MONGA.

MONGA

Pela primeira vez havia chegado em minha cidade a Feira Agropecuária mais importante de toda região, e lá fui eu acompanhado de um grande amigo (de tão amigo virou comparsa).

Parecia uma peregrinação a Meca, de tanta gente. Havia de tudo: exposição de tratores, equipamentos agrícolas, roda gigante, chapéu mexicano, carrossel, carrinho bate-bate, incontáveis barraquinhas de tiro ao alvo, jogo da argola, maçãs do amor e sanduíches de pão com pernil e vinho quente. E o tão aguardado show de dupla sertaneja no final.

As moças desfilando em círculos, como iscas na arapuca do coração. Os rapazes de tocaia, fingindo não ver quem eles já haviam escolhido como alvo do seu querer.

E os moleculares (naquele tempo, Graças a Deus não havia celular): os recadinhos eram enviados pelos moleques, que corriam de um lado para outro como pombos-correio, e muitos ainda exigiam resposta no bilhetinho.

Mas o que me chamava atenção era o bizarro (quem nunca gostou de coisa estranha e de mistério, que atire a primeira pedra).

Corri para ver o bezerro de duas cabeças, a maior cobra do mundo, o peixe elétrico, a galinha que ciscava pra frente.

Mas a principal razão de estarmos ali, o motivo de tanta ansiedade era o que tínhamos visto no panfleto que havia sido distribuído na cidade. Anunciaram que aquela noite ali se apresentaria: MONGA, a mulher gorila.

Compramos o ingresso e entramos na enorme fila que conduzia a um grande trailer com um cartaz acima, escrito em letras circenses: “A coisa mais assombrosa desta terra”.

Entramos e com muito esforço conseguimos um lugar privilegiado no meio da plateia.

Fecham-se as portas, abrem-se as cortinas, apagam-se a luzes. E num fundo musical daqueles de filme de Drácula, o locutor com voz de cientista louco, começa a apresentação:

“Esta noite vocês serão testemunhas, de um dos fatos mais misteriosos de toda existência humana. Esta pessoa foi encontrada perdida nas selvas da Amazônia, totalmente louca e sem memória, e após um longo tratamento médico, descobriu-se que em seus genes se encontra um vírus mutante, que de tempos em tempos a transforma em... MONGA, a terrível. Criatura nem humano nem macaco...”

Nisto entra uma senhorita com aparência de funcionária de cabaré de quinta categoria, com seus cabelos iguais ao da Aracy de Almeida (notória jurada do programa do Silvio Santos), vestida em um colan de oncinha bem desbotado, meias de seda com vários furos, sapatinhos bem gastos de bailarina, e com seu olhar de desdém, senta em um banquinho dentro de uma jaula.

O locutor continua:

“E hoje foi o dia escolhido... não se aproximem, afastem-se, pois este ser é muito violento, é muito perigoso, tomem cuidado... pois a metamorfose já começou... vejam... diante de seus olhos...”

Boooooooooooowww!!! Catapummm!!! Sheeeeeeeeweeehhhh!!!! Berrrrrrrreee!!!

As luzes começam a piscar, o trailer a sacudir, parecendo um terremoto, e como uma névoa dentro da jaula a moça começa a desaparecer, então vai surgindo um... enorme gorila!!!

Com cara de plástico??? E zíper nas costas???

O ultimo aviso soa nos auto-falantes:

“Cuidado, hoje ele está furioso, não estamos conseguindo detê-lo... cuidado... está se soltando... está fugindo... corram... salvem suas vidaaasssss!!!!!...

E arrebenta o trinco da jaula...

Era gente pulando as janelas, uma gritaria, creio eu que até hoje tem gente correndo. Olhei paralisado para o meu amigo, e como em telepatia, pensamos: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come... então, nos atracamos ao animal! Enquanto eu batia embaixo por ser menor, ele acertava em cima por ser maior.

O bicho entrou em desespero por perceber que poderia virar tapete de sala. Em disparada voltou para a jaula e se trancou lá dentro. Quando olho para meu amigo, percebo que só sobraram nós dois ali dentro em meio a tufos de pelos pelo ar.

Ao sair do trailer, uma multidão nos aguardava do lado de fora, em meio a aplausos, vivas e urras, fomos recebidos como heróis. Não esperava a hora de receber minha medalha do prefeito, e a banda da escola municipal tocar o hino nacional em nossa homenagem. Quando do meio da multidão, saem dois policiais e sussurram em nossos ouvidos: “É melhor os dois manés darem no pé, senão vão pro xilindró!” Pensei: gratidão nunca foi uma aptidão do ser humano!

O que mais aprendi foi que nesta grande feira de exposição que é nossa vida, vamos ver e viver de tudo, e que muitas coisas que se apresentam como grandes problemas ou dificuldades, na realidade são apenas fantasia. Quando todos correrem em direção oposta, encare as lutas, você verá que a maioria dos monstros que enfrentamos tem cara de plástico e zíper nas costas.

Mas é bom contar nestas horas não com um amigo grande, mas com um grande amigo.

"Em todo o tempo ama o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão" (Provérbios 17: 17).

Esta historia é em homenagem ao Jairo, amigo grande e grande amigo.

Alexandre barbado