Lembranças.

Da série: Estórias da Fazenda Guanabara

Seu Gaudêncio . “seu Godera”

“Pra os qui vive filiz, o mundo é muito bão. Pra os disinfiliz, certeza é que num é não”.

Palavras de seu Gaudêncio. Um negro que já devia ter ultrapassado os noventa anos a um bom tempo e nem mesmo ele sabia. Muito alto, pernas esclerosadas, de quem já lutou muito para sobreviver.

Benedito, trabalhador da fazenda Guanabara, gozador, como se dizia lá, “resenhista“, provoca seu Gaudêncio.

- Seu Godera! O sinhô cunheceu lampião?

- Num só cunhici, cuma andei cum ele. – responde orgulhoso.

- Fazeno u que. Tocano os burro? – Provoca novamente benedito.

- E oçê tava lá seu muleque, pro mode dizê issso?

Benedito não retruca. E todos sorriem disfarçadamente.

- Passei foi muito tempo brigano cum as volante no lado dele, oxente. - Continua.

Do alto de seus mais de 1,90 m, olhos miúdos, acinzentados pelo tempo, deixava à mostra um único dente, que teimava em ser o dono exclusivo de sua boca.

Benedito colocou o nome de “teimoso” naquele exemplar solitário.

Seu Gaudêncio gostava de contar sueus “causos”. Alguns fantasiosos, que até D. Chica sua mulher (Na roça, não se tem esposa, tem mulher) balançava a cabeça, como que dizendo: “Qui mintira danada de Godênço”.

Mas suas mentiras ou melhor invencionices, viraram verdades para muita gente.

- Já briguei inté cum “lubisone”. Continuava seu Gaudêncio em suas narrativas fantásticas.

- Ah! Seu Godenço, essa não. Como era ele?

- Era grande seu Godenço?

Ele se entusiasmava e partia pra narrativa.

- Dava quaji dois de mim.

- Ele vêi pra mim pegá, eu gritei “me vala nosso sinhô Jesus Cristo” ( fala tirando o chapéu de couro surrado pelo tempo) e pranchiei o corneta ( marca de facão) pra dento, qui o bicho urrava feito um cachorro. O fedô do danado intinguijou o terrero todo quaji um mês. E aí sorria, como se dissesse; Isso pra mim foi moleza.

- O sinhô deu quantos taio nele?

- Minino! O bicho é mais ningêro que gato do mato. Eu catava ele daqui, daculá, mais só topava era u chão. – explicava fazendo a encenação.

- O sinhô tornô vê ele depois? Atiçava Benedito.

- Vi mais não.

- Ele viu qui eu num era faci não. Haaa! Ra! Ra! Ra!

Sua gargalhada era mais estrondosa que uma cachoeira.

Parou por um momento e todos ansiosos por mais uma estória, ele diz:

- Mais sei quim é ele. Insinua.

- Sabe! Quem é seu Godenço? Diz pra gente. – provoca Benedito.

- Digo não sinhô.

- Purque seu Godenço?

- Vou dexá ele vin di novo na lua chea, e vô ranca as orêia dele pr´ocês vê.

- E aí, ocês vai sabê quim´é ele. - Garante.

- Mais é gente daqui? - Provoca mais uma vez Benedito.

- Cum certeza.

- Mora pur aqui pur perto?

- No Teles – Se entrega.

- Então é João Mineiro. – gritou Benedito.

- Oçê é qui tá dizeno. - Se defende.

- Mais quem mora lá é só ele. – Continua Benedito.

- Sei não.

- Ais vez pode sê Vintura. – Diz Lô capenga.

- Ocê mi respeiti seu muleque. – Grita seu BoaVentura Já com a mão na cintura, pegando no cabo de seu mini facão.

- Calma gente. Calma. – Procura esfriar os ânimos seu Antero.

- Eu não tou aqui pracudi gente não. – Provoca com um jeito sarcástico que possuía.

Encerrado o papo naquele dia, seu Gaudêncio pega o caminho de casa.

No outro dia, com certeza, teria outros causos para contar.

Lannes Almeida
Enviado por Lannes Almeida em 24/03/2010
Reeditado em 12/02/2011
Código do texto: T2157082
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