O SUSTO DO PÉ-DE-GARRAFA

Ali ninguém gostava de pilheriar sabença do povo da roça, mas Vera Coco fazia ouvidos moucos os ensinamentos. O moço não se apoquentava, apesar de já ter ouvido muitos casos a respeito de tudo quanto é maledicência e latomias deste e de outros mundos.

Esse negócio de livuzia, de pé-de-grrafa, de pé-de-vento, de lobisomem, disso e daquilo, para ele era tudo imaginação de gente medrosa.

Desfeitava quando ouvia casos de livuzia. Apreciava no entanto, quando nas rodadas dos amigos ouvia o acontecido com Seo João de Margarida, homem distinto da cidade. Inclinações as mais bonitas possíveis, nunca fazia mal a viva´lma deste mundo e já tinha pra mais de trezentos afilhados, resultado da benquerência.

Certa feita, adoeceu. De noitinha começava a botar sangue pelo nariz e seguia noite adentro com essa desgraceira. Não havia com o que estancar. Já fazia bem mais de um mês que vinha com aquilo. Acudir, ele acudiu com farmacêutico e remédios. Quando chegou Sonsiral por lá, recomendaram. O homem colocou um tablete na boca e o troço engastalhou na oela, que foi preciso uma moringa d´água para dissolvê-lo.

Até que chegou o dia em que Dorim Rezador deu sumiço naquela sangueira e Seo João de Margarida se restabeleceu. Dali para a frente nunca mais conseguiu dormir um tiquinho de cochilo. Ficava zanzando a noite toda nas ruas da cidade, com seu camisolão preto, mais parecendo um bicho mal encarado. Uns diziam que era porque Dorim tinha partes com o demo. Outros usavam o exemplo para aumentar a crendice.

Mesmo gostado de ouvir o causo, porque conhecia Seo João de Margarida, Vera Coco não se atinava. Esses dias aconteceu um caso com seu amigo Demola Pau de Sebo, mas Vera achava que era invenção, coisa de medroso.
- Coisa do outro mundo o quê? Sou besta não!

Para os dali, Vera Coco era um desarranjado, apesar do esforço, das insistências e advertências de Dona Preta, sua mãe. Rapazote desleixado até não poder mais, vivia sempre com trapulinagens. Além de não consentir conselho, não se apegava em um pouquinho às coisas sérias. Vivia de pegar passarinho, roubar galinhas nos quintais, afanar dinheiro dos bêbados, jogar bola e apanhar barriguda para descambar rio abaixo com sua turma. Era de pouca confiança n meio do povo e ficava enfezado quando sua mãe começava a lengalenga de Santo de Deus de reza.
- Sossega, véia! dizia.

Não adiantavam os conselhos por mais que Dona Preta os fazia. Vera Coco estava insensível para os mandados divinos. A satisfação dele era vidada para coisas da terra e da malandragem.

Certo domingo, tudo combinado com a turma para pegar barriguda na roça de Bião das Prechedas, que ficava no ponto exato da que v para descambar rio abaixo com as toras da madeira fofa. Aproveitavam também para roubar manga e melancia.

Lá se foi a meninada numa algazarra sem medida. No mato, cada qual procurou seu rumo, uns para um lado e outro. Cada um procurava arranjar a barriguda melhor, porque quem ficasse com a pior recebia caçoada.
Vera Coco embiricou pro rumo do emaranhado, mata espinhosa e ranhenta. De quando em vez, engarranchava-se numa moita de carrapicho e se furava todo, justificando o esforço por uma boa barriguda. N breu enfurnado da mata quase virgem, os companheiros sumiram d vista. De repente, Vera Coco garrou lembranças das encomendas da mãe e da apoquentação dos amigos, entre eles Beto de Tezim, Paulo de Queno e Cecé de Dona Zila.

A lembrança garrou sem soltar e vai que ele se desespera. Bastou chegar ao pé de uma enorme barriguda, um sopro de veto congelou-lhe até os últimos pensamentos. Seu corpo tremia mais que galho novo de pau pereira. Assomou-lhe um medo medonho. Quis gritar e a voz parecia socada para dentro. O pensamento já não atinava com quase nada e seus olhos eram os espeques do corpo. Olhou para a barriguda e dela saía uma figura estranha, estranhíssima, com uma perna só, o pé redondo, um olho enfincado no meio da testa, mais vermelha que urucum, a boca em cruz jorrando fogo e, no lugr dos braços, havia três espectos afiados e longos que apontavam para ele.

Vera Coco procurou alento, ficou tonto e, se esquecendo de que não tinha medo, conseguiu no âmago um grito desesperado, caiu desmaiado, feito jiló maduro. Quando o pé-de-garrafa  se preparava para comê-lo, chegaram os colegas e a latomia soverteu, entrando novamente na árvore de onde havia saído. Luis de Quero, que chegou primeiro, ainda conseguiu vê-la.

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Hélverton Baiano é o nome literário de Hélverton Valnir Neves da Silva, baiano natural de Correntina; vive e trabalha em Giânia desde 1976 onde formou-se e atua como Jornalista Profissional. Milita na literatura de Goiás desde 1980, quando ganhou seu primeiro concurso literário, GREMI. Poeta e contista, tem oito livros publicados, entre os quais  a História de Correntina, o mais completo livros histórico político da cidade. Várias participações  em antologias literárias goanas e nacionais.
Flamarion Costa
Enviado por Flamarion Costa em 12/10/2009
Reeditado em 13/08/2013
Código do texto: T1862065
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