UMA IDÉIA DE JERICO

A família Sherton estava há pouco tempo no Brasil.

Mr. Sherton conseguira um cargo importante na empresa americana onde trabalhava. Seria o seu representante, no Brasil, e isto significava status, bom salário e... residência fixa no país, mais precisamente, em São Paulo.

Para ele tudo bem, estava satisfeito, realizado profissionalmente, mas a esposa e a filha não se acostumavam na nova cidade, tão distante, tão estranha e tão fria.

Lady Sherton estava muito assustada com a violência da cidade, amplamente noticiada nos jornais, principalmente, depois que um carro da família foi roubado e ela mesma teve sua bolsa arrebatada, na rua, por um trombadinha.

Mr Sherton não deu maior importância e estes incidentes. O seguro pagou o carro e a bolsa roubada não valia muita coisa.

Miss Sherton, a Beth, era a que mais sofria. Sentia muita saudade da sua cidade, sua escola, seus amigos e, mais do que tudo, do seu namoradinho, o Bill.

A única coisa que queria era voltar para Nova York. Todos os dias choramingava para o Pai, mas ele dizia que era preciso ter paciência, que sua carreira na Empresa dependia de sua permanência aqui

Na escola, os colegas não davam atenção a ela, não procuravam uma aproximação e ela também não fazia o menor empenho em ser-lhes simpática.

Seu único amigo, era o Bruno, um menino muito pobre que ganhara uma bolsa e estava estudando nessa escola onde a maioria dos alunos pertenciam à elite ou à classe média alta.

Ele também era discriminado pelos colegas, mas, acostumado com as agruras da vida, não dava muita importância a isso.

Quando a bela americanazinha chegou, ele sentiu que, de certa forma, suas situações eram semelhantes.

Embora por motivos diferentes, ambos eram ignorados pelos colegas. Também ela, não tinha amigos, não era convidada para as festinhas e, muitas vezes, era vítima de caçoadas, porque tinha hábitos diferentes e expressava-se com dificuldade.

Ele era dos melhores alunos, mas vestia-se mal, morava em uma favela e sua família não aparecia nas colunas sociais.

A amizade entre Beth e Bruno a cada dia intensificava-se mais. Ele a ajudava nas lições, principalmente no português, sua maior dificuldade, e ela treinava com ele a pronúncia do inglês.

Os professores ficaram um tanto preocupados com a proximidade da aluna nova com o favelado, mas não podiam tomar nenhuma atitude. Afinal, ele se comportava muito bem na escola e não podiam discriminá-lo só porque era pobre.

Logo ela começou a fazer-lhe confidências. Falou de saudade da sua Terra, da falta que sentia do namorado, da vontade de voltar para Nova York.

Um dia falou da Mãe e de seu medo da violência da cidade, e, foi então que o Bruno teve a “brilhante idéia”:

-Vamos dar um susto bem grande nela e ela convence seu Pai a voltar.

-Como assim?

-Vamos simular um seqüestro. Eu conheço um vizinho que faria isso pra nós. Ele já fez vários seqüestros de verdade. Se eu pedir,ele fará, de mentirinha.

-Como seria isso?

-Quando sua mãe vier buscá-la, ele mostra-lhe um revolver, obriga-a a descer do carro e foge com você. Eu estarei esperando e a levarei para minha casa onde você ficará em segurança até que seu pai pague o resgate. Dai você volta de táxi para casa e a gente abandona o carro em um lugar fácil de encontrar.

-Você está louco! Eu não teria coragem de fazer uma coisa dessas. Minha mãe é capaz de morrer de susto!

-Morre, nada! Vai ser só algumas horas. Assim que ele a pegar, eu telefono para seu pai marcando o lugar para ele deixar o dinheiro e logo que ele o levar eu pego a grana e vou buscá-la.

-E se meu pai não tiver todo o dinheiro que ele pedir?

-A gente pede pouco. Mil reais! Só para dar autenticidade à farsa.

-Não, Bruno, nem pensar!

-Pense bem, se quiser. . .

Beth não conseguia esquecer a conversa do Bruno. Se fizesse o que ele sugeriu, com certeza, o Pai não ia querer continuar em São Paulo, esta cidade violenta onde as menininhas não têm segurança.

Mas , ao mesmo tempo em que se sentia tentada a fazer o que ele sugeria, sentia um medo enorme que alguma coisa desse errado.

A noite, conversando com o Bill no ICQ, contou a ele a sugestão de seu colega e, para sua surpresa, ele achou genial a idéia

-Se ele é seu amigo e você confia nele, acho que nada de mal pode acontecer.

