O SOL

O sol é muito bonito, porem tenho muita dificuldade de observá-lo, pois me machuca as vistas. Mas sei que ele é realmente lindo.

Lá fica ele, dependurado no céu. Deus deve ser muito poderoso mesmo, ficar segurando aquilo, tão quente. Deve ser realmente muito difícil segurá-lo.

Para mim, talvez seja ainda mais difícil observá-lo diretamente, pois vivo em um lugar escuro, mas pelo menos limpinho.

Estou preso a vinte e dois anos e os últimos sete, estou em uma solitária. Dizem que sou perigoso. Só porque sinto vontade de matar todos os presidiários e comer-lhes o cérebro! Poxa vida, eles deveriam me dar um prêmio, são todos marginais mesmo. Vai ver que não é só por isto. De vez em quando tento matar alguns guardas também. Mas é só de vez em quando. Normalmente, nos outros quatro dias da semana, eu foco somente nos presidiários.

A cada quinze dias, eles me deixam sair para um passeio de vinte minutos. Ai eles aproveitam para limpar o meu quartinho. Assim ele fica bem limpinho. A cada quarenta e cinco dias, vem uma moça e dá um brilho ainda melhor no meu cubículo.

Nestes passeios aproveito para olhar o sol. Porem não é sempre que dá. As vezes está nublado ou chovendo. Outras vezes os danados dos guardas, me levam a noite para o passeio. Entretanto, pelo menos umas cinco vezes ao ano, vejo o sol.

Minha pele mulata e meu cabelo crespo, me entregam como filho de estrangeiros holandeses. Parece que fica lá “nas Europa”. Pelo menos é o que me disseram.

Percebo claramente que esta é uma das invejas maiores que sentem de mim. Mesmo sem ter muito contato com o sol, minha pele mantem o brilho escuro típico dos holandeses estrangeiros. Sou sortudo por isto. É uma questão de genética.

Falta muito pouco para ser solto. Com vinte e dois anos presos, parece que daqui a oito anos, quando completar trinta, estarei solto.

Eles vão cuidar bem de mim. Ao invés de me soltarem direto, vão me internar em um hospital psiquiátrico de alta segurança. Eles não querem que algum estranho entre no hospital e me machuque. Eles querem garantir que minha saúde esteja garantida.

No fundo gosto bastante do tratamento recebido. Quase não me batem, e quando o fazem, eles afirmam ter um bom motivo. Nunca me bateram sem me dar um motivo. Às vezes o motivo parece banal, mas sempre me dão um motivo para me baterem. Me dão água duas vezes ao dia, de vez em quando até gelada e filtrada, e comida uma vez ao dia. Creio que seja para que eu não engorde muito. Eles pensam em tudo.

O meu quartinho não é muito bem iluminado, falta uma lâmpada. Na porta de aço, uma pequena janelinha por onde recebo água e comida. Na parede dos fundos, uma fresta estreita, por onde posso ver se é dia ou noite. A cor das paredes poderia ser mais alegre, porem aquele tom negro delas, me facilita dormir.

Durmo bastante. Tenho até medo de que quando voltar a liberdade vire um preguiçoso.

Não sei fazer muitas coisas, mas pelo menos brigo bem. Isso pode me ajudar a abrir alguma birosca.

Tenho um sonho. Aprender a ler e a escrever. Sinto muita inveja dos presidiários que conseguem assinar seus nomes, com sangue, nos pactos de morte, com suas gangues. Esta é uma das razões porque mato sozinho.

Às vezes aparecem alguns jornais por aqui. O último que vi, tinha uma foto com dois prédios altos caindo. Parece que era um ataque terrorista. Estes estrangeiros são bons mesmo. Eu aqui querendo bater ou matar alguns colegas, e eles acertando aviões em prédios.

É, mas é sacanagem, estes estrangeiros são muito mais inteligentes do que a gente. Eles, ainda pequenos, já sabem falar estrangeiro, eu velho, mal sei falar o brasileiro.

Eu tinha tudo para ser inteligente. Minha mãe já tinha quarenta e nove anos quando me teve, já sabia muitas coisas. Na prisão dela, era ela quem bolava os planos de fuga.

Meu pai! Meu pai é um pouco mais complicado.

Na cadeia, minha mãe que era muito esperta e dada, muito dada, a soluções brilhantes, fazia sexo com todos que podia, homens ou mulheres, e assim eu teria um pouco da inteligência deles todos, sem que nenhum soubesse ao certo quem era o meu pai. Minha mãe diz até hoje que eu sou filho de todos eles. Alguns, por isto, me chamam de filho da P... Já tive que matar uns trinta e dois por causa disto. As pessoas não alcançam a nobreza da mamãe colecionando inteligência para mim.

Acho, até hoje, esta estratégia de minha mãezinha para me dar uma vasta inteligência, algo surreal de tão esperto. Só não entendia direito o porque ela tinha que se sujar transando com outras mulheres. Ela fala que detestava, que nestas horas era rapidinho, assim tipo algumas horas apenas, de cada vez. A explicação dela me convenceu totalmente e me deu mais orgulho dela ainda. Era por mim. Era por mim que ela se dava as mulheres. Era parte também do plano de melhorar minha inteligência. Pois estas mulheres lhe apresentariam outros homens, e assim ela colecionaria mais inteligência para mim.

Ela era uma holandesa legítima. Ela me afirmou isto várias vezes. Nasceu lá no estrangeiro, e veio para aqui muito cedo. A vida na Holanda era muito pobre, e ela então fugiu para o Brasil que era bem mais rico. Sua pele negra, marcava mais ainda sua origem, do que minha pele mulata escura.

Ela sempre me afirmou que os homens que me geraram, eram todos eles europeus estrangeiros. Holandeses negros, Alemães mulatos, Nórdicos mamelucos, Escoceses baixinhos, todos naturais de seus países. Tinha até um que era da Bielorrússia, que foi o que deus mais trabalho para colecionar sua inteligência, pois que era tão macho que só andava com homens.

Assim, daqueles estrangeiros todos, eu tenho um pouco de cada inteligência.

Um dia eu reclamei para ela, que talvez estivesse me mentindo, porque eu não falava nada de estrangeiro, apesar de ela afirmar que eu tinha a inteligência deles todos.

Ela me respondeu de forma brilhante: Você deve comer muito cérebro para aprender estrangeiro.

Por isso até hoje eu tento matar e comer o cérebro deles. A polícia não entende minha razão, e invejosa de meu futuro inteligente, não permite.

Arlindo Tavares

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 10/06/2010
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