Uma questão de palavra

. (Estórias de Ibiapino)

O bodegueiro era um homem pacato mais um dia levou umas tapas de um sujeito que morava fora da cidade, distante mais de uma légua, e ficou doente por dentro de tanta raiva do endividou, mas como era muito frouxo não podia fazer nada, um dia chegou a seu estabelecimento pedindo fiado o tal de Caboclo Firmino, ele viu ai sua chance de ir as forras com seu desafeto.

Seu Caboclo eu conheço sua fama de valente e não vejo necessidade de lhe vender fiado, pegue estes duzentos cruzeiro e as compras que o senhor quer mais eu quero que o senhor dê uma surra num cara que me desmoralizou alguns dias atrás.

É só pra dá uma surra?

É.

Então me dê este dinheiro para cá.

Botou o dinheiro no bolso e perguntou; quem é o cabra?

É Manuel do sítio das jurutis!

O que! Ele é meu compadre, padrinho da minha filha mais velha.

É mas o senhor já deu sua palavra e pegou meu dinheiro.

Ta certo, me dê minhas compras, pegou o saco com farinha, feijão, açúcar, sal, fubá e rapadura botou do lado de fora na calçada, entrou de novo pegou o bodegueiro pelo braço levou para o meio da rua e deu-lhe outra surra maior do que a do compadre. Pegou sua feira e se foi pensando no que fazer.

No outro dia saiu de estrada a fora em busca da casa do compadre, lá chegando gritou, compadre Mané! E foi recebido pelo casal na maior festa, que novidade é essa compadre? Vamos entrando que você chegou bem na hora, a comadre acabou de preparar a difusora daquele cevado que nós estávamos criando. "Difusora era como eles chamavam a cabeça de porco"

Depois de umas caninhas regadas ao guisado com feijão macaça amassado na mão e de por os assuntos em dia, o Firmino meteu a mão no bolso e pegando uma nota de cem deu ao compadre contando a história que motivou sua visita, riram a vontade mangando do pagante, depois o Ferreira disse, agora compadre eu vou lhe dá umas mãozadas para justificar os cem cruzeiro e cumprir com a palavra dada ao bodegueiro e nossa amizade continua pra ele deixar de ser otário.

Você ficou doido compadre! E eu como é que fico? Com a fama de ter apanhado dentro da minha própria casa, nossa amizade é muito grande, mas eu não vou concordar com isso.

Compadre é só um faz de conta, e fica tudo entre nós mesmo.

Você tá é maluco, não se meta a besta pra cima de mim não.

Olhe compadre, eu estava numa pindaíba danada, ele me deu a feira e os duzentos cruzeiros, achei que podia confiar no compadre e repartir o dinheiro numa boa.

Tem jeito não compadre.

Então devolva o dinheiro.

Ta aqui sua merda.

O Caboclo Firmino pegou a notinha a pôs em cima da outra dobrou, botou no bolso, meteu a mão no pé do ouvido do compadre com tanta força que ele ficou desmaiado por cima do resto da difusora, e se foi resmungado, "que compadre mais burro".

Quando chegou à cidade como estava endinheirado foi fazer a barba numa barbearia nova e requintada de um barbeiro novinho e metido a intelectual em seu avental de uma brancura nunca vista naquela região.

Sentou na cadeira e disse: Barba.

O moço arriou o encosto acomodou muito delicadamente sua cabeça no suporte, ligou um ventilador e foi preparar a espuma com raspa de sabão, o pincel e vasilhame para esse fim. Quando passou a primeira pincelada no rosto do homem a espuma começou a ficar escura, pegou uma tolha enxugou com muito cuidado seu rosto e passou espuma de novo, o resultado foi o mesmo.

O senhor não gostaria de lavar o rosto?

Não, eu quero fazer a barba.

Eu sei, mais lavando o rosto fica mais fácil.

Se eu quisesse lavar a cara teria ido pro rio.

Pois eu não faço sua barba não.

Faz não é?

Dizendo isso já tinha pegado o barbeiro pelo gogo e foi arrastando o pobre até uma vacaria onde o obrigou a tomar banho de bosta obrigando-o depois para na frente do seu estabelecimento ficar no sol até secar.

Agora vá você lavar o rosto seu merda.

E o barbeiro foi lavar o rosto só que nunca mais voltou.

Um ano depois uma viúva carola o convidou para acompanhá-la numa viagem de a pé para pagar uma promessa em uma das missões de Frei Damião, pois a distância era muito grande e ela tinha medo de ir sozinha, e que o pagaria bem, além de ser o prometido só a ida pois ela voltaria de ônibus.

