O NEGÃO DO FUSCÃO BRANCO

CIDADE PEQUENA TEM O SEU LADO FOLCLÓRICO, DE BOATOS, DE DISSE-ME-DISSE. E AS PESSOAS SE DIVERTEM COM ESSES BOATOS. VEJA O QUE ACONTECEU NESSA CIDADEZINHA HÁ ALGUNS MESES ATRÁS...

Ela saiu de casa em pleno horário de verão, às 4h da manhã, embora fosse advertida, depois da boataria, para não fazer aquilo. Dirigiu-se para o ponto de ônibus. Sentou-se no banco da praça e ficou esperando o coletivo que nesse dia, não se sabe porque, demorou um pouco mais. Já estava bastante impaciente quando viu surgir um clarão no final rua. Deu graças a Deus. Era o ônibus! Levantou-se e fez sinal para o coletivo parar. O clarão foi se aproximando. Quando ela pôde divisar o veículo, o sangue gelou em suas veias. Parou ao seu lado um fuscão branco. Ela entrou em pânico. As pernas amoleceram e a voz sumiu, ao mesmo tempo em que viu descer apressadamente do carro um homem louro de uns 2m de altura, magro, cabelos quase raspados, sorrindo e esfregando as mãos, em sinal de contentamento. Ela tentou não demonstrar medo, mas se apavorou quando ouviu uma voz rouca convidar.

- Entra aqui!

Ela tentou recuar. O homem agarrou-a com força, tapou a sua boca, arrastou-a para dentro do carro, trancou a porta e saiu em alta velocidade. Apavorada, ela implorou, tentando despertar compaixão.

- Moço, pelo amor de Deus, me larga! Sou uma religiosa... Estou indo arrumar a igreja pra missa das 6!

Pisando mais fundo no acelerador e rindo, ele olhou-a pelo retrovisor interno e confessou com voz rouca:

- Negativo! É de beata mesmo que eu gosto!

Foi aí que ela entrou em pânico. E se apavorou ainda mais quando observou o velocímetro marcando 100km/h. O homem avançava feito louco pelas ruas estreitas. E no intervalo das risadas, anunciava.

- É hoje...

De repente surgiu na esquina um cachorro. Para não atropelar o bicho, o louro foi pisando levemente no freio e reduzindo a marcha, fazendo o veículo perder velocidade. Quando percebeu a proximidade do carro, o cachorro fez menção de atravessar, mas recuou, correndo em linha reta. O homem achou engraçado. E rindo e gesticulando pra fora do carro, berrou:

- Sai da reta, bicho feio!

O cão se assustou. Pareceu entender literalmente a ordem e desnorteado, saiu mesmo da reta, se atirando na frente do carro. Foi inevitável o choque. O freio cantou na madrugada e o animal foi arremessado longe. O carro rodopiou, parando a uns 100 metros adiante. O louro desceu e saiu correndo para ver o animal estirado na rua. A mulher, de tão aterrorizada, nem conseguia sair do lugar.

Ao ver o cão morto, o corpo do louro magro foi sacudido por convulsões. Grunhidos saíam de sua boca, enquanto ele abaixava a cabeça pra vomitar:

- Droga, nunca mais como carne...

E se curvava a cada vez que as golfadas jorravam.

A mulher assistia a tudo, sem saber o que fazer. O terror paralisou-a por completo, entretanto, milagrosamente, uma idéia surgiu em sua mente. Como o homem estava longe e de costas, ela abriu a porta do carro devagarinho, saiu agachada, pulou a cerca de uma casa e se escondeu no quintal de maneira que podia ver tudo o que acontecia. O coração saía pela boca.

De repente, no final da rua, surgiu o clarão de faróis de um outro veículo em alta velocidade. Ela estremeceu novamente, mas o pavor se transformou em alívio quando percebeu que era o carro da polícia. E o alívio se transformou em alegria quando o carro freou bruscamente atrás do fuscão branco. Desceram PMs apontando armas e gritando. O homem louro tentou fugir, mas acuado, parou, erguendo os braços.

Poucas horas depois uma nova fofoca batia nas portas das casas: o negão do fuscão branco foi preso na madrugada porque atropelou uma vaca e o carro capotou. Não! Não era uma vaca. Era um porco. Outros afirmavam que ele não agia sozinho. Tinha um comparsa, que escapou no meio do tiroteio. Teve até tiroteio! – dizia o povo, acreditam? O comparsa pulou o muro de uma casa abandonada e desapareceu misteriosamente no meio do colonião. Diziam que na certa ele tinha parte com o demo porque sumiu como pó.

Enquanto isso, o Gerente de Banco, “lindo, louro e maravilhoso”, recém-transferido para a cidade, estava lá na cadeia, para quem quisesse conhecer o “negão do fuscão branco”. E a beata? Quem disse que ela abriu a boca pra dizer: essa boca é minha!?