O LENDÁRIO KOSTELLA KID... 1.

O LENDÁRIO KOSTELLA KID

Lucas Durand

— em homenagem ao nosso querido amigo Paulo Kostella —

Antigamente, na cidade de Delfim Moreira, Minas Gerais, havia muita desordem. Não havia delegado que ficasse no cargo. A corja de desordeiros e os valentões quando não matava o delegado punha-o para correr. A situação chegou a um ponto que ninguém tinha coragem de assumir tão tal cargo...

Naquela época, delegados não eram como hoje, que prestava concurso, tinham treinamento, etc. Para ser delegado, era escolhido alguém de boa índole, honesto, respeitado e corajoso, principalmente, nas cidades do interior. Havia até uma brincadeira de chamar o delegado, de “delegado calça-curta”, por não haver concurso, era uma indicação do prefeito e dos homens de bem da cidade, mas o cidadão tinha que ser valente mesmo para por ordem na cidade, quanto mais “brabo”, mais respeitado.

Também, naquela época, não havia rádio-patrulha, era no lombo de cavalo, ou se alguém possuísse um Ford Preto — como a gente vê nos filmes de mafiosos passando rapidamente pelas ruas e metralhando pessoas —, o delegado requisitava o carro para sair em perseguição, e nem telefone tinha naquela época! Havia telégrafo! Era realmente uma profissão ingrata como é até hoje.

Numa fazenda nos arredores da cidade de Delfim Moreira, morava a família Silva. O patriarca da família, Sr. Afonso Paulo da Silva, homem severo no comando da família, tinha o apelido de Cotia, o famoso “Seu Cotia”. Sua esposa, Maria Conceição da Silva, conhecida e querida por todos, era chamada de “Dona Fia”. “Seu Cotia” e “Dona Fia” mantinham severamente os “Cotia” unidos e administravam a propriedade juntos com os filhos e filhas. Eram muito respeitados pelo modo de vida que levavam, ajudavam a todos na região, mas nenhum “pustema” ou “borra-botas” tinham vez com eles. O lema da família era:

— Aqui não pica-pau, aqui só tem aroeira!

Esta máxima significava que vagabundo não tinha vez com os “Cotia”, pois Pica-pau que tem dó do bico, não bica em aroeira! Aroeira é uma árvore e sua madeira é tão dura que até prego tem que ser dos bons para cravar nela.

Os “Cotia” levavam uma vida simples, tranquila. Mas, sempre final de mês, um membro da família, um dos filhos, ia à cidade comprar o que não se produzia na roça, como: querosene, sal, botina, ou algum remédio, balas e cartuchos para revólveres e espingardas/carabinas que todo fazendeiro possuía, pois, vira e mexe, aparecia um ladrão de gado, e, valentemente, a família “Cotia” os punha para correr. Alguns não tinham a sorte de poder correr, ou nunca mais corriam, nem andavam... comiam terra o resto da vida, aliás, da morte!

Um dos filhos de “Seu Cotia” destacava-se por ser um bom vaqueiro e ter uma boa pontaria. Era “pá e pimba”! Dizem que ele nunca havia errado um tiro na vida! Também, havia treinado desde garoto a manusear uma arma.

Era esbelto, alto, elegante — as moças da época ficavam em alvoroço quando o via, sua bela fisionomia causava encanto nas donzelas —, possuía uma barba que impunha respeito e um chapéu Panamá preto, todos o chamavam de Paulo Kostella, os mais íntimos e familiares, simplesmente: Kostella.

Andava em seu cavalo preto, Tição, — pois era preto como carvão —, bom se sela e veloz, com seu cinturão e seu revólver 38 no coldre, pronto para ser usado. Sempre vistoriava a fazenda, conferia a cerca da propriedade, prevenindo-se de intrusos, e na cabeça do arreio, sua infalível e fatal companheira: sua carabina papo-amarelo!

Na época, era famosa nas revistinhas em quadrinhos e na televisão — para os poucos que possuíam TV — a série de faroeste Durango Kid, por isso, veio logo o apelido de “Kostella Kid”, em homenagem ao famoso Durango Kid.

Mesmo sabendo ser perigoso ir até à cidade buscar as coisas necessárias para a fazenda, Kostella Kid teve que ir um dia. Seus pais e irmãos ficaram temerosos! Sabiam que Kostella Kid não tinha medo, mas temiam por sua vida. Mesmo assim, o corajoso filho do “Seu Cotia”, pegou a lista de compras, colocou seu cinturão, conferiu o revólver, enfiou sua carabina na cabeça do arreio, ajeitou seu chapéu preto na cabeça, montou em seu cavalo e preparou-se para partir.

— Filho — disse sua mãe, “Dona Fia” — a cidade esta sem delegado! Cuidado!

— Eu não vou caçar encrencas, minha mãe! Tomarei cuidado!

— Deus te guie... — disse ela.

