BICÃO DE VELÓRIO

A tarde aos poucos chegava, acompanhada de uma brisa morna, que servia para aliviar o intenso calor daquele dia do mês de março. Esborrachado sobre um dos bancos de uma pequena praça no centro da cidade, gozando da sombra aconchegante de uma das muitas árvores do lugar; estava o velho e folgado Jojoca. Seu fiel companheiro, o cachorrinho Leleco, estirado sob o banco junto de seu dono, observava com olhar preguiçoso, o movimento do trânsito. Jojoca, em dado momento, espreguiçando, levantou coçando a barriga ferida pelas inúmeras picadas de pulgas. Lançou um olhar para Leleco e, disse desanimado:

—É meu amigo, precisamos providenciar o jantar. Hoje, reparei um certo movimento em frente ao salão de velório. Na certa, eles ficarão a velar o defunto a noite toda. Levantando devagarzinho e com passos vagarosos, Jojoca seguiu rumo ao salão funerário. Chegou de mansinho. Com um gesto de contrição e respeito, cumprimentou umas poucas pessoas que estavam a prosear baixinho em frente ao local. Não demorou muito, adentrou o salão. Com o chapéu junto ao peito, dirigiu-se para junto do caixão. Fez uma prece e, observando os presentes, deduziu logo qual deles seria os parentes mais próximos do morto. Com respeito, cumprimentou um por um dizendo:

—Meus pêsames. O finado era muito amigo de meu pai. Os dois se conheciam há muito tempo. É realmente uma pena! Mas o que se há de fazer? É a vontade do Todo Poderoso.

Os presentes ficaram olhando céticos e enojados, para aquele homem repugnante; mas para evitar qualquer constrangimento, nada comentaram. Passados alguns minutos, Jojoca se levantou da cadeira, deu uma espiada no morto, fez o sinal da cruz e se dirigiu rumo à pequena cozinha que ficava ao lado do salão. Lá chegando, se espantou com a variedade de guloseimas à sua disposição. Entre um trago de refrigerante e uma mordiscada na bolacha que segurava com equilíbrio entre tantas outras que lhe abarrotavam a mão, ele pensava “Como Deus é bom, até nessas horas, ele arranja um jeito de nos matar a fome. Se bem que eu preferiria saborear um sanduíche de queijo e lombo, ou quem sabe... uma sopa quentinha. Será que esse pessoal pensa que a gente se alimenta de tristezas; que durante essa longa noite de velório temos que contentar com essas migalhas? Mas tudo bem! Eu não vou pagar nada mesmo...”

Meditando sempre e, nem um pouco preocupado com os presentes, Jojoca foi se servindo de bolachas, biscoitos, balas e fatias de pão. Devagar, o bicão de velório, ia introduzindo nos bolsos do paletó imundo, o que não conseguia devorar.

Lá fora, paciente, Leleco esperava o momento de compartilhar com o dono, o farto jantar.

Gilberto Feliciano de Oliveira
Enviado por Gilberto Feliciano de Oliveira em 07/05/2006
Código do texto: T151799