SOLIDÃO DAS ÚLTIMAS HORAS

“Eram umas seis horas da tarde, o sol se punha a minhas costas, mais um dia em que lutei pela minha brava pátria. Meu uniforme recoberto de sangue e minhas mãos com sujeiras de terras inocentes. Deus meu! Estou tão solitário em meio a estes campos, sinto o cheiro da morte e o fedor do meu sangue se misturando aos farrapos. Não posso nem mesmo me alimentar, minhas lembranças apenas recaem em meus amigos estirados ao chão, e preso nesta cela fria e sem vida, vejo dezenas de olhos sucumbindo e pedindo perdão.

Este que já é meu último dia, sabe que a esperança que guardo são para que o sol ainda demore em cair, que todos estes homens possam ser salvos e levados ao mais alto salão dos céus, ele não tem culpa, não sabem o que fizeram a ninguém. E eu, pobre e perdida alma, devemos pagar aqui por todos os pecados.

Lembro-me de minha amada esposa e filhos, que seguem seu caminho todos os dias para sua labuta, de pequenos e abençoados olhos, fiquem guardados em minha lembrança doce amada, protetora e cuidadosa com todos seus detalhes. Sinto não poder tocar seu rosto, acariciar-te com extrema sensibilidade, beijar-te com tremendo calor, ficar em teus braços novamente e ouvi-la dizer para que nunca saísse de seu lado para esta abençoada guerra. Escrevo-te simples brisa do campo, flor mais rara que os lírios de Salomão, abençoada e bendita seja tua cria, que te farta Deus de dias longos e de paz, esta paz que tento levar-te pelas minhas mãos.

E a vocês pequeninos e únicos dois lindos rubis, lapidados e cuidados com todo o zelo, sejam saciados de belas mulheres e conheçam o mundo pelas tuas conquistas, sejam tua prole abençoada pelas estradas de seus pés, não te amedrontem jovens filhos meus com os perigos desta passageira vida, são teus desafios que te fortalecerão e tornarão capazes de tudo por sua luta, eu sempre os esperarei nas entradas das portas do paraíso!

Vejo daqui, homens se levantando e cumprindo seus juramentos, saúdo a pobre ave que espera sua refeição atenta e observante. Seu canto serve de consolo e de cortejo a estas almas perdidas. E tão pequena e escondida flor que a ti encontro dentre estas grades, fique ao meu peito para servir-me de enfeite a meus momentos finais. Pois agora me levam para meu destino, carregam-me como se eu tivesse matado a todos os mortos e ferido os feridos, mas se assim mereço, hei de cumprir meu legado com honra!

Apenas faço minha oração para que os anjos sejam piedosos e me levem a Ti, Senhor! Não te afugentes e não te afastes de mim nesta hora, pecados meus foram cometidos, mas, nunca deixei de cometer um ato, o de amar-te com todas as minhas forças!

Perdoe-os a todos que me condenarão, suplico-te a misericórdia sobre suas vidas e famílias. Mesmo sentindo fortes traços de solidão agora, reconheço que a Vossa tenha sido a maior de todas elas já enfrentadas. Meus amigos me esperarão neste túnel obsoleto, aqueles que ao meu lado lutei com bravura e coragem, minha família me esperará, é chegada minha hora.”

Cessou-se o sol, calou-se a lua, esconderam-se às presas, rugiram os caçadores. Sua cabeça se abaixou, seu coração parou, após os tiros, a solidão ecoou, seu corpo ali ficou por muitos dias, a guerra não terminou.

Alguém chorou, outro cantou, mas todos pensaram em algo, algo que não durou, apenas seu tempo acabou!

autor: Danilo Padovan

Daykon
Enviado por Daykon em 26/07/2006
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