O BOI EMPACADO

Como era costume, os dois amigos, após o trabalho na roça seguiam rumo ao povoado. Ao chegar, se dirigiam até o botequim do senhor Antônio. Ali os dois passavam longas horas, até o sol sumir por completo atrás dos morros que circundavam o lugarejo. Esse costume remontava de já alguns anos. O encontro diário, para trocarem um dedo de prosa e tragar um pouco de aguardente, feita da mais pura cana de engenho. Num desses dias, em meio a um trago e outro, Jojoca disparou uma gargalhada sem fim. Nestor - intrigado-, perguntou ao amigo:

— O que aconteceu Jojoca? Por que essa risada?

— É que estou vendo aqueles bois ali na estrada. Eles me fizeram lembrar um acontecimento muito engraçado.

Nestor virou-se para a direção em que Jojoca olhava e viu um matuto a tangir três bois, com uma vara comprida.

— Que caso é esse Jojoca? - Perguntou cheio de curiosidade.

— Vou te contar:

— Certo dia, eu fui visitar o meu compadre Porfírio. Ele mora numa fazenda aqui perto, a fazenda Santa Cecília, que fica a mais ou menos umas duas léguas daqui. Esse meu compadre, é muito temperamental. Apesar de ser boa pessoa, ser honesto e ter uma boa prosa, ele se irrita facilmente por qualquer contratempo. Não tem a menor paciência com os animais. Os bichos sofrem nas mãos rudes de Porfírio. Ele grita, bate com o chicote de trança, chuta e xinga as pobres e indefesas criaturas. Várias vezes, eu lhe dizia que isso era muita crueldade, ao que ele retrucava:

— Esse bicho é pagão, só anda através de cacetada. – E o homem descia o porrete nos bois, porcos e cavalos.

—Não faça isso Porfírio! Um dia você vai se arrepender. O castigo tarda mas não falta.

— Que nada compadre! Criação a gente tem é que surrar. Os bichinhos ficam mansos que dá gosto.

— Bem Nestor! O fato é que nesse dia eu estive lá. O Porfírio havia cortado um centenário e frondoso Angico. -O danado, não respeitava nem as árvores proibidas de serem cortadas -. Bastava uma precisão qualquer e, lá estava o turrão com o machado a desbastar a mata.

— Da árvore derrubada, só restava o enorme e maciço tronco. Porfírio havia enlaçado a ponta de uma grossa corrente ao tronco do Angico e a outra extremidade, estava fixada à canga, que envolvia o pescoço de um boi carreiro. E como era de praxe, o homem maltratava o velho e cansado animal, enfiando-lhe a ponta de um ferrão no lombo e na anca. Esbravejando palavrões:

— Anda boi danado! Anda pagão de uma figa! Eu preciso levar esse tronco e não tô com paciência. Anda filho da puta!

— Quanto mais o compadre gritava e maltratava o boi, mais o animal parecia indiferente aos maus tratos. Não aluía nem um palmo. Depois de tanto pelejar, Porfírio vendo que não adiantava insistir, murmurando imprecações, decidiu desatar a corrente do tronco.

— Eu disse divertido:

— Oh! Compadre! Desistiu de maltratar o boi?

— Porfírio me lançou um olhar de poucos amigos e retrucou:

— Esse danado me paga. Mais tarde, quando eu descansar um pouco, vou aplicar-lhe um corretivo. Vou ensinar esse maldito a nunca mais empacar.

Enquanto falava, ele tentava desatrelar a corrente do tronco, mas tinha certa dificuldade, pois estava muito apertada. Subitamente, o boi deu um pequeno passa à frente. Nesse momento, Porfírio lançou um grito agudo de dor. Seu dedo estava preso entre a corrente e a tora. Berrando de dor, ele implorava para o animal:

— Faaasta boi! Faaasta! Pelo amor de Deus! Afasta boi...!

O boi nem se movia. Porfírio gritava para mim:

— Compadre, bate na testa do boi. Faça ele se afastar!

— Depois de muito tempo, após várias tentativas, o boi recuou um pouco, o suficiente para o compadre retirar com muito esforço, o dedo ensangüentado. A dor foi tanta, que ele havia se borrado todo.

— Sabe compadre - disse-me meio sem jeito o Porfírio – Isso foi um castigo. De Agora em diante, nunca mais eu maltrato bicho nenhum.

— Vê se você aprendeu a lição –caçoei todo divertido- .

— Se aprendi compadre... Se aprendi!

Porfírio saiu dali e foi em direção a casa, para limpar o ferimento. No caminho, havia um bezerro. Porfírio sem pensar duas vezes, deu-lhe um chute com o bico da botina.

— Sai da frente pagão! Não vê que eu tenho pressa!

— Pelo visto Jojoca. Ele não aprendeu nada. –Disse Nestor -.

— É! Mas seus castigos continuaram. Um dia desses eu te conto mais. Agora vamos arredar pé que a noite já se aproxima.

Gilberto Feliciano de Oliveira
Enviado por Gilberto Feliciano de Oliveira em 29/07/2006
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