A Conspiração do Universo

O universo pareceu conspirar contra aquele pobre homem, que se viu acuado, tamanha as e impressões que sofrera num curto e pequeno espaço de tempo. Os que o rodeavam pareciam não acreditar nas coisas que ele proferia.

Era um ser desajeitado, estatura mediana, dentes amarelos e der uma feiura incontestável. Fora a primeira vez que saia da sua cidade. Vislumbrava as paisagens, novidades e notícias por uma pequena televisão, alimentada por uma bateria de carro. Quem o via na cidade espantava-se pelo seu conhecimento, pois o mesmo nunca frequentara a escola, e é verdade que não sabia ler ou escrever, mas conhecia o mundo. Mas tal conhecimento o tornou alienado, suas informações eram apenas reproduções do que via e ouvia pela TV.

Seu isolamento abria várias interrogações na cidade. Sabia que tivera apenas uma namorada no tempo da adolescência, mas não casara. Teria sofrido alguma desilusão amorosa? Jamais comentara sobre a sua vida. Seus pais morreram quando o nosso infeliz tinha quatorze anos e desde então contava com o auxílio dos conhecidos e parentes ainda vivos. Fez-se homem e continuou no campo, trabalhando de sol a sol.

Ambrósio tivera sarampo aos três anos, catapora aos sete e hepatite aos doze, isso lhe causou marcas horríveis, deformando profundamente o seu âmago. O que seria do homem analfabeto? Era o que todos perguntavam.

Enganaram-se quem pensou que Ambrósio não tenha provado do amor, da luxúria. Apesar de sua aparência não ser a de nenhuma artista de televisão. O nosso matuto mostrava-se ser um Don Juan de mão cheia, capacidade essa adquirida pelas horas em frete da pequena TV, professora sempre presente para lhe ensinar a arte de seduzir, apenas observando os varões conquistadores da tela. Mas suas conquistas eram passageiras, reduziam-se as mulheres de vida fácil o que para muitas delas era um ato de sobrevivência. Algumas até demonstraram interesse por aquela pobre alma, mas estavam interessadas apenas na herança: uma casa simples, um casal de porcos, algumas galinhas, uma vaca, um boi, tudo dentro de um pequeno sítio; tudo que herdara de seus pais e de onde tirava seu sustento.

E se adoecesse o que seria do pobre? Quem o socorreria? Ou melhor, quem cuidaria do infeliz? Já que não se casara ou tivera filhos. E o que se temia aconteceu: caíra de cama.

Logo se espalhou pela cidade que Ambrósio caiu doente e algumas aves de rapina fizeram peregrinação até o casebre do enfermo; algumas orando pela sua saúde, outras pela sua morte. No ar percebia que nenhuma daquelas almas se compadecia do sofrimento alheio, parecia o fim do nosso solitário Ambrósio.

Ambrósio sonhava em conhecer a cidade grande, ir aos lugares que via pela pequena caixa de imagem, mas tudo conspirava para o seu último suspiro. Dias se passaram e Ambrósio melhora, mas nada que fizesse voltar ao vigor de outrora. Diante da melhora resolve ir ao médico da cidade para uma consulta, e este lhe pede alguns exames que só poderiam ser feitos na Capital, esta novidade trouxe-lhe euforia, finalmente conheceria a cidade grande. Como faria? Quem o ajudaria? Pois jamais saíra daquele seu canto. Mas a ideia encheu-lhe os olhos, pois iria deslumbrar o quê vislumbrava pela TV durante muitos anos. Estava mais ainda sustado para saber como faria para ir à cidade, pois não conhecia nada e ninguém na Capital. Resolveu pedir ajuda as moças da prefeitura que sempre iam à Capital para que o acompanhasse. Marcaram-se os exames, e a angústia do Ambrósio só aumentara. Como deseja aquela viagem. Um misto de pavor e alegria o contagiava, pois sabia que não ia a passeio e sim para passar o dia trancado numa clínica a fazer exames, mas isso não o impediu de se desfazer da sua vaquinha r juntar um dinheirinho, afinal iria para a cidade grande.

Tudo certo. Exames marcados, data confirmada, enfim o grande dia chegou. A viagem só começaria às cinco horas da manha, mas às duas horas já estava de pé, às três horas já havia tomado banho, colocado a de fora da casa melhor roupa, tomado café e se penteado. Às quatro horas, já se encontrava fora da casa sentado no alpendre esperando o ônibus que os levariam. Na hora marcada o ônibus não aparece e o desespero fica claro na sua face. Ele parece pedir a Deus que um milagre aconteça e que o ônibus estacione naquele exato momento à sua porta, mas parece que seu pedido não foi atendido. Cinco minutos depois e o ônibus ainda não despontou a sua visão e fica mais evidente sua angústia. Parecia que não seria naquele dia que pela primeira vez viajaria de ônibus e conheceria a Capital.

