PREFEITO MANDACARU

Corria célere o ano de 1994 no município de Riprevale, distante da Capital aproximadamente 120 kms. Os habitantes andavam às turras com seu mandatário, homem despótico e que montara a sua política na realidade das ambições locais.

Sabia de todos os meandros municipais. Em sua figura nordestina, brilhava o semblante com ares de coronel astuto e malicioso, no exercício, sempre do seu agrado: o jogo das intrigas e das ameaças.

-“A lei é dura para quem é mole... Meu governo é feito para servir os amigos e não conheço qualquer empecilho quando nossos interesses estão em jogo. Inimigos aqui em Riprevale não canta de galo”... Bradava a todos os pulmões o Prefeito Neruda Tobas.

Certa vez, o Prefeito Tobas foi convocado pelos Edis para comparecer à Câmara Municipal para que prestasse esclarecimentos sobre as contas de sua administração, uma vez que o Tribunal de Contas as tinha rejeitado.

Além dos reclames da população local, quanto aos serviços essenciais que não eram realizados, tais como:

Escolas em péssimo estado de conservação, o único posto de saúde não funcionava por estar em condições de total precariedade, o médico contratado para realizar o atendimento, não aparecia por falta de pagamento do seu salário. Era vergonhoso verificar-se os desmandos do gestor municipal.

Atendendo o convite, o alcaide, com sua corriola de séqüitos em procissão pelas poucas ruas esburacadas, chega ao Legislativo Municipal, sendo recebido à porta pelo Presidente daquele Poder, Vereador Manoel Tolano Filho.

Ao adentrar o plenário foi saudado pelo Vereador José Pintolando, que lhe fazia oposição. Com ironia e sarcasmo que assim o tratou:

- Seja bem vindo Prefeito Mandacaru... Tobas.

Todos os presentes, sem entender nada, silenciaram. O prefeito, num gesto de total descontrole, sua marca registrada, socando a mesa, berrou impropérios ao edil, que lhe tinha dirigido os cumprimentos de maneira um tanto descortez, com dedo ameaçador gritou aos quatro ventos: “ Pinto filho de uma chocadeira sem pai. Se fores macho repete o que acaba de me dizer! Eu acabo com tua raça de cachorro doido”.

Num lampejar de pura inteligência, Pintolando faceiramente e com toda a calma que lhe era peculiar, usando de sua posição de representante do povo Riprevalense, da tribuna de onde se encontrava, debate com eloqüência as acusações do Alcaide municipal:

- “Excelentíssimo Senhor Prefeito de Riprevale, se a vós me dirigo com saudações que aos vossos ouvidos soaram descortesmente, é porque vossa excelência não está alcançando o sentido que empreguei à saudação à vossa pessoa. Quando lhe chamei de prefeito mandacaru, referia-me tão somente, à figura do prefeito como homem público, e, não da pessoa do Tobas. Digo, meus Pares, que o representante do Executivo Municipal é um pé de mandacaru, pois não dá sombra e nem encosto.”

- “Repito: não dar sombra e nem encosto”.

Tobas, sentado, estrebuchava com raiva de Pintolando, tinha vontade de pular em seu pescoço e estrangulá-lo ali mesmo , na frente de todos. Mas

conteve sua impetuosidade. Ali não era o momento e nem o local para processar qualquer investida contra este filho de rameira. Pensa. Não queria acreditar no que estava ouvindo.

José Pintolando, era cearense de nascença, homem de uma cultura singular, repentista e contador de anedotas de primeira qualidade, nunca fora a uma escola, autodidata, aprendera a estudar sozinho, tinha conhecimento de política como ninguém.

Certa vez, ganhara do professor Anderson, um ilustre morador da cidade e seu amigo, uma coleção de livros de História, Geografia e os discursos de Rui Barbosa, que gostava de ler e citar entre amigos. Rui era seu ídolo, serviu-lhe como referência de um bom político.

E continuando sua oratória, Pintolando em discurso inflamado chamava a atenção dos presentes:

- “ Não dá sombra, senhoras e senhores, porque não tem folhas e ninguém pode nele se encostar sem que não seja espinhado. Quanto as ameaças que foram a mim proferidas, solicito ao Senhor Presidente, que fique registrado nos anais desta casa os achaques proferidos pelo Prefeito Tobas Mandacaru, para que no futuro possam servir de provas documentais, em caso venha eu ou alguém de minha família, sofrer qualquer tipo de atentado físico ou moral. Tenho dito”!

O burburinho da platéia foi geral. Pintolando foi aplaudido de pé. O Presidente da Câmara, Manoel Tolano Filho, insistentemente tocava a campainha pedindo silêncio dos presentes, que eufóricos não lhe obedeciam.

Os vereadores de oposição ao Prefeito, os atiçavam com gestos de aprovação à manifestação de repúdio ao senhor Tobas e sua corriola de bajuladores que permaneceram, juntamente com ele, calados ouvindo e vendo a sua derrocada política.

Era o povo que se manifestava contra os seus desmandos. De lá da galeria o que se ouvia era o povo gritando palavras de ordem com desafeto –“ Cadê o dinheiro da reforma do hospital, da escola e dos remédios”, “ Prefeito corrupto”, “prefeito mandacaru não dá sombra e nem encosto”.

Aquele dia, para as pessoas de Riprevale, ficaria gravado para sempre em suas memórias. A população, que até aquela data vivia sobre o jugo da tirania de Tobas, passava a acreditar na máxima de que “ a união faz a força”.

Os munícipes estavam nas ruas, não queriam mais no comando do município aquele que recebera seus votos, com promessas de melhorias para todos, mas que realmente melhorava era seu bolso, e a população sendo cada vez mais espoliada e enganada.

Neruda Tobas foi expulso, juntamente com os seus colaboradores, pela vontade do mesmo povo que, há três anos , o tinha nomeado chefe- mor de Riprevale.

Viva a democracia..! Governo do Povo para o Povo...!

Acordei... Ah! Bom Deus... Estava sonhando.

Nicácio da Silva
Enviado por Nicácio da Silva em 02/04/2009
Reeditado em 27/04/2009
Código do texto: T1519441
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