Domingo en Uruguay

"Sábado de sol, aluguei um caminhão..."

Ops. Desculpem, Mamonas. Não era um sábado. Era domingo. E chovia. Mas juntei as tralhas e a família. Mulher e filho. Vamos ao Uruguai? Vamos, concordaram.

Já tinhamos a carta verde, importante seguro contra terceiros que, por um acordo do Mercosul, tornou-se obrigatório para veículos circularem nos países do acordo. Apenas um porém. O carro em que fomos pertence à minha mãe. Documentos em nome dela. Eu deveria ter, segundo "la policia caminera" uma "autorizacion de uso", emitida por "uno escribano". Donde diabos vou achar "uno escribano" - cartorio, lá deles - num domingo? Vou na cara e na coragem. Já na fronteira omito meu destino. Montevidéu. Informo que vou a uma cidade próxima da fronteira. Concordam que o risco é pequeno e me liberam. Sigo viagem, tenho uns quatrocentos e tantos quilômetros pela frente. Lá pela metade do caminho, somos parados pela tal Policia Caminera. A polícia rodoviária federal lá deles. Pedem-me os documentos, já esclarecendo que não precisam da tal Carta Verde. Eita. É o seguro que garante que os seus (lá deles) conterrâneos não terão prejuízos se eu albarroar algum veículo uruguaio. Ou se eu atropelar algum uruguaio, o seguro cobre despesas médicas e hospitalares. Só que, segundo "el policía caminero", eu não preciso apresentá-lo. Estranho. Pedem-me identidade, habilitação e documentos do carro. Apresento tudo. O policial chega ao documento do carro em nome de terceiro. Digo que informei isso na aduana e que teriam me dito que, por ser de minha mãe e o nome dela constar na minha identidade, não haveria problemas. O policial contra-argumenta que não há dúvida de que a proprietária do carro é minha mãe mas que ele, policial, não tem como saber se minha mãe está viva. Poderia eu, segundo o policial, ter perdido minha mãe por falecimento e fugido com o carro dela para o Uruguai, para enganar meus irmãos. Eita, a polícia uruguaia - que não se preocupa com seus concidadãos ao desprezar a Carta Verde, preocupa-se com a possibilidade de eu dar um golpe em meus irmãos. Caros irmãos. Falecendo nossa mãe e eu fugindo com o carro dela, não me procurem no Uruguai!

"Mas sabe el diablo por viejo que por diablo" é um ditado lá deles. Esse tipo de controle - afinal, em que nome está o veículo que leva um turista não muda nada, não causa nenhum prejuízo ao Uruguai - era comum nos "anos de chumbo". Nos anos a Operação Condor. As ditaduras militares do cone sul ficavam, através das suas próprias polícias de repressão, fiscalizando cidadãos dos outros países. Essa doutrina permance até hoje. Pelo menos para a policia caminera uruguaia.

Boa conversa, nenhum pedido nem oferta de qualquer "contribuição financeira desinteressada", sou liberado. Dizendo que vou apenas a uma cidade poucos quilometros adiante. Desejam-me boa viagem. E sigo. Para Montevidéu, como é meu plano original.

Vamos adiante. paro em Pando, pequena cidade-dormitório trinta quilometros antes de Montevidéu. Uma feira de rua, daquelas típicas uruguaias. Onde se vende de tudo. Procuro objetos antigos. Não encontro nada, meu filho compra um desses games para pc e vamos adiante.

Montevidéu. Avenida 8 de Outubro que nos despeja na 18 de Julio. Universidad de La Republica. Estaciono. Em frente, a Rua Tristan Narvarra. A mais linda "feira de pulgas" que eu conheço. De tudo um pouco, um pouco de tudo. Lindos móveis europeus até dentaduras "vencidas". Procuro objetos pequenos, metais para arreios de cavalos. Alpaca ou prata alemã. Ou ainda metal branco, como são chamados. Uma liga de zinco, níquel e estanho. Encontro pouca coisa. Melhor ir almoçar e ir ao banheiro. Afinal, estamos há cinco horas fora de casa. La Tortuguita. Com trinta e cinco reais, comemos um chivito com fritas e um entrecot a la creme. Gostosos, nada de especial, mas honestos. Pelo preço pago, claro.

Hora de voltar. Caminho inverso. 18 de Julio, 8 de Outubro e estamos novamente na Ruta 8, estrada que nos levará de volta para casa. Esperamos que sem encontrar la policía caminera. Afinal, como o primeiro policial nos avisou, não ter a autorização para usar o carro cabe, na lei uruguaia, "la aprensión del coche".

Tivemos sorte - ou "suerte", já que estávamos lá. Não fomos parados por ninguém.

Chegamos a fronteira. Aduana. Entregamos nossas cartas brancas, papeletas que recebemos ao adentrar em território uruguaio. O agente aduaneiro presente, para descontrair, perguntou ao meu filho de 13 anos:

- Entonces, dejaram un millone - "mijone", numa pronúncia aproximada - de pesos ($) en mi país?

Meu filho, mais que depressa, responde: Deixei um mijone e mais um cagone que vão ter que empurrar com um cabo de vassoura, pois a descarga não levou embora!