NA TRILHA DOS EMBOABAS

No mês de maio até meados de setembro, se não me falha a memória. É nessa época que a seca assola com maior rigor a região vertente de Minas Gerais, onde o Rio das Mortes, numa sincronia secular; carreia em suas águas vestígios de minerais diversos, juntamente com a história de uma colônia, lavada e regada a sangue de um povo que não se abateu. Sofreu... mas, venceu...! E é exatamente nestas condições que ele, o rio, se mostra interiormente com suas armadilhas naturais, que são seus labirintos de pedras e suas locas, fazendo com que, quem desce em suas águas, dificilmente retorna à superfície.

O Rio das Mortes é um dos rios que corta o município de Bom Sucesso no sentido leste/sul. De uma beleza expressiva e magistral arquitetura, desenhada no deleite desse templo natural da divina inconfidência ... Que é essa sua natureza exuberante! Com suas curvas acentuadas a quebrar o ímpeto das corredeiras, suas águas batem incessantemente nas pedras-sabão; como se tivessem ensaboando a depuração da sua história. A pedra-sabão é uma pedra que assim se denomina, pelo seu potencial escorregadio, parecendo mesmo um sabão. Com certeza, o Rio das Mortes se caracteriza como o local, onde foi retirada a matéria-prima com a qual foi construída boa parte dos monumentos históricos de Minas Gerais. Tudo ali, lembra grandeza, história, lembra sacrifício, luta sublimada pela beleza que a natureza nos concedeu. Mas também, amor, poesia e esperança que Gonzaga cantou nos versos seus! Talvez seja por isso, que esta região, onde essas águas inebriam e enciúmam as majestosas montanhas; forma-se também um grande “Canyon” de exuberante beleza, que contrasta suavemente com o barulho quimérico do rio, trazendo-nos frialdade na alma e no corpo, o sentimento da cicatriz de um passado distante.

Conta-se que, lá pelos idos do século XVIII ou século XIX, uma locomotiva despencou-se das alturas, da ponte que tem hoje o nome de Ponte do Inferno. Mergulhando por completo nas corredeiras bravias, sem que ninguém na época, se atinasse pelo paradeiro da máquina. Fato somente constatado na época de pouca chuva, quando a chaminé da máquina aparecia. Também diz a lenda: De um certo caboclo d’água, que sempre abordava os pescadores desatentos nas margens do rio, ou que navegavam em canoas pelas suas águas turvas.

O caboclo com seus braços peludos e musculosos agarrava nas bordas da canoa virando-a, e levando consigo os pescadores para o fundo. Enquanto nas margens, puxava suas vítimas pelas pernas, num mergulho sem volta ás profundezas tenebrosas do rio. Os mais experientes freqüentadores das margens, já se embasavam de cuidados, quando arrumavam suas “matulas.” Além de seus apetrechos triviais: Fumo de rolo para o cigarro de palha, que espanta mosquitos; oração para espantar as cobras, velas para iluminar os caminhos, cachimbo e defumador para “mandingar” e amuletos diversos, que lhes davam sustentação espiritual. Além de tudo isso, o facão fazia parte dos apetrechos, pois se o homem das águas os abordasse naquela doçura tão peculiar em suas investidas, decepava-lhe os braços. Sem braços com certeza, morreria imediatamente, teria uma enorme dificuldade no nado, sangraria muito e não conseguiria mais capturar suas presas, morrendo por inanição. Alguns velhos pescadores, há poucos anos atrás, ainda se gabavam de terem em seu poder como troféu, os braços de alguns caboclos d’água.

Verdade ou mentira, não me cabe julgar o mérito dos contos, pois não me foram fatos presenciais. Por isso e por outros mais, reservo-me no direito de acreditar ou desacreditar, nessas formulações ideológicas e fantasmagóricas. Porém uma coisa é certa: A partir desse delírio popular; é formado o caráter, a personalidade, a educação, a ética e a psicologia social de um povo.

Recordar e reescrever a história, é reinventar o homem. * Paldinis (DINIS)

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Dinis
Enviado por Dinis em 25/07/2009
Código do texto: T1718606