O Sgt , O Carancho e o Piá

Formei-me Sargento na valorosa turma de 1984 na Escola de Formação de Sargentos em Santa Maria (RS) e fui classificado no 9º BPM “Batalhão Voluntários da Pátria”, caixa de ressonância da Brigada Militar, visto ser responsável pelo policiamento no ponto nevrálgico da Capital como o Centro, Os Três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, enfim uma área nervosa e conflitada.

Naquela época os efetivos dos Batalhões estavam quase completos, e os Sgt recém-formados , eram chamados de “furripas”, tinham que tirar no mínimo cinco serviços de “carancho”, acompanhando um Sgt veterano para aprender os macetes, etc...

Domingo de manhã chequei cedo no Batalhão, me fardei, todo engomadinho, coturno brilhando, capacete, planilha, caneta. Tomei café no Cassino, junto com os demais colegas de serviço e os “ratões” (solteiros que moravam em quartel, chegando da farra, tresnoitados). Assíduos freqüentadores da Casa de Portugal, Las Vegas, Capitão Sete, Átrio, Bailões do Reci e Cardoso, e mais um monte de casas da “luz vermelha” que encheriam várias páginas.

Chegou à hora da Parada , eu ali firmão, a guarnição em forma o Sgt de dia, fazendo a chamada, conferindo a documentação, cabelo, barba, fardamento, enfim todos as medidas administrativas.

Nisto chega o Sgt Veterano, cabelo sobre as orelhas, bigodão caído sobre a boca, a farda mais parecendo ter saído de dentro de uma garrafa, recebeu a apresentação da guarnição de serviço, e falou a preleção a qual leve e trago na lembrança até hoje:

_ Bom Dia ,Indiada. Tudo mundo tá bebido,comido,cagado e mijado? Se vocês fizerem o certo morro abraçado com vocês , agora se fizerem cagada, azar é de vocês. Tenho dito, e vão pra o terreno.

Cheguei perto dele na posição de sentido e fiz uma continência de parar o sol, batendo com a mão na perna , numa forma de deixar marcas nos netos.

_ Ah. Tu que é o carancho, me espera na viatura que após o efetivo ser lançado na rua vamos fiscalizar.

Ficamos eu o Motorista Macetoso, na viatura aguardando, “las cansadas” apareceu o homem, embornal a tiracolo, mateira, bomba cuia e garrafa térmica. Sentou na viatura e mandou tocar, abriu o embornal, sacou um naco de fumo em ramo, macaio veio brabo, e começou a picar o fumo, pegou a palha passou nos cantos da boca, lambeu, fechou e com um isqueiro de pedra acendeu o palheiro e deu-lhe uma tragada que chegou embaçar o fuca véio. Cevou o chimarrão e ficou ali pitando e mateando. Após duas horas de serviço, eu já com o estômago embrulhado, chegamos no primeiro posto para fiscalizar, ele desceu, eu atrás meio esverdeado, e foi travado o seguinte diálogo, entre o Sgt e um guri que estava jogando bolita.

____ Tchê 35, tu não viu o F do Setor que devia ta em QAP aqui, pois se tu vê ele diz que o Aux passou aqui e se ele não tiver vou afundar os trapos dele.

Subiu na viatura e fomos embora

NA: Neste conto rendo minha homenagem a todos os valorosos sargentos do 9º BPM que de uma forma ou outra ajudaram a forjar a minha carreira. Que Deus os ilumine com muita Luz e Paz. Neste plano ou noutro.

35: Código Brigadiano para (menor, guri, piá)

F: Fox-Trot = PM(Soldado)

Setor : Local de Serviço

Afundar os trapos, as tangas, as cuecas,etc...= Punir

JOAO DE DEUS VIEIRA ALVES
Enviado por JOAO DE DEUS VIEIRA ALVES em 26/03/2009
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