Caçada de onças II

Minha inclinação por caçar onças poderia até ser considerada ilimitada.

Acreditem vocês, que depois de pegar muitas, por diversos tipos de artimanhas, armadilhas e negaceio, comecei a perceber melhor o quanto os cães ajudam nessas aventuras, e, num sem par de vezes, alguns perdem a vida, por inexperiência, abuso ou descuido.

Eu, com minha zagaia feita de bom pau marfim ou guatambu, já espetei muitas por esses matos afora, Guiado por Deus, minha astúcia e Nossa Senhora, mas nunca desprezei a ajuda de um bom cão caçador.

E prá pegar onça pintada, parda ou mesmo a negra, tem que ser dos bem grandes e fortes.

Foi assim que comecei a treinar um cachorro bragado, raça bem amestiçada brasileira, que hoje chamam de “Fila”, mas que apareceu de muitos cruzamentos, resultando num cão de porte avantajado. Eu quando ainda menino, já havia visto muitos cães boiadeiros, como os chamados Bulldog, que quando a mandíbula travava no focinho do boi ele arriava com o peso todo no chão, rendendo-se à laçada e ficava dominado.

Mas, igual ao cão que me apareceu, desde pequeno já com grandes patas, que impressionavam, com muita inclinação, bom faro e força desproporcional até quando brincava, nunca tinha visto, não!

Então pensei: com este danado vou fazer uma boa experiência e treiná-lo com muito zelo, de forma nunca vista anteriormente.

Dessa forma, desde aquele momento, ele me acompanhou por todo tipo de caçada, e assistiu muitas passagens pelos matos adentro, destes sertões das bandas do Paranapanema, onde parecia que o continente nem tinha sido descoberto.

Tinha até muitos bugres, que sempre nos rondavam curiosos, e corriam assustados no primeiro troar de uma cartucheira calibre 12, que ecoava na mata densa, espantando os passarinhos e causando silêncio e quietude da bicharada, quando ouvia-se o bater de asas das aves esbaforidas, ou o farfalhar de palhas e folhas secas denunciando pacas, antas, capivaras e da bugrada correndo desesperados.

Sem dúvida a escolha do nome foi outra coisa que tinha que combinar, e, entre tantos escolhidos, ficou o dito cujo, batizado de DRAGÃO.

Dragão viu muitos companheiros morrerem, e foi aprendendo, como todo cão aprende, com outro cão mestre, e vai tomando gosto pelas coisas desse mundo selvagem, aprendendo a caçar tatus à noite, capivara no banhado, caitetú na roça, nhambu na mata, seriema no serrado, gatos do mato, preá, veados e lobo guará, tamanduá e também, claro, as onças ferozes dessas bandas esquecidas.

Mas, o treinamento especial mesmo do Dragão, foi com cadelas no cio.

E, era muito rápido e prático na cobertura de uma fêmea, como todo cão, que não se envergonha dos atos da procriação, já que desprovidos são das hipocrisias que a sociedade se nos impõem, cujos atos sim deveriam trazer vergonhas, pois, incontáveis são os casos de malversações que o homem pratica, com mulheres, crianças, outros homens, outros animais e, pasmem, de qualquer que seja o nível ou patamar social onde o mesmo se encontre. É realmente vergonhoso, que, se comparado ao “casamento de cachorro” na rua, este chega a ser dos mais ingênuos e puros, que os cidadãos reclamam, mas, até a muié do prefeito, o padre e o delegado, não deixam de dar uma conferida com os "rabos dos olhos", em simulação de vergonha fingida e a libido manifestada...

Mas, o causo aqui não é, no momento, de condenação à sociedade imbecil, que não campeia por estas paragens, pois se descobertos cuidamos de dar lições que outros não se atrevem a manifestar tais distorções, como ensinamos aos animais, que se vacilam morrem de forma exemplar e trágica. Olho por olho, dente por dente, esta a melhor justiça e ensinamento. Me lembra até de um caso onde o homem que foi impalado e depois com um funil pelo ânus e reto adentro lhe fora despejado óleo fervente nas tripas, morrendo cozido por dentro., gritando de dor lancinante, após semana de agonia, sem que lhe acorressem para ajuda... isso me contou o Érico Veríssimo no seu "Incidente em Antares"...

