A COBRANÇA -  (EC) -
 
Vez por outra encontrava o Baiaco e seus amigos no botequim da Gruta do Leão.

Lá ocorriam periodicamente reuniões etílico-culturais onde os assuntos predominantes eram: mulheres, futebol e sacanagem.

O pessoal levava um estilo de vida nada ortodoxo.

A maioria era autônomo: Nego Tião – estivador, Meeps – marinheiro de água doce, Bernardão– mecânico e por aí vai, vendedor de loteria, gari, guarda-noturno, e alguns pequenos empreendedores.

Naquele dia, já pelas 11 da noite, o Xandão (micro empresário), meio desacorçoado confidenciou:

- Tem um cara lá da tua terra, que me deve uma grana legal  e não tem jeito de eu cobrar, o cara é mais liso que suvaco de santo.

- mas credo véio, mi conti qualé a parada.

- Olha to dando 20% para quem cobrar  estes borrachudos.

E retirou da carteira três cheques de R$ 10.000,00, no verso o carimbo do banco: treze tombos.

 - Xá com a gente disse Baiaco qui nóis vai carcá ficha no crocodilo.

Aminhã mermo meu amigu aqui (apontou para mim), o Meeps, o Nego Tião e o Bernardo  vamus enquadrá o índio véio.

Dito e feito, na manhã seguinte a bordo dum camionetaço  seguimos rumo à boca isolada onde o índio véio tinha uma fabriqueta.

- tarde seo... cumprimentamos em uníssono Baiaco e eu.

Yha ? (sim?), que quererem perguntou o obeso alemão  do outro lado da única escrivaninha do escritório da fabriqueta.

- Temu um negóciu com o sinhô, e já foi tirando os borrachudos da bolsinha verde de documentos.

O alemão empertigou-se na cadeira , coçou os cabelos sujos e desgrenhados arrematando:

- óia, isso daí, xá dá dudo azertado con o seo Xandão!!! Bode falá co eli...

- Tá nada  piá pançudo “ruminou” o Nego Tião, adentrando ao recinto, com a tropa de choque, Meeps e  Bernardão.

 O alemão amarelou olhando aquele armário de quase 2 m de altura por 1,50 m de largura de peitcho”, e  o Meeps com camisa regata expunha suas tatus  de marinheiro enquanto que o Bernardão com um palheiro na bocarra, babava e sorria sinistramente.

Suando frio e já prevendo a ripada que poderia tomar...o alemão coçou a cabeleira engordurada e loira, e ...
 
- Dudo bem, tenho umas dinheiras guardada lá em casa, mi esperem que xá vô lá   buscá umaveiz...vô pega a pizicleta e xá volto...

- nada disso contestamos, nós fazemos questão de acompanhar o "amigão".
Tu vai nu carru conois...

 Se faiá, fique miudinho...

E lá fomos nós, mais apertados que  São Jorge em lua minguante a bordo do camionetaço.

Suando frio o alemão entrou em casa tendo Nego Tião por “meiga” companhia...

- Drouxe as drinda conto mensch (homem), o xuro não denho gomo pagá!!! ...dô guebrado mein liebe Goth ( meu Deus querido)

- Tabém, manda a gaita véio, disse-lhe Baiaco  entregando-lhe os borrachudos, da próxima tu não iscapa, num vai sê tão moleza assim...

Cobrança feita, grana pra dedéu saímos daquela boca isolada, sorridentes.

Quando chegamos no centro do bairro o Meeps, meio babando se assanhou:

- Nóis podia dar uma olhada no Marlene’s (zonão) e cair na gandáia...

O Bernardão que estava caladão todo este tempo arrematou:

- Ô Meeps, não é tu qui qué infia as 8 boca que tens prá alimentá di vorta pro vertedouro???... qui coisa ommi di deusi...

- Xá prá lá cacarejou  o Nego Tião...

Assim mesmo paramos, eles estavam mais assanhados "qui  bugio no cio"...

Paga parte da comissão ao Nego Tião, Meeps e Bernardão os deixamos nos regaços desinteressados das meninas do Marlene’s e tomamos o rumo de casa.

Entramos na garagem, a mulher do Baiaco, a Eronzina já aguardava:

- “Pola amô de Deusi, mim dá a chavi du carru qui perciso fazê umas compra inda hoji"...

 Jogou as chaves e me convidou:

- Vamu tomá umas pinga e umas cervas?, tão nu pontu!!!

Papo daqui e dali em dado momento Baiaco lembrou:

- Pô cara, e a grana?

- Deixastes na bolsa, debaixo do assento da camioneta...

- Ah! Tudo bem, quandu a Eronzina vortá vou separá a tua parti.

- Certo, cara.

Algumas horas depois a Eronzina chegou com as compras.

Baiaco foi pegar a bolsinha verde...e, nada, nadica di nada...

- Pô cara, qui merda, agora mi alembru qui quandu a muié mi pidiu as chave eu peguei a borsinha e a deixei sobre o capô du carru...puta-que-o-pariu!!!...fui dar atenção à megera e esqueci da borsa...muié é fodaaaaa!!!

- Tamu tudu fudido, cara !!! Inda temu qui acertá cú  Xandão.

Saí de lá penalizado, a grana “avoou qui nem passarinhu” (diziam no buteco).
 
No outro dia cedo bate o telefone, era o Baiaco:

- Cara, tu não vai creditá... uma menina lá du fim du bairru achou a borsinha na bera da istrada e veiu ela i u pai mi adevorver (tinha uns documentu cú meu endereçu drentu da borsa...)

- Num fartou ninhum tustão, dei inté  uma gurgetinha de milão  pra ela e pru pai...

-Cara, passa  adespois pur aqui pra arreceber tua parti...

  Desliguei aliviado.

“POR ESTA EU NÃO ESPERAVA”


Este texto faz parte do Exercício Criativo - Por Esta Eu Não Esperava.
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/naoesperava.htm



Gírias :

Desacorçoado  - sujeito perdido, lerdo
Grana legal – bastante dinheiro
Mais liso que suvaco de santo - velhaco
Mas credo – resposta a uma afronta
Borrachudos – cheques sem fundo
Treze tombos – conta encerrada, alínea 13
Xá com a gente – confie em nós
Cárca ficha no crocodilo – executar o velhaco
índio véio – individuo
Camionetaço - camioneta
Piá pançudo – sujeito amigável, burro, mediocre
Boca isolada – lugar
Crocodilo - vagabundo, vigarista

Ficar miudinho – se preparar para a briga
Ripar – dar uma surra
Vertedouro – Ventre materno
Gandáia - Zona
Gaita - dinheiro