Ele como gostava de ganhar a vida honestamente, fez o contrato e partiram no dia estabelecido. A viagem era longa e a cada légua andada ela parava e rezava como que se as léguas fossem as contas de um rosário. Quando estavam nas imediações da cidade onde se realizavam as missões encontraram um riacho cheio, o jeito é atravessar, a senhora vai à frente e eu vou logo atrás para segura-la se for preciso, a correnteza não era muito forte, mas no meio do riacho um galho segurou a saia dela e quando soltou grudou na suas costas deixando a bunda do lado de fora e entraram na cidade daquele jeito, quando ela notou a multidão de garotos rindo enquanto os seguia, perguntou ao Firmino o que estava acontecendo, só ai ele mostrou a razão de serem recebidos com tanta alegria.

Por que você não me avisou?

Eu pensei que fazia parte da promessa.

Bem ela ia voltar de ônibus, ele pegou seu pagamento e foi a procura do barbeiro da cidade, pois queria voltar para casa com a barba feita.

Quando o barbeiro depois de afiar bem a navalha a encostou na sua garganta e segurando sua testa perguntou: O senhor se lembra de mim?

Não.

Eu sou aquele barbeiro que o senhor deu um banho de bosta.

Ha agora estou lembrando, e tem alguma vacaria aqui por perto?

Não!

Então faça logo essa barba home.

Bem que ele tentou, mas suas mãos tremiam tanto que no primeiro encosto fez um pequeno corte por onde saio uma gota de sangue, dobrou a navalha pois em cima do balcão e disse, o senhor me dá licença que eu vou ali lavar o rosto e já volto.

Quem voltou foi Firmino, barbado mesmo.

Naquele tempo carne era coisa que não se usava papel para embrulhar, era transportada pendurada em uma embira de agave, por dois motivos, primeira para os vizinhos verem, segundo é que ninguém queria pagar o peso do papel.

A primeira coisa que Firmino fez quando chegou a sua terra foi comprar um quarto de bode para comemorar com a família sua bem ganha empreitada.

E lá ia ele despreocupadamente com seu quarto de bode pendurado pela embira em um dos dedos, quando o cachorro da dita viúva, por não está sendo alimentado regularmente, pois sua dona ainda não havia voltado.

De um bote arrancou de suas mãos a tão preciosa embira e saio correndo que nem bala pegava.

Mas ele pegou, no outro dia mais pegou.

E chegou a casa com um fresco quarto de bode pendurado em uma embira para a alegria da mulher e dos filhos.

Por azar ou coisa que o valha a viúva quando chegou foi agradecê-lo, não precisava se preocupar e gastar seu dinheirinho para me mandar aquele bode que por sinal estava muito gostoso seu Firmino.

Tem nada não, aquele bode era seu mesmo, o meu pedaço eu comi com a família.

Mas eu tenho outro trabalho para o senhor.

Qual é?

Chorosa ela contou, o meu querido cachorro única lembrança viva do meu finado marido sumiu e eu pago bem se o senhor encontra-lo, para o senhor ter uma idéia a minha promessa foi para mantê-lo vivo o maior tempo possível, era como se o finado me olhasse com os olhos dele.

Não acredito! E quanto a senhora paga se eu encontra-lo?

O mesmo valor que paguei pela companhia na viagem.

Mesmo se ele estiver morto?

Sim, pelo menos o enterrarei perto do seu dono.

Paga adiantado?

Está certo passe lá em casa para pegar o dinheiro.

Foi um corre-corre quando ela se foi, os meninos, as meninas, a mulher e ele no monturo do fim do quintal procurando os ossos e outras partes do cachorro. E com tudo dentro de um saco lá se foi ele em busca do couro, da cabeça, dos pés e do rabo que ele havia enterrado ali perto e partiu para a casa da viúva.

Dona Maria ô dona Maria!

Um momento seu Cabôco.

Quando ela saiu já estava com a quantia na mão entregado-a ao Firmino perguntou: o senhor já encontrou?

Só faltam uns pedaços, a senhora comeu o bode todo?

Comi um torrado e o resto eu salguei!

Deixe-me ver o salgado, quando ela entregou para, ele meteu dentro do saco entregou para ela e disse, só falta agora a senhora cagá ai dentro e pronto, pode enterrar seu cachorro.

Eu vou dá parte do senhor!

Não a minha parte eu já comi!

Eu vou dá parte a polícia, o senhor matou meu cachorro!

Eu só comi meu bode o resto eu lhe devolvi e contou a história para ela.

Mas Seu Cabôco era só o senhor me pedir que eu daria outro dinheiro para o senhor comprar até dois bodes.

Não daria certo, pois eu comeria seus bodes e ficaria pensado no meu que estava no bucho do cachorro.

((Para uma boa ordem o Ibiapino foi meu companheiro de viagem ao estado de sergipe durante a qual ele contou-me esta e outras.))