WALESCA

Amanheceu o dia em minha pequenina cidade, meus olhos ostentavam todo o esplendor do sol que vinha como grande maestro, incendiar meus desejos das horas que já me foram perdidas em não vê-lo nascendo mais uma vez. Levantei-me e busquei dentre meus horizontes o mais puro ar matinal dos campos.

Senti a relva, o orvalho, o aroma das flores que tocavam minhas narinas bem de leve. Era um pomar ao lado de minha casa, as laranjeiras e as goiabeiras com seus frutos, os pássaros logo cedinho saudando a nobre manhã que nascia sem permissão, apenas cumpria seu destino de nos mostrar o dia e suas maravilhas. Senti minha alma vagando pelo lago, observando cada movimento que o vento provocava ao tocar de leve suas gotas, vi os cisnes nadando, os peixes saltando, eu simplesmente existi novamente naquele dia.

Não me dei conta de que todos os meus momentos passados teriam chegado até aquela manhã perfeita, senti-me jovem em minhas forças, e nada poderia me fazer se afastar disto.

Sai em disparada com minha velha bicicleta, passei pelas redondezas da cidade, visitei o parque, a praça, passei em frente da igrejinha e até me cingi com reverência, agradecendo pelo hoje. Vi as pessoas montando bem cedinho as feiras, todas as prateleiras recheadas de frutas silvestres, os legumes fresquinhos, os queijos, os derivados, as flores, estas sempre me encantavam, todas lindas e revestidas de encantos. Eu me perguntava se não haveria nada neste mundo mais belo que elas, mas em nossas conversas, sempre a resposta era um não, nem mesmo o homem com toda a sua riqueza poderia se vestir com algo mais belo que suas pétalas e galhos.

Foi então que meus olhos se confundiram, minhas pernas pararam de pedalar, tive de descer rapidamente de minha bicicleta e observar atentamente o passar daquela que era a primavera nascendo em meio ao verão. Simplesmente era a mais doce, mais linda e encantadora de minha pequenina cidade, o amor de toda minha vida que transcorreu minha infância, a alma que deveria se encontrar com a minha, e, percorrermos juntos pelos prados do paraíso. Eu a vi novamente, recoberta com seu vestido florido, todo vermelho e branco, cabelos trançados, lábios batizados com um leve brilho, seus traços tão bem contornados quanto um anjo, se os anjos fossem assim, eu já estaria vendo os céus!

Aproximei-me, tentando de maneira imperceptível fazer com que ela me notasse, ou ao menos, dizer um bom dia. Meus passos apressaram em chegar à feirinha de flores, o medo levou um certo desconforto aos meus pés, que insistiam em voltar, mas fui audacioso, fui destemido e desastrado. Ao me aproximar, tropecei em um alto relevo da calçada, caindo bem à frente de seus pés, fiquei ali no estado que meu coração estava, rebaixado à sua beleza. Pensei no momento de ela dizer sobre o meu desastre, pensei na vergonha e na desperdiçada oportunidade, ela riria de mim, pensei em mil desculpas por um segundo. Quando de repente, não mais que de repente, uma mão, um sorriso, uma tentada ajuda passou a minha frente. Levantei meus olhos e aprofundei nos dela, ela me socorria de meu funeral para com as chances.

Perguntou-me se estava bem, minha resposta não poderia ser outra a não ser, dizer que: “estava melhor agora”. Levantei-me com sua ajuda e pedi desculpas, não tinha um motivo na verdade a pedir, mas, fui sensato. Ela se apresentou, disse seu nome... Walesca!

Fiquei por meros trinta segundos no mínimo sem pensar em nada, vagando na sua frente e apreciando seu nome com ternura e carinho, lembrando este nome por centenas de vezes para nunca esquecê-lo. Como fui infantil, como sou “bobo”! Diante da mulher dos meus sonhos não conseguia dizer absolutamente nada. Ela sorrindo perguntou se eu tinha pelo menos um nome, respondi o seu, e rapidamente escutei uma pergunta como se exigisse o meu novamente.

“Eu me chamo: Kairós!”, seria para ela o nome do desastrado que cruzou seu caminho, mas parecia que algo também despertou naquele instante, como se surgisse um simples desejo de conversa. Comecei a dizer coisas casuais, falei da manhã bela que encontrei, de minha casa, do lago, disse sobre minha morada e nada sobre mim mesmo, estava perdido, ela me daria um fora!

