B I C H A R A D A

O pai, incomodado com a situação do filho, pediu ao Encarregado de Pessoal que arranjasse para ele um emprego na construtora. Esse Encarregado era um cinqüentão grisalho e bigodudo, paciente e bem quisto na obra, de nome Gonçalo. E admitiu o rapaz porque era um favor que fazia a um velho amigo, embora soubesse da sua fama de ser devagar, desinteressado, lerdo e pouco inteligente.
E é verdade. Carlinhos não queria nada com a dureza. Passava os dias brincando de skate na rua com os marmanjos da sua idade. E sabe, gente, que ele já tinha completado vinte e sete aninhos? E nem tinha namorada. Acho até que nem se interessava por mulher. Mas espere, pare de pensar bobagens! Ele não tinha fama de gay não. As más línguas o pouparam. Felizmente!

No primeiro dia de trabalho, o Encarregado da obra, procurando ambientá-lo com o local, chamou-o a uma sala onde havia um telão de computador e foi lhe mostrando a planta da construção. Explicava detalhadamente o mapa, mas o rapaz não demonstrava nenhum interesse. Então o Encarregado viu que ele não entendia nada de informática e resolveu levá-lo pessoalmente ao canteiro.
- A equipe aqui rala direto. – dizia o Sr. Gonçalo - Todos trabalham demais. Está vendo aqueles dois ali? Trabalham juntos... parecem clones... são irmãos gêmeos.
Continuou falando da equipe de trabalhadores, as funções de cada um. E nada, o rapaz sempre aéreo. Diante disso, o Encarregado decidiu pôr fim à conversa.
- A gente tem que manter uma obra bem limpa. Principalmente aqui... tem muito bicho: cobra, caranguejo, sapo, escorpião...
O rapaz interrompeu-o intempestivamente.
- Eu sou touro!
- Não, estou falando daquele bichinho venenoso que pica...
- Sai fora...


Três dias depois, chegou um servente no almoxarifado e pediu:
- Uma lata de branco gelo!
- Tem não, camarada! Nem vi geladeira aqui!
- Rapaz, tô falando da tinta branco gelo!
- Ah, seu burro! Também, não explica!
O servente não era muito paciente. Não gostou do adjetivo e nem do tom empregado e os dois acabaram discutindo. Foi um bate-boca danado. Quase saiu porrada. A turma do “deixa-disso, segura-o-homem” teve que intervir para acabar com a briga.

Nesse mesmo dia, mataram alguns escorpiões num monte de madeiras usadas. O encarregado fez questão de mostrar ao recém-admitido:
- Não te falei que aqui tem escorpião? Veja...
Carlinhos se encolheu, assustado.
- Sai fora... Como trabalhar sossegado num lugar desses?

No dia seguinte, o rapaz do “branco gelo”, voltou ao almoxarifado. (Era um servente magro, de voz muito grossa e aparentemente assustada). Evitou falar com Carlinhos. Foi direto ao Encarregado.
- Uma Coral...
Carlinhos, quando ouviu a palavra coral, pensou nos escorpiões que viu no dia anterior. Jogou tudo pra cima e saiu correndo do escritório, enquanto os outros empregados davam gargalhadas e o Encarregado, em meio à confusão, gritava:
- Ei rapaz... volta... volta aqui! Coral é tinta para pintar paredes!
Alguém aqui acha que o lerdo ouviu? Claro que não! Estava bem longe. Corria feito louco na direção da saída.
Acho até que foi ele que inventou aquele ditado: “sebo nas canelas...” “perna pra que te quero...” E o filme?: “Corra Que a Polícia Vem Aí...”

P.S. –
por favor, não me perguntem se o rapaz era louro, senão “solto os bichos”... kkkkkk