Histórias de bonde

Era só a tia Tomaza chegar,todas as crianças, após cumprimenta-la e dar as boas vindas , já começávamos a cercá-la para que ela nos contasse uma história,na verdade uma história mesmo, sempre a mesma!

Todos nós ficávamos ansiosos, olhando para àquela mulher de cabelos brancos, presos por um birote , com alguns fios que teimavam a em soltar-se e que ela constantemente empurrava para o lugar onde deveriam ficar.Seus olhos astutos e curiosos, percorriam nossas faces que mal podiam conter a ansiedade para ouvir seu relato.

Tia Tomaza era cunhada de minha avó, mãe do meu pai, e tinha um leve sotaque espanhol, fora criada numa colônia espanhola das muitas que existiam no Brasil pós imigração , dos anos 20 do século XX.

Ela dava voltas às conversas , esperava que minha mãe lhe servisse um café com bolo e começava:

_Quando eu vim para São Paulo, em 1940,nunca tinha visto um bonde, nem sequer muitos automóveis eu tinha visto lá em minha cidade, Franca, no interior de São Paulo, pois somente alguns fazendeiros possuiam automóvel.Eu nunca tinha entrado num bonde, até que inesperadamente me aconteceu um triste episódio.

Tia Tomaza, parava de falar propositalmente, para verificar a nossa ansiedade em conhecer mais detalhes da história tantas vezes repetida.Seus olhos castanhos criavam um brilho, denunciando que estava lembrando-se de um novo detalhe , inédito até então para nós.Erguia as costas, acomodava-se na cadeira e continuava:

_Eu estava morando já há alguns dias na cidade de São Paulo, quando meu marido adoeceu e ficamos; eu e mais cinco filhos , praticamente sem nenhum dinheiro para sobreviver enquanto meu marido estivesse internado no hospital.Eu precisava urgentemente arranjar um trabalho para ganhar dinheiro.

Minhas vizinhas lavavam roupa para as grã-finas que moravam no centro da cidade , inclusive já em prédios de apartamentos que ainda eram novidade naqueles dias.

O trabalho consistia em buscar a roupa suja nas casas das freguesas, lavar, engomar, passar e devolver assim que o serviço estivesse feito.A cada peça lavada e passada era pago um valor diferente, dependendo do tecido ou do modelo. Um vestido com pregas era mais caro que os outros, um paletó era mais caro do que uma blusa, as camisas eram cobradas por dúzia e os lençóis e fronhas eram cobrados conforme o tecido.Dava para ganhar um bom dinheiro se eu colocasse as minhas filhas mais velhas para ajudar-me e assim fiz.

No primeiro dia a vizinha me levou à casa da amiga de sua patroa e....lá vim eu com uma enorme trouxa de roupas para lavar!

Fomos e voltamos de bonde, era a primeira vez que eu andava de bonde, e devido ao horário ele estava quase vazio, viemos sentadas e ainda colocamos as trouxas no lugares vagos.

Lavei , quarei e deixei a roupa cheirosa e limpinha, muito bem passada e engomada. Minhas filhas recolhiam a roupa dos varais e ajudavam na separação das peças coloridas na hora de lavar.

Quando fui entregar a roupa lavada, engomada e passada, também fui de bonde ,que coincidentemente ,estava também com poucos passageiros.

A senhora recebeu a roupa e achou o serviço rápido e muito bem feito , me pagou e me deu outra trouxa de roupa suja para lavar.

Dessa vez não tive sorte, fiquei esperando o bonde , e estes passavam quase lotados.Percebi que só os homens ficavam em pé no bonde, as mulheres estavam todas sentadas.Fiquei esperando que passasse um bonde com lugar vago, pois imaginei que era proibido as mulheres viajarem em pé, nem sequer passou pela minha cabeça que os homens estavam em pé porque davam os seus lugares para as senhoras.

Cansada e com aquela pesada trouxa de roupas resolvi entrar no próximo bonde e assim fiz, entrei e sentei no colo de uma senhora , já que sentar no colo de um homem não ficaria bem e nem eu teria coragem ,e eu imaginava, viajar em pé , mulher não poderia.

Fiquei ali sentada no colo da mulher e com a trouxa de roupas no colo.

Quando a tia Tomaza chegava nessa parte da história, todos que ouviam, rompiam em gargalhadas, pois imaginavam a tia , com a trouxa ao colo , sentada no colo da mulher!

Ela justificava-se:

_Eu não sabia que mulher poderia viajar em pé ou que algum cavalheiro me cederia o lugar.

Alguém que ouvia a história logo perguntou:

_ E a mulher , tia?A que a senhora sentou no colo dela? o que ela fez?

Tia Tomaza ergueu a sobrancelha e já com um sorriso maroto respondeu:

_Ela ficou quietinha! Ela não disse nada!Acho que era a primeira vez que ela viajava de bonde!

Riamos à solta e eu ainda curiosa indagava:

_A senhora veio o caminho todo sentada no colo dela?

Não! Claro que não!Logo uns senhores se levantaram para ceder-me o lugar, respondia a tia toda satisfeita.

Assim continuavam as perguntas e as gracinhas à respeito do fato acontecido, até que a tia resolvia ir embora , com a certeza que outro dia voltaria e lhe pediríamos para nos contar a história do bonde novamente.