A morte é melhor do que a vida!

O silêncio permitiu que a emoção da sua narrativa saísse de dentro da alma do Alvaro e ficou marcando a sua presença entre nós. O ronco de um macaco bugiu que teimava em continuar a marcar o território nos fez sair do transe e entrar em um outro.

Álvaro limpou as lágrimas teimosas que banhavam seus olhos e continuou. A morte em si é boa. Acalma e sossega o sofrimento. Eu vi morte de todo o tipo. Tenho uma que virou fantasma e basta eu fechar os olhos que ela aparece.

Vi a morte de uma índia que não devia ter mais do que 12 anos. É verdade que o índio não tem esta noção exata de calendário. O xavante que você conhece, falou com a voz menos embargada, só sabe contar até cinco. Depois de cinco ele fala “arroude” que quer dizer muito...

E la ia o Álvaro mudando de assunto deixando a narrativa em suspense.

E antes que ele emendasse uma nova história eu pedi com calma.

Ô Álvaro, conta da índia morta!

Ele pigarreou, e no mesmo tom de suspense de quem conta um “causo”, disse.

Foi um mateiro que fez a coisa. No começo eu não olhei. Mas eu enterrei uma parte.

Uma parte Álvaro! Falei ansioso. Como aconteceu meu velho amigo!

Aconteceu no Alto Amazonas. De longe eu avistei as partes penduradas no galho forte da árvore, como se fosse manta de carne de caça, que salgada, esperava dessorando, o tempo de curtir.

Quando cheguei perto eu senti ânsia de vomito. A vontade que eu tinha era de não olhar. Mas a brutalidade era tanto que meus olhos não saiam daquela cena.

O cheiro de ferrugem do sangue impregnava o ar. O mateiro de rosto quadrado sem sentir ou importar com o quadro enrolava o cigarro de palha. Ele havia tocaiado a índia. Quando ela correu jogou o laço como quem laça gado, jogando-a no chão.

Dando socos dependurou a índia de cabeça para baixo, amarrada pelos tornozelos, bem separados, formando um grande V.

Em seguida deu um único golpe do afiado facão, com uma força do demônio, abrindo da vagina até o meio do peito.

As vísceras balançando pela força do ataque de um cão cabeçudo, sem raça, mas bom de caça que seguia o mateiro, pintava de vermelho o verde do mato e lambuzava a sua caruça, o fazendo ficar mais feio ainda.

Comia tripa, fígado o que conseguisse pegar engolindo com a fome que só o diabo tem.

Uma parte do que restou daquele corpo, o mateiro sem nenhuma cerimônia, como se aquilo fosse um animal que não se come, arrastou e jogou no rio para as piranhas. A outra eu enterrei.

O silencio voltou me incomodando, e me doendo por dentro. Na minha cabeça eu imaginava o sofrimento daquela criança até a morte chegar, trazendo a paz, tirando o medo e a dor.

E ele terminou o caso com uma sentença.

A morte é melhor do que a vida!