O ônibus aparecera quinze minutos depois da hora combinada, ao ouvir a buzina Ambrósio sentiu seu coração aliviado e com os olhos marejados correu até a porteira do seu velho sítio, finalmente o sonho se realizara. A viagem era longa, cerca de cinco horas de chão e paisagem campestre. E enquanto todos dormiam, Ambrósio fixava os olhos na paisagem através da janela como se fosse uma tela de televisão.

A entrada da cidade se aproximava e junto com ela as primeiras surpresas: avistara os primeiros prédios, atordoou-se com a quantidade de carros, os sinais de trânsito e a pressa das pessoas. Foi o primeiro a ser deixado no local, onde faria os exames. Estava com medo de ser deixado lá e esquecido, mas a funcionária da prefeitura o acalmou, pois ninguém o esqueceria: o ônibus voltaria para buscá-lo. Entretanto ele pareceu não se importar, pois finalmente estava na cidade grande.

O ônibus cumpriu seu itinerário, deixando os outros conterrâneos nos seus respectivos lugares. Os exames e as consultas foram rápidos, terminaram antes do previsto. Mas a necessidade de conhecer aquele lugar misterioso o forçou a deixar a timidez de lado e pedir a funcionária que os levassem para conhecer a cidade, mas a mulher não mostrou interesse no pedido.

E o que fazer como dinheiro da pobre vaca? Tinha-a vendido por nada? Ele queria provar a sensação de estar na Capital. Os demais também insistiram no passeio e a funcionária foi obrigada acatar o pedido.

O passeio principiou pelas praias, a imensidão azul. Para Ambrósio tudo era novidade. Como podia ter tanta água no mesmo lugar, aquela areia. Pisar na areia e molhar os pés na água salgada, foi como ter chegado ao orgasmo, pois nunca imaginara tamanha felicidade. Depois foram ao centro e lá as vitrines das lojas e a quantidade de pessoas o assustou, pois nunca vira tanta gente e coisas tão bonitas. Teve vontade de comprar algo, mas sentiu-se acuado por ter medo de entrar naquelas lojas chiques.

A última etapa do passeio foi à ida ao shopping, já na entrada sentiu-se insegura como poderia uma porta abrir e fechar sozinha? Mas a vontade foi mais forte que o medo, e dessa vez iria gastar a sua vaquinha. Todos entraram e mais parecia uma corda de caranguejo, um ao lado do outro no mesmo ritmo. Ele parecia ter entrado na televisão, pois à sua mente vinha flash do que assistira. Passeou pelos corredores, viu lojas, locais para as crianças brincar e locais com comidas.

Ambrósio, nosso pobre Ambrósio, resolve deixar parte do seu dinheiro ali, mesmo tímido e com medo resolvi comprar um lanche, o que parecia ser algo novo, certo que tudo caro, pois talvez onde morasse não custasse mais que R$ 2,50, mas isso não lhe assusta afinal tinha dinheiro. Cria coragem e pede um refrigerante e um pastel, sentou-se numa daquelas mesas, era a conquista de um sonho. O primeiro gole do refrigerante e a primeira mordida no pastel podiam parecer comuns para os demais, mas para Ambrósio era como tomar néctar dos deuses e comer uma ambrosia, era algo divino. Este simples ato para os da cidade grande dura pouco tempo, entretanto para o nosso caipira pareceu levar uma eternidade.

A funcionária recolhe todos e o passeio chega ao fim. Ambrósio parece inerte ao que diz a funcionária, era como se estivesse ma transe, acordar parecia não querer. Todos entram no ônibus e a viagem de volta acontece e apesar do agito que foi o dia Ambrósio não se cansa.

Depois das cinco horas de viagem todos já cansados menos Ambrósio. Ele vai ao bar onde costumava ir aos sábados com os conhecidos e lá narra as suas peripécias pela cidade grande. Relata minuciosamente seu deslumbramento e todos que estavam no recinto o ouviam silenciosamente, era um verdadeiro contador de histórias empolgando a todos.Era tarde da noite quando nosso aventureiro resolveu ir embora. Durante o percurso do bar a sua casa foi relembrando aquele surpreendente dia. Já cansado tirou a roupa, tomou banho, vestiu o pijama, ligou a televisão e deitou-se, dormindo para sempre no seu eterno sonho.

Rogevanio Alves Santana
Enviado por Rogevanio Alves Santana em 05/11/2009
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