BINGO

O coronel Lindório, certa feita, em Porto Alegre, foi num salão de bingo e ficou maravilhado com aquele divertimento. Imediatamente vislumbrou a possibilidade de movimentar o pachorrento povo de Vila Velha.

De volta ao vilarejo o fazendeiro alugou um galpão do bodegueiro Ventania e montou a casa de jogatina. Além do inocente folguedo de salão, nos fundos, tinha uma mesa para carpeta. No pátio construiu uma quadra de jogo do osso, escondida por uns pés de maricás. Até o Padre Chiquinho fazia vista grossa àquele antro, enquanto a polícia nem se dava por rogada.

O negócio corria solto há vários meses e o Anacleto, alarife daquelas bandas, estava viciado no jogo. Dia-a-dia o gaúcho visitava o local. Freqüentava, vez que outra, os fundos da casa e arriscava alguns pilas na tava. Na realidade preferia o bingo, porque sendo solteiro facilitava algum namorico.

Pois o qüera era tão aficionado que, ao ganhar um vira-lata, colocou o nome de Bingo. O cusco aquerenciou-se logo, logo na nova morada. E parecia gostar do nome que lhe deram. O cão, dorminhoco, só levantava para fazer festa quando o seu dono chegava.

Certo dia, o Anacleto sonhou que ganharia uns pilas no jogo. Tomou banho, vestiu as pilchas, e assoviando partiu célere em direção ao prazer. Entretanto não notou que o Bingo o seguia de longe, escondendo-se por entre o capinzal.

No salão comprou as cartelas e pegou uma mãozada de milho para marcar as pedras cantadas. O jogo corria solto e a sorte parecia ter abandonado o gaudério. Na última rodada, o prêmio era realmente muito bom. O cantador cantava os números e o Anacleto marcava pedra por pedra. Trifaceiro verificou que faltava somente o vinte e seis, que era seu número de sorte. “Os pilas tão no papo! Ora se não!”, pensou sorridente.

De repente, ludibriando o porteiro, o cachorro entrou no salão e foi direto à mesa onde estava o seu dono. E chegou bem no momento em que o cantador gritava um número. O Anacleto, avistando o guaiapeca, gritou:

- BINGO, o que e...

- BINGO! – gritou o cantador, apontando o Anacleto – O cavalheiro ali pode subir no palco para receber os cobres.

O jogo cessou.

- Qual a pedra cantada? – indagou, ressabiado, o Anacleto.

- Vinte e dois!

- Vinte e dois? Não quero este número! Falta o vinte e seis!

- Mas...

- Ainda nem preenchi meu cartão.

Foi aí que um gaúcho aspa-torta perguntou:

- Por que gritou Bingo, animal!

Desesperado, o Anacleto procurou o vira-lata e balbuciou:

- Meu cachorro tem o nome de Bingo, né!

O cantador, sob aplausos da gauchada, afirmou:

- O jogo continua! Não desmarquem as jogadas.

E com cara sisuda ordenou:

- Menos tu aí, tchê! Gritaste Bingo sem ter a cartela preenchida. Tu tá fora!

O Anacleto, ao ver que fora eliminado, saiu atrás do Bingo. E gritava:

- Ainda mato esta porcaria. Ainda mato...

Lá no palco, o número vinte e seis acabara de ser cantado.