UM HOMEM CRUZOU A ESQUINA

UM HOMEM CRUZOU A ESQUINA

Um homem cruzou a esquina, ele caminhava com passos firmes, porém, lentos como se graduasse os metros percorridos ou não tivesse definição de onde queria chegar. Naquele lugar esquecido do mundo, onde outrora foi um grande centro comercial em tempos Imperiais, hoje restava um monte de ruínas que serviam de fotos nada clássicas a turistas que ali vinham em busca de aventuras e um pouco de história de um passado remoto e invariavelmente insólito. Ele deliberadamente parou frente a uma grande ruína que ainda ostentava a grandeza da realeza absoluta do tempo estóico de uma Igreja que nunca fora totalmente edificada, mais que ainda guarda a idéia daquilo que seria, se concluída fosse... De repente ele estancou, sentiu o vento a levantar-se-lhe os poucos cabelos e acariciar o seu corpo esquálido aumentando o volume do corpo pela roupa dando assim a impressão que ele fosse mais forte... Ele já havia cruzado a Igreja de São Matias, onde ainda ostenta o pelourinho, um lugar de martírio que os historiadores fizeram questão de preservar como um marco sangrento de uma época que se flagelava e matava em pórtico publico com uma pequena diferença do que hoje fazem, às escondidas e se condena através de expedientes outros.

Já fazia algum tempo que ele não saia de casa. A enfermidade que aparecera ainda há uns 15 anos, agora se acentuava e, abaixo do peito esquerdo ele não sentia tão somente a dor do abandono, mais a própria miséria de um câncer pulmonar que lhe roia as entranhas e proporcionava dores jamais sentidas. Virar para um lado, olhar para traz era sempre um grande sofrimento por ele evitado. Quando conseguia algum alimento, ingerir somente com ajuda de muita água porque se lhe engatava na garganta deixando-o sem ar, uma sensação horrível de sufocação espontânea, mais o pior era a tosse, essa sempre trazia resquícios de sangue e isso, assim como outras formas de hemorragias, denotavam o quadro critico do paciente que nunca foi, porque ele cuidou de todos e quando precisou de mínimos tratamentos, assim como: o conforto de uma companhia, de uma presença familiar, todos haviam se esquivado, como se ele fosse um estorvo, algo fétido a ser dispensado na lixeira mais próxima, não mais tinha serventia, ele era um peso morto, uma pessoa que cuja companhia nada agradaria.

Ele tentara inutilmente contato com os filhos mais velhos, mais esses, temerosos de que ele viesse a pedir-lhes ajuda, haviam mudado o numero dos telefones para não serem incomodados, afinal eles tinham os seus próprios problemas, esqueceram que esse homem velho os havia educado e criado na forma melhor possível, eles olvidaram que quando ele produzia, jamais negou ajuda a quem quer que seja, assim como também eles não se lembraram que em suas duvidas e problemas, haviam recorrido a esse trapo que ainda ousa se chamar homem e a ele solicitaram ajuda.

O filme de um passado não muito distante veio-lhe à mente, agora ele não pensava em sofrimento, passara fome, sofrera os diabos, foi crucificado até por atos jamais cometidos por uma justiça injusta pronunciado por coisas as quais nunca fez, porque uma vez na vida ele escreveu o que não podia ser escrito e insultou publicamente a alguém que não merecia mais ele necessitava de dinheiro para sobreviver, e isso, só abreviou o seu fim, afinal o desconsiderado forte, tudo fez para jogar-lhe no mais absoluto sofrimento, aquele, da perda da liberdade por atos que ele jamais sonhara em cometê-los. Mais agora, a doença avança a passos cada vez mais velozes, a sua vida está por um fio, ele não cogita reparação, indenização ou essas coisas que a legislação prevê, ele jamais teve o reconhecimento pelo que escreveu e

Nem isso pleiteia, gostaria de ter a paz, aliada ao mínimo de conforto, já que nem os remédios necessários à sua sobrevivência ele tem...

Agora os seus passos se tornam mais ligeiros e ele já rompe o largo das Mercês, assim para apreciar pela ultima vez a cidade que ele tanto amou, onde nasceu e viveu durante toda a sua vida. O seu coração está vazio, não comporta o amor e nem o ódio, ele busca compreender aqueles que lhe difamaram e tentaram de todas as formas transformá-lo em um fora da Lei mais que de cujos autos fálicos e maus intencionados, até poderiam alcançar os seus objetivos escusos, porém, jamais se lhes expressariam a verdade pela própria inverdade às quais eles se basearam.

Nesse exato momento ele se encontrava no lugar talvez mais alto da cidade, pelo menos assim ele o julgara, isso, também não era importante, mais ele gostaria em um ultimo instante lançar o ultimo olhar sobre a Cidade que ele nasceu, amou, deliberadamente recusou propostas milionárias para migrar e renunciou e sempre disse aqui é o meu lugar...

Em um coração talvez não haja lugar para tanto amor, tanto sofrimento, tanta decepção e nem tanta coragem de enfrentar o inusitado, o desconhecido, o nada, o éter em função única da paz e, ele buscou intensamente, até chegou a reconhecer que havia falado mal de pessoas corretas e tentou em vão o perdão... Hoje, ele nada mais espera, a doença avança consumindo-lhe a vida... sem hospital, sem recursos, sem família, sem nada... Ele, o que fará?

Se remoe em pensamentos e encontra em um passado próximo talvez, a desculpa pelo abandono de alguns. Há 20 anos se apaixonara por uma mulher mais jovem e se separara da família, porém não a abandonara continuando a assisti-la, então, o que teria feito de tão grave para concluir que o abandono era motivado?

Após, ver a cidade, os prédios que se assomaram a orla, de sentir o vento norte bater-se-lhe ao rosto fazendo fechar os olhos ante os grãos de areia que ele trouxera, se vira, põe-se a caminhar na volta para aquilo que ele ousou chamar de lar, mais as forças já não mais ajudam, as pernas fraquejam e ele cai, mais no ultimo instante faz questão de ficar com o rosto para cima daquele céu imenso e azul, o mesmo que um dia lhe sorriu nas festas e agora lhe da o adeus final.

Contemporizar, falar, enunciar, o que dizer: nada, o que pensar das pessoas, se eu nem sequer consegui pensar em mim, o que dizer dos programas de governo, se a administração é excelente mais os funcionários ruins, e da vida, o que falar o que dizer ou pensar, em que atitudes são boas, mais ou menos ou más e ante o julgamento de pessoas que nunca souberam distinguir se eram boas ou más?

Mais não se preocupem, ele foi levado em um carro de mão para um Hospital deficitário e, sobreviveu, ninguém sabe, até quando...