Um Homem na Ponte

À meia-noite quase certa, quando todos na casa já dormiam, Lucas abriu os olhos. Não dormia; pensava, apenas. Esperava o melhor momento para seguir ao seu tão almejado encontro. Calmamente, levantou-se da cama, onde a esposa ainda dormia e sonhava com tempos melhores.

Seguiu, então, ao guarda-roupa, onde escolheu seu melhor terno e, depois, ao banheiro, onde banhou-se, escovou seus dentes até sangrarem as gengivas, fez a barba meticulosamente e vestiu seu terno engomado antes de usar seu melhor perfume e ondular seus cabelos em um novo e belo penteado.

Pé ante pé, foi ao quarto da filha, Emanuela, e pôs-se a observá-la. Lentamente, aproximou-se da menina e ajoelhou-se ao lado da cama. Uma lágrima escorreu e caiu no rosto da garota, quando ele sussurrou-lhe ao ouvido:

— Querida, é preciso... Entenda-me... Não torne as coisas mais complicadas... Mais à frente, quando for mulher e passar por problemas semelhantes, talvez entenda... — Beijou a face da filha e saiu, controlando desastrosamente as lágrimas.

De volta ao quarto, Lucas abriu uma cômoda e tirou a bolsa que usava para ir ao escritório que trabalhava. Saiu do quarto e foi à sala. Lá, com chaves antes deixadas sobre o cinzeiro, abriu uma porta da raque e retirou uma arma calibre 38 e algumas balas. Carregou-a. Abriu a bolsa, retirou alguns objetos usados no trabalho, colocou a arma no fundo e cobriu-a com os mesmos utensílios.

Fechou a portinhola e, indo novamente ao quarto, despediu-se, com um único olhar, da esposa. Respirou fundo e deu uma última olhada em seu rosto angelical refletido no espelho da sala, antes de partir à rua e ao vento frio.

Protegido por um sobretudo negro e um chapéu escuro, Lucas não sentia frio. Parou, depois de muitas quadras cruzadas a passos largos, e entrou na agitada rodoviária. Aproximou-se de uma lanchonete.

— Uma coxinha, por favor — disse, distraído.

— A de sempre, com recheio de frango? — perguntou um homem de nariz de porco, atrás do balcão cheio de ofertas de lanches e salgados.

— Sim.

O homem, com um crachá que dizia “ADALBERTO”, pegou uma coxinha enorme da estufa e requentou-a num pequeno forno elétrico. Depois, deu a coxinha sobre um prato a Lucas, que pagou imediatamente.

Sentou-se numa mesinha mais ao fundo e experimentou a primeira mordida. Horrível! Deviam ter mudado a massa. Essa tinha puro gosto de mandioca. Não tinha mais batata. Largou a refeição com apenas uma mordida na mesa, para que algum mendigo a encontrasse depois e saciasse sua fome. Não havia pagado para comer algo ruim. E, além disso, não podia atrasar-se para o encontro.

Desistindo de mais passatempos, Lucas seguiu definitivamente à Ponte de Paralelepípedo, o local do encontro. Quase uma hora depois, a ponte começou a ganhar destaque na noite escura, encoberta, sem lua. O contato do sapato minuciosamente engraxado com o paralelepípedo gasto, ecoava os passos alguns metros adiante.

Sendo um dos lugares mais afastados e menos movimentado da cidade, a Ponte de Paralelepípedo oferecia um lugar calmo, que ele poderia fazer qualquer coisa sem ser visto ou julgado.

Diminuiu os passos conforme se aproximou da ponte e, quando chegou ao início dela, parou. Estudando o ambiente escuro e deserto, avançou. Quando chegou à metade, parou novamente e virou-se à sua borda. Abriu a bolsa e, depois de retirar a arma, largou-a no chão.

Fechou os olhos e pensou, por instantes, na mulher e na filha. Era assim que queria morrer: sonhando com sua família, com a única coisa que o mantivera vivo até ali. Subiu na barra de proteção, apontou a arma para a própria cabeça e, desequilibrando-se perigosamente, olhou para a imensidão lá embaixo, onde, certamente, os braços da Morte estariam esperando por ele e seu tão almejado descanso eterno.

Tiaggio
Enviado por Tiaggio em 24/01/2010
Código do texto: T2048203
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.