Falácia do Caos

Vera Lúcia já estava há três meses sem emprego, todos os dias pela manhã ela saía em busca de uma oportunidade de trabalho procurando em agências, em jornais e em sites especializados na Internet, que ela pesquisava por meio de “Lan Houses”; sempre foi empregada doméstica e gostava muitíssimo de seu ofício; tinha um ótimo currículo e excelentes recomendações de seus antigos patrões que se mudaram do Rio de Janeiro para Manaus.

Ela mesma vivia no estado do Rio fazia vinte e um anos, nascera em Tobias Barreto, município a cerca de cem quilômetros de Aracaju, no estado de Sergipe. Os pais de Vera se mudaram para o Rio de janeiro e juntamente com eles vieram a moça e todos os seus sete irmãos; desde então trataram de fazer suas vidas cada um trabalhando de modo obstinado.

No auge de seus trinta anos ela não compreendia a causa das sucessivas recusas e negativas constantes que recebia diariamente. Certa vez ela sentou em um banco de praça próximo ao ponto de parada de ônibus enquanto esperava o veículo que a levaria de volta para casa no município de Nova Iguaçu.

Uma jovem sentou ao lado dela para esperar o ônibus também e a ouviu pensando alto.

_ Estou tão cansada_ disse Vera.

A jovem pensou que Vera estava falando algo com ela e perguntou:

_ Desculpe, está falando comigo?

_ Não!_ Respondeu se desculpando, mas aproveitou que estava precisando desabafar um pouco e continuou falando._ Eu só estava pensando alto, o dia foi duro.

_ O que aconteceu?_ A jovem queria ser solicita enquanto o ônibus não aparecia.

_ Estou desempregada já faz três meses e não consigo uma vaga em lugar algum, já tentei tudo o que podia, esgotei minhas idéias e não sei mais o que fazer; estou voltando para casa hoje arrasada.

A outra jovem resolveu tentar confortá-la. Mulheres geralmente são muito mais sensíveis aos problemas alheios do que os homens.

A outra jovem parecia ter entre vinte e cinco e trinta anos; era alta, cabelos castanhos escuros, longos e tinha uma mancha, provavelmente, de nascença na base do pescoço.

Ela disse:

_ É, hoje em dia está difícil para todo mundo. No que você trabalha?

Vera ficou satisfeita de pelo menos conseguir pôr para fora seus sentimentos, não resolveria nada, mas ajudaria a retirar a sensação de fracasso que estava sentindo e não sabia como agradecer àquela completa estranha que resolveu dedicar um pouco de seu tempo para ouvi-la.

_ Eu trabalho como doméstica.

_ Ora! Mas que maravilha, conheço um lugar que onde estão procurando uma pessoa para trabalhar nessa função, mas tem que ser com experiência. Você tem experiência?

_ Sim._ Respondeu Vera crendo que aquilo não daria em nada._ Dez anos.

Outras pessoas tinham formado uma pequena fila e aguardavam o coletivo que ainda não tinha aparecido.

A jovem alta sorriu, aparentando não acreditar na grande providência de encontrar uma pessoa para ocupar o cargo de empregada na casa de sua mãe.

_ Olha; a vaga é na casa da minha mãe_ ela disse _ a propósito, meu nome é Sônia Geovanesi.

Vera também achou que aquilo era realmente uma maravilha, afinal, as coisas não estavam perdidas, tinha andado o dia todo com um jornal debaixo do braço buscando uma oportunidade de trabalho, e quando estava desistindo, já completamente desanimada, aquela mulher chamada Sônia aparecera trazendo a tão sonhada oportunidade.

_ Onde é que sua mãe mora? _ perguntou Vera.

O ônibus encostou junto ao meio-fio no lugar pré-determinado para ele; na frente do coletivo estava a inscrição do lugar para aonde ele se dirigia e do trajeto que tomaria.

“Nova Iguaçu, rápido, via Avenida Brasil”. Era o que estava escrito na parte frontal do ônibus.

Sônia apontou para o ônibus e disse:

_ Minha mãe mora comigo em Nova Iguaçu.

Sônia deu o endereço completo; rua, número e o nome da mãe dela, que se chamava Lis Geovanesi. Vera Lúcia e Sônia tomaram o coletivo, sentaram no fundo, próximo da porta de saída e conversaram durante todo o trajeto entre a Praça Quinze e a rodoviária de Nova Iguaçu; pela primeira vez em dias Vera sentiu um pouco mais de alívio com relação a sua situação; Sônia era muito amistosa, falava bem e tranqüilamente, ouvia com muita atenção e até mesmo chegou a dar alguns bons conselhos.

_ Você devia voltar a estudar._ afirmou Sônia para a recém amiga logo que soube que Vera não tinha terminado os estudos.

_ Eu sei_ respondeu Vera_ mais nas casas que trabalhei nunca tive tempo para me dedicar aos estudos.

Sônia riu mais uma vez e disse:

_ Não se preocupe, minha mãe é uma pessoa muito justa e vai, sem dúvida, deixar que você tenha um tempo para voltar aos estudos.

A jovem sergipana ficou feliz com aquela afirmação; se tudo corresse como Sônia estava dizendo; finalmente ela poderia alcançar o sonho que nutria desde jovem. Estudar para ser advogada.

Elas continuaram conversando até que o ônibus chegou no destino; pareciam duas grandes e velhas amigas. Nunca Vera Lucia tinha sentido tamanha afinidade por alguém em toda a sua vida e imaginava que seria uma maravilha trabalhar na casa de sua nova conhecida e da mãe dela.