Seu pai, “Seu Cotia”, acenou para o filho depois de fechar a porteira. Recebeu um aceno do filho.

Kostella Kid cutucou seu cavalo com as esporas de prata que reluzia pelo contrate de suas botas pretas e sumiu pela estrada empoeirada.

Daquele dia em diante, começava a lenda de Kostella Kid... Seu destino iria mudar com sua ida cidade...

Apesar da aparência, chapéu preto, barba, seriedade, era uma pessoa avessa a encrencas, mas, detestava injustiça!... Seu único defeito ou virtude era que tinha o estopim curto! Melhor, nem estopim tinha! Era pau ou pedra! Certo ou errado! Não havia meio termo! Nada de lengalenga! Dava um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair!

No antigo armazém na cidade, onde se vendia de tudo, onde todos compravam seus víveres, estava naquele dia um forasteiro, já embriagado, aprontando e ameaçando as pessoas dentro do armazém. As pessoas saíram de fininho ao ver que nas costas do estranho e embriagado forasteiro, havia um revólver enfiado entre o cinto e calça... a qualquer hora iria sair tiros!

O estranho pediu mais uma cachaça. O dono armazém se fez de bobo e não atendeu ao pedido. O forasteiro, nervoso, chutou fortemente uma banca de bananas e elas se espalharam despencadas pelo chão. Foi banana por todos os lados! O homem estava mesmo descontrolado! E num acesso de fúria, pisoteou ainda algumas bananas pelo chão para mostrar sua valentia.

Neste ínterim, parava tranquilamente em frente ao armazém, Kostella Kid... Desceu do animal, bateu o chapéu nas roupas para tirar a poeira da estrada... e se preparou para entrar no recinto. Parou na porta!

O dono do armazém, que já o conhecia e tinha por ele grande admiração, em pensamentos, tentou dizer ao amigo na porta de seu armazém, que ele não havia chegado numa boa hora! Mas, Kostella Kid era sua salvação, pois ninguém se prontificou em ajudá-lo com o estranho e furioso homem destruindo todo seu armazém.

Ao ver a cena, Kostella Kid logo entendeu que tinha pela frente um grande problema! Jamais iria deixar o velho, “Seu Zé da Venda”, seu amigo e amigo da sua família de longa data, em apuros! Tinha que tomar uma atitude!

Parado junto à porta do armazém, da Venda, como todos diziam, Kostella Kid disse ao estranho, que estava curvado sobre o balcão de madeira batendo o copo sobre o balcão, pedindo mais uma pinga:

— Acho que já esta na hora de você fazer rasto, meu caro! Caça rumo... ou vai se ver comigo!

O baderneiro nem olhou para a porta.

— Bota mais uma pinga para mim seu idiota, ou eu vou quebrar toda esta “bitaca”!

— Não vai quebrar mais nada! — frisou Kostella Kid. — Tá na hora de fazer rasto! Vai baixar noutro terreiro!

— Tem algum idiota falando comigo! — exclamou o valentão sem olhar para a porta. — Se tiver, pode encomendar seu caixão!

— Encomende o seu primeiro! — retrucou Kostella Kid, impassível junto à porta.

Num gesto de fúria, o baderneiro virou-se para a porta meio desequilibrado, pois estava já com umas dez pingas na cabeça, e levou a mão à costa para sacar sua arma... Mas... ao fazer tal movimento, escorregou numa casca de banana pelo chão e caiu de maduro para trás batendo fortemente a cabaça no chão! E lá ficou imóvel! O impacto de sua cabeça no chão havia sido muito forte. Caiu de maduro!

Kostella Kid, com a mão sobre o cabo de seu 38, ficou imóvel!

O dono da Venda, “Seu Zé da Venda”, levou as duas mãos à cabeça num gesto de incredulidade! Entendeu que somente de ver Kostella Kid, o baderneiro havia morrido de susto!!!

O povo começou a se amontoar no armazém!

“Seu Zé da Venda” narrava eufórico o acontecido... de que somente de ver Kostella Kid na porta de sua Venda, fazendo um “’ameaço”, o baderneiro havia morrido de susto! E a história se espalhou como um rastilho de pólvora...

Logo veio o prefeito e outras autoridades!

Naquela época não havia médico legista para fazer necropsia no defunto... e o baderneiro foi enterrado.

Motivo da morte, comentada por todos: morreu de susto ao ver Kostella Kid!

A partir deste dia, as autoridades nomearam Kostella Kid para delegado da cidade de Delfim Moreira, e sua fama se espalhou por toda região...

O respeito ao novo delegado Kostella Kid era tanto, que quando ele espirrava na delegacia toda cidade dizia uníssona:

— Deus te ajude! Deus te crie!

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Lucas Durand
Enviado por Lucas Durand em 10/02/2010
Reeditado em 23/02/2010
Código do texto: T2079125
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