Para o Dragão aprender essas práticas, púnhamos a cadela no cio no alto da árvore, e balançávamos o galho para ela cair. E ele, para não deixar a presa para os outros cães, montava de imediato, e realizava o ato deixando a preza mole das pernas.

Depois, foi só levar essas práticas, para caçar onças. Ele, pegava qualquer coisa que caía de árvores, e com isso, começou até a “traçar” onças, que logo, começou a espalhar nas cercanias, a fama do tal cão caçador de onças. Não precisa nem dizer que molecada não subia em árvoress do pomar lá em casa prá roubar frutas. Era muito grande o risco de queda...

Os outros cães latiam todos juntos e um ou outro subia pela árvore até onde dava, e quando a onça caía, era uma pegada só. A bicha ia ficando mole e se rendia "na marra" aos encantos da libido do Dragão. Aí, ficava fácil demais, se podia até pegá-la viva.

Na maioria das vezes, a turma atirava na onça caindo e a atingiam mesmo antes de chegar a vez do Dragão, que mesmo assim não perdoava, já que pegava tudo que caía.

Mas, eis que chegou um dia, quando estávamos caçando eu, o Zacarias, Zé Rufino e seu cunhado, que sempre me acompanhavam. Apareceu uma bela duma pintada, mas a qual correu muito no ladroar da matilha atiçada e subiu muito alto em um galho, e nada de cair. Falei para uma dos companheiros subir um lá e cutucar a onça com “uma vara curta” ou mesmo com a ponta da zagaia. Mas, qual o que, ninguém quis se aventurar, pois a onça estava mesmo “embrabecida” como diziam, e o medo era muito.

Como não sou de ter medo dessas bichas, eu disse aos meus companheiros que eu mesmo mostraria como se faz prá derrubar onça de árvores.

Como dizem, sempre tem o dia da caça e outro do caçador, apenas dei um conselho prá turma ficar bem preparada para atirar. E com o conselho um pedido: se cair a onça atirem nela, e não vale sacanagem nesse momento crucial que a coisa é séria, mas, se por acaso caio eu, não tenham dúvidas, ele é de muita estimação, mas atirem rápido no DRAGÃO…

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Caçada De Onça

Craveiro & Cravinho

Composição: David Vieira / Dino Franco

Eu recebi uma carta noticiosa e mensageira

Do bairro da Cachoeira da fazenda do Matão

Antes de rasgar o selo reparei no remetente

Escrita pelo gerente no endereço do patrão, ai

Quando eu li a missiva senti no peito um galeio

Compreendi que estava feia no lugar a situação

Apareceu uma onça de foguete na canela

Pegando potro e vitela arrasando a criação

Ofertava um grande prêmio à quem matasse a pintada

Eu aceitei a parada mas foi por inclinação

Passou a Semana Santa era um dia de aleluia

Ajeitei a mala e cuia pra sair cortando o chão, ai

Joguei por cima do ombro o meu capote de lona

Aviamento na patrona, apetrecho e munição

Espingarda cartucheira eu levei de tiracol

As ponta do cachicol eu prendi no cinturão

Peguei a velha corneta lustrei o bocal de prata

Eu trelei a Campionata, o Piloto e o Sultão

Com uma grande confiança nos três cachorro de raça

Soltei no rastro da caça lá no alto do espigão, ai

Os três entraram na mata dando sinal de levante

Eu segui um pouco à diante garantindo a posição

Esperei na travessia do velho mandacaru

Jararaca e urutu davam bote de traição

A rainha da floresta desceu pela ribanceira

Apesar de ser mateira desmentiu a informação

Nos terrenos conhecidos percebeu a emboscada

Desceu pela invernada pra pular o ribeirão, ai

Mas tudo que é vivente tem seu momento infeliz

Caiu que nem a perdiz na unha do gavião

Alvejei de queima bucha quando foi fazer passagem

Matei a fera selvagem, derrubei mais um campeão

Pro capataz da fazenda entreguei a empreitada

Precisava uma picada eu abri com o meu facão

Perguntaram do meu nome eu só dei as iniciais

Eu vivo nas capitais mas adoro este sertão, ai

Eu não quero pagamento e nem medalha de ouro

Só quero levar o couro pra aumentar a coleção

Eu vim pra matar saudade não vou pra ganhar dinheiro

Pra filha do fazendeiro entreguei o meu cartão

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 15/02/2010
Reeditado em 15/02/2010
Código do texto: T2088056
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