Para minha surpresa, ouvi um dialeto sobre seus gostos também, passando pelos motivos de logo cedo ela estar comprando flores, dizia que eram para sua mãe que não podia mais vir até ali na feira, suas pernas não podiam mais caminhar, então, ensinou a filha desde pequenina a sempre comprar jasmins pela manhã, onde seu aroma era mais constante e intenso.

Refleti sobre flores e comecei a falar bobagens de novo, pensei eu. Mas comentei que também adorava jasmins e gostava de sentir o cheiro e o aroma de tudo que era simples e pequeno. Mais parecia um poeta escrevendo uma poesia, falei coisas tão diferentes das que as pessoas dizem ao conhecer alguém. Mas fui eu mesmo, perdi o meu medo e falei o desejo do coração, enquanto ela mencionava coisas vindas de suas vontades, não precisaríamos mais dizer cordialidades, éramos como crianças que entendem a brincadeira um do outro.

A convidei para caminhar comigo naquela manhã, conhecer minha casa, ver os pomares e colher as flores do meu quintal, não saberia se receberia um sim, neste momento senti medo novamente e suspirei. Mas não demorou muito e começou a caminhar na minha frente, dizendo se não a acompanharia ao seu lado, nossa! Era meu sonho se realizando.

Conversamos o caminho todo, falamos sobre como as pessoas se conhecem, sobre o vôo dos pássaros, sobre o vento, a chuva, ela estava dizendo sobre todas as suas apreciações, e eu, esquecendo minha bicicleta na feira. Mas tudo bem, era uma simples bicicleta, e aquilo ali ao meu lado era muito mais importante, era real. Quando pequeno quis uma bicicleta, mas agora grande, apenas um verdadeiro amor, poderia encontrar agora, caminhar como estávamos caminhando, ao meu lado e para sempre. Palavra forte e duradoura, demorada e eterna, se seria assim, não sei, nem mesmo havia lhe beijado, acho que assim seria ousado.

Quando chegamos à minha casa, paramos e ela me perguntou sobre minha bicicleta, disse que o dono da feirinha havia guardado para mim, que mentira! Enfim, mostrei os pomares, o lago, os animais, e finalmente meu jardim, minhas flores que cultivava e principalmente os jasmins. Procurei enfatizar o cuidado que eu tinha com eles, disse de minhas conversas e dos segredos meus contados a eles. Quando terminei, olhei para ela esperando que dissesse algo, mas não vinham palavras, não saia nada.

Um momento único acontecia, Walesca tocou os lábios contra os meus e beijou-me, fazendo compadecer qualquer medo antes passado, simplesmente meu sonho estava se realizando. Quando paramos, vislumbrei toda aquela cena, retribui o favor e pedi que ela se sentasse na varanda comigo, Infelizmente não obtive a resposta que esperava, já estava na hora dela retornar para casa, o relógio em seu pulso mostravam onze horas, o horário de preparar o almoço para sua mãe. Então, nos abraçamos fortemente, ela pediu que aquele momento ficasse eternamente gravado em minha memória, e foi o que aconteceu.

Nunca me esqueceria de um sonho realizado, principalmente aquele marcado nas minhas lembranças.

Lembro-me como se fosse hoje, daquele dia, daquelas palavras, do meu jeito desengonçado e bobo, do que deveria ter dito, e das coisas que deveria ter feito, acontece, que justamente na manhã seguinte, Walesca acabara de falecer, fui ao enterro desesperado pensando ser sua mãe, queria vê-la novamente, mas todos diziam que nunca viram a tal moça por estes tempos. Disseram que seria impossível, pois todos os vizinhos de sua casa somente sabiam de uma senhora de idade enferma sobre uma cama que morava ali. Era cuidada por todos, ela não tinha mais ninguém!

Sentei-me por alguns instantes e chorei. Vi um vulto passar e tocar meu rosto, fui até os fundos da casa e tive uma visão de algo também inesquecível, um jasmim plantado sozinho ao lado de uma árvore. Fiquei hipnotizado, era lindo, como ela.

Entendi que sua solidão levou Walesca a lugares sonhados, pois nunca ela pode andar, nasceu com uma anomalia, seus pés eram atrofiados, mas sua alma visitou todos os lugares que sempre imaginou em seus sonhos. E o mais importante de tudo, conheceu alguém que mostrasse tudo isto a ela. Sinto-me fora de mim ao lembrar destas coisas, parece que fui os olhos de Walesca, mas apenas serei o guardião deste segredo, o de que nunca esquecerei dela. Pelo resto de minha vida amarei apenas...Walesca!

Autor: Danilo Padovan

Daykon
Enviado por Daykon em 20/07/2006
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