E ainda brincou com ela:

-O único perigo que estou vendo é você acabar se apaixonando por esse Bruno e me esquecer.

-Como se isso fosse possível, seu bobinho!

Alguns dias depois, Bruno teve outra idéia. Não ia por o bandido no meio. Ele mesmo simulava o assalto. Usava uma arma de brinquedo que seu pai tinha muito bem guardada (ele não imaginava por que). Na hora cobria o rosto com um lenço só para impressionar, pois a Mãe não o conhecia e, ela, medrosa do jeito que era não ia perceber que tudo era uma encenação.

-Mas, isso é crime! Você pode ser preso.

-A polícia não pega nem 10% dos crimes de verdade, não vai perder tempo com uma bobagem dessas e além do mais, eu sou ”de menor”. Não posso ser preso.

Aos poucos, a coisa se tornou menos apavorante para Beth, e, entre sins e nãos, acabou cedendo à idéia do Bruno.

No dia aprazado, quando ela entrou no carro, o Bruno chegou à janela, devidamente caracterizado, encostou o brinquedo no vidro e ordenou com voz forte:

- Desce e deixa a menina.

A Mãe gritou e ele ordenou:

-Cala a boca e desce logo, se não eu mato as duas.

Beth assustou, tentou sair do carro, mas ele apontou a arma para ela e ordenou:

-Fica quieta ai senão te mato.

A Mãe desceu chorando, mas ninguém deu importância. Na rua movimentada, cada qual por si, isto era apenas mais um roubo de carro, coisa corriqueira.

E o Bruno tomou a direção e misturou-se ao trânsito intenso.

Beth nem precisou fingir o susto. Ficou apavorada, mesmo. Não reconhecia naquele assaltante o seu amigo. Que loucura!

Chegaram a casa dele, na favela, um barraco paupérrimo.

A mãe dele recebeu a menina com naturalidade, nem perguntou por que ela estava ali.

A família era muito grande. Ele tinha irmãos adolescentes e outros menores, mas ninguém ligou muito para ela.

Bruno deixou a Beth ali e saiu com o carro para completar o plano.

Demorou muito para voltar.

Quando anoiteceu, o Pai chegou embriagado e começou a discutir com a Mãe e com os filhos. Perguntou quem era a Beth e o que ela estava fazendo ali, mas a Mãe disse que era amiga do Bruno e que ele dissera para cuidar dela até que ele voltasse.

O Pai deu uma risadinha maliciosa, mas não a perturbou.

O Bruno era respeitado na família. Era o único que estudava e todos achavam que ele sabia de tudo.

Já era dia alto quando o Bruno chegou dizendo que estava tudo resolvido e ela podia tomar um táxi e voltar para casa.

Beth chegou a casa chorando. Não foi preciso fingir nada. Ela estava quase tão assustada como se tivesse sido raptada de verdade.

Quando o Pai disse que iam a Polícia ela se apavorou:

-Não vamos acionar a Polícia! O bandido pode nos matar!

-Não vamos deixar esse canalha impune, isso sim! Vou dar parte do ocorrido e não sossegarei enquanto não vir esse cara atrás das grades.

E a Beth foi obrigada a acompanhar o Pai até o distrito policial.

Experiente, o Delegado, começando o interrogatório, logo percebeu que ela estava mentindo, apertou o cerco e ela acabou contando toda a verdade.

O Bruno foi chamado e a Beth sentia-se terrivelmente mal.

O amigo quis ajudá-la e agora estava em dificuldades por sua causa!

Mas ele chegou, acompanhado do Pai, muito calmo, contou toda a história e... Para surpresa de todos, colocou na frente de Mr Sherton o dinheiro recebido:

-Esta grana é sua. Eu não sou um assaltante nem um ladrão. Acho que sou um idiota!

Mr Sherton acabou retirando a queixa.

O delegado não registrou o caso e até brincou com os garotos:

- Mas que idéia de Jerico, vocês tiveram, heim!

Bruno sorriu, mas a Beth não entendeu nada. Olhou para o Pai que fez um muxoxo levantando os ombros.

- But that idea of ass you had! explicou o delegado em seu mau inglês.

Mr. Sherton e Beth riram.

Desta vez foi o Bruno que não entendeu nada.

E a Beth, solenemente, se desculpa com todos.

- Sorry! Nunca mais fazer isto.

-É bom mesmo, respondeu o Pai, pois nós ainda ficaremos muito tempo por aqui.

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Maith
Enviado por Maith em 21/03/2010
Reeditado em 21/03/2010
Código do texto: T2150924