Finalmente elas estavam se despedindo e antes de cada uma tomar seu caminho Sônia disse:

_ Não se esqueça; esteja lá em casa oito horas da manhã; é a única coisa com a qual minha mãe se preocupa; a pontualidade. Eu também vou estar em casa esperando por você.

Vera concordou, elas se abraçaram e foram-se.

***

Na manhã seguinte, sete e meia, Vera chegou ao endereço, ansiosa por conhecer a mãe de Sônia e rever a nova amiga. A casa era razoavelmente grande, ao menos na aparência externa; muros altos e portões de alumínio. No alto, junto do portão estava a campainha que ela tocou e aguardou.

Momentos depois, uma senhora abriu a porta que distava de Vera cerca de cinco metros; era uma senhora robusta, com longos cabelos acinzentados presos em um único volume trançado; tinha o rosto vincado pelas marcas do tempo, mas era ainda uma pessoa muito bonita, tinha o semblante amigável. Aquela senhora veio caminhando até o portão e cumprimentou Vera educadamente.

_ Bom dia. Disse a senhora.

Vera devolveu a saudação polidamente e esperando que Sônia tivesse adiantado o motivo de sua visita disse:

_ Estou aqui por causa da vaga de emprego que a senhora possui, para empregada doméstica.

A dona da casa se iluminou rapidamente.

_ Que maravilha_ disse_ pode entrar.

A dona da casa abriu o portão e pediu que Vera entrasse; andaram até a entrada da sala e entraram na casa. Vera logo viu que o lugar era realmente grande, porém estava em perfeita harmonia de limpeza.

_ Sentes-se _ disse a dona da casa, e continuou_ Me chamo Lis Geovanesi. Aceita um café enquanto conversamos?

Vera sentou-se na poltrona enquanto respondia:

_ Eu sei. Aceito um gole, por favor.

Dona Lis foi até a cozinha e voltou trazendo uma garrafa térmica e duas xícaras.

Vera se apresentou devidamente:

_ Me chamo Vera Lucia._ Ela disse crendo que Sônia tinha dado todas as informações.

Enquanto servia o café, a senhora perguntou inocentemente:

_ Como você ficou sabendo da vaga; ela ficou uma semana sendo anunciada, mas faz dois dias que a tirei dos jornais?

Vera piscou algumas vezes, será que Sônia não tinha comentado com a mãe? Ou Lis havia esquecido?

_ A dona da casa já tinha servido e entregue a xícara para Vera que segurava enquanto a outra punha o café para si mesma.

Vera Disse:

_Oh! Sim, a vaga, foi a Sônia que disse. Sorriu alegremente enquanto falava e em seguida bebeu um gole do café.

Lis Geovanesi tremeu um pouco e chegou a derramar um pouco de café sobre a mesa.

_ Como disse? _Perguntou.

Vera bebeu mais um gole e repetiu:

_ Sua filha, Sônia, foi ela quem me disse sobre a vaga; encontrei com ela no centro da cidade ontem à tarde, ela pegou o mesmo ônibus que eu, conversamos bastante até chegar em nova Iguaçu. Foi ela quem me informou o endereço e o nome da senhora. Aliás, ela está?

A garrafa de café escapou das mãos de dona Lis e caiu sobre a mesa derramando todo o seu conteúdo por todas as partes, banhando até o tapete do chão. A dona da casa se levantou assustada e afastou-se de Vera com um olhar inquiridor e amedrontado.

_ Como disse?_ perguntou mais uma vez, porém com a voz embargada.

Vera se assustou também com aquilo, mas não tinha certeza do que havia feito para causar tanto espanto na dona da casa; cuidadosamente ela colocou a sua xícara sobre a mesa repleta do café derramado e perguntou:

_ O que a senhora tem? Está se sentindo bem?

Dona Lis respondeu com a voz embargada:

_ Quem você disse que lhe informou sobre a vaga?

_Ora, foi a Sônia.

A mãe se alterou um pouco mais dizendo:

_ Não é possível, Não! Não pode ser.

_ O quê?_ Perguntou Vera tentando entender o porquê daquela reação.

Finalmente Dona Lis conseguiu se controlar um pouco mais, mesmo ainda tremendo, de pé enquanto olhava para Vera; e disse:

_ Minha filha? Sônia morreu faz seis meses.

Agora foi Vera quem não sabia o que fazer; que tipo de brincadeira era essa?

_ A senhora não entendeu, Estou falando da sua filha Sônia_ disse Vera numa tentativa de fazer a outra voltar à realidade. Obviamente a mãe de Sônia estava de alguma forma perturbada. Como a filha poderia estar morta se haviam se falado por mais de uma hora no dia anterior.

Dona Lis balançava a cabeça negativamente.

_ Sônia Morreu, _disse a mãe, e citou o dia exato do acontecimento.

De modo abobado e sem acreditar na grande peça estranha que estava sendo pregada ali, Vera repetiu mais uma vez:

_ Sua Filha Sônia? Ela é alta, tem cabelos castanhos, longos e uma mancha grande no pescoço? Essa é sua filha?

Dona Lis Pôs a mãos na boca e desabou de uma só vez; chorou copiosamente afirmando com a cabeça; dizendo que sim, aquela era a descrição da filha falecida.

_ É ela _ disse a mãe_ é ela sim!

Vera perdeu o chão; era simplesmente impossível, ela tinha visto, falado e até mesmo abraçado Sônia um dia antes.

_ Falei com ela; ela me mandou aqui.

Ambas aquelas mulheres foram acometidas por um sentimento de estranheza sem igual, Vera se perguntava se aquilo fora de fato uma mensagem transmitida para ela, vinda do além, ou se tudo não passava de uma mórbida e infame brincadeira de forças caóticas e sobrenaturais.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 29/03/2010
Código do texto: T2165784
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