Reminiscências 04

A sopa do Bicurú

Dentre as inúmeras e boas lembranças de minha infância uma está na gastronomia, palavra que só fui conhecer o significado muitos anos mais tarde.

Já morando na cidade, meu irmão Sebastião e eu tínhamos a tarefa de tirar leite das poucas vacas que haviam ficado na fazenda.

Saíamos bem cedinho, ainda escuro, porque a caminhada era longa. Quando o dia estava clareando, já estávamos no meio do caminho.

Meu irmão levava consigo um enorme estilingue, com o qual, dotado de uma pontaria invejável, abatia sempre uma galinha que se aventurava nas beiras da estrada por onde passávamos.

Era eu o encarregado de pega-las, muitas vezes ter que atravessar cercas de arames farpados, coloca-las no “embornal” e leva-las até a fazenda.

Pois bem, sempre que isso acontecia, tratávamos logo de avisar nosso primo Zezinho, cujo apelido era, e ainda é Bicurú, que naquela tarde tínhamos “novidade” para o jantar. Bicurú era mestre na cozinha, além de ser uma das pessoas mais calmas que eu já conheci. Tinha um jeito muito engraçado de falar e achava graça em tudo. Uma figura muito peculiar!

A tarde, lá estava ele colhendo legumes em nossa enorme horta e preparando outros ingredientes para fazer um delicioso sopão, o qual ele se encarregava de preparar com muito gosto, calma e capricho. Também tinha o hábito de carregar um pouco na pimenta, motivo de reclamação de seu irmão Chiquinho que sempre aparecia para nos “ajudar”. Divertíamos muito!

Naquelas noites, jantava-se muito bem, ouvia-se muitas histórias sobre índios, escravos, lendas e assombrações ao lado de um enorme fogão a lenha. Eram sem dúvida, noites especiais.

Não retornávamos à cidade, porque no dia seguinte meu pai chegava para um novo dia de muito trabalho e também muita alegria.

Quantas lembranças!