Seca e Meca, nesse mundão de Deus. Apesar de ainda sê muito nova e daquele jeitinho de madama, conhecia as quebrada da noite, as tristeza da madrugada e as alegria do sol nascendo.

Sabia bem o que era essa vida, mistura de Céu e de Inferno, que Deus soca no mesmo pilão. Mas tava começando as passada de um novo caminho: andava se aconchegando nos abraço de um coronel lá das banda do Norte. Era um home poderoso das comunicação, que mandava — pelo que dize — nuns vinte e tanto canal de televisão e ainda mais numa revista.

Era do tipo que apreciava uma jagunçada na sua volta, que tinha um coração duro feito pedra e daqueles que achava que a honra, a gente só enxágua com sangue. Às veis, atirava num passante pelo simples gosto de aperciar a queda do desinfeliz. E contam que guardava uns coelhinho na friza, só pelo agrado de vê os bichinho passando frio.

Embora disso, nos braço da lourinha, o coronel se transformava: virava quase um garoto, desses que ainda tão botando barba. Ria de tudo com ela, inté com uma coceira braba que ela tinha nas mão, quando algum jagunço dava de frequentar muito o alpendre da casa, dividindo as atenção do chefe.

A lourinha trabalhava com ele nos negócio, era quem punha sentido na tal da revista e, no correr do tempo, parece que as coisa ia bem: cum namoro e cum resto. Aqui e ali pudia aparecer uns aborrecimento — às veis, por causa de uns abicharocado que ajudava na publicação. Mas apesar de que a menina era um sorriso só, os zóio brilhando e a goela afinada, praquelas noite em que o coronel tava com as ouça querendo ouví o seu canto de canário.

Foi quando contrataro, prá fazer umas ilustração na revista, um moço que era bom de traço e ruim das ideia. O desenhista era quase como se fosse um rascunhador de Deus, tal a parecença entre as criatura real e aquilo que ele botava no papel. Como pensante, mais se parecia a um jegue, de tão desoportuno que era, no falar de certas coisas.

Tudo bem que, nas primeira conversa, ele só mostrou a belezura dos seus desenho e a simpatia da sua fala. Depois é que, tomando muita intimidade, foi prosear demais e causou a desdita toda.

Foi quase no final de um dia de trabáio. De repente — sem quê nem prá quê — olhou prá lourinha e , com os zóio brilhando, falou quase aos grito:

— Agora eu me alembro de ocê!! Foi numa viage que nóis fez...

A menina, de branca, ficou quase roxa. E com aqueles modo feminino de mostrar que “eu num tô nem aí”, atalhou desafetada:

— Lembro não...

— Lembra sim, retornou o inconveniente. Nóis tava num coletivo, quando ocê me olhou, com esse seu zóio de água marinha e perguntou prá onde eu ia, embora o transporte só fosse mesmo prá um destino. E eu atinei que ocê tava era a fim de prosear...

De roxa, a lourinha foi ficando amarela e o coronel — que, no início fizera de conta que nem ouvia a conversa — de pardo, foi ficando cinza. O pió, é que o jegue do desenhista num parava de falar e de ajuntar outros detalhe, que só ia fazendo o ambiente ficar mais inconfortáve.

O coronel pensou em fazer brincadeira da história, mas a dita saiu assim meio chocha. Buscou o adjutório de um agregado da revista, que ali se fazia presente. Só que o referido estava mais era preocupado de fazer o desatinado fechar a matraca, por uns mungango de fisionomia, que o jegue teimava de não entender.

Coisa triste, de fazer dó! A lourinha, com a alma desconjuntada, tentava fazê poco da aventura, que o desenhista desembestado insistia em contá. Dava uns muxoxo desarrumado e olhava pro coronel de menesgueio, como num pedido de perdão antecipado, com aquele jeito de “coisinha sem importância”, “eu nem me alembrava disso” ou, aliás e inclusive, “este desenhadô é uma besta quadrada”. E o coronel ali, durão, num era barro e nem tijolo. Só olhava com aquela cara de “em casa nóis conversa”.

Pois num deu outra! Foi apeando da montaria, emburacou no rumo de dentro e gritou com toda força dos pulmão:

— Julinho! Julinho!

O jagunço veio correndo, com ares de “sim sinhô e dê as ordes comandante”, prá receber aquela determinação, que deixou a lourinha empedrecida de medo:

— Vá na cozinha e me traga a maió faca e a mais afiada que tivé ! E vá correndo, que eu num quero perdê tempo!

Quando o jagunço voltô, trazia uma baita faca numa das mão, que quase lhe chegava nos joelho. A lourinha viu que num pagava a pena corrê: nem num chegava ao portão. Intristecida, fechou aqueles zóio de maré rasa e encomendou sua alma prá Deus, esperando pelo golpi derradeiro.”

— E aí, o que foi que aconteceu?! Perguntou o aflito mas, até então, calado ouvinte.

“O coronel — respondeu o narrador — de um golpi só decepou o pescoço...”

— Da lourinha?!? - atalhou o outro.

“Não, home, se acalme! Dos coelhinho, que ele tinha tirado da friza. Que aquilo era um home duro, sem alma e sem dó. Pois ainda arrematô dizendo prá lourinha assustada:

— Se tem uma coisinha que eu num suporto, são esses bicho fornicadô...”.