O DILEMA !

Na minha pequena cidade de Itajuípe, onde tudo era monótono e a mesmice predominava, a vida por si só já era um dilema.

Ai o cabra dizia: Não sei se caso ou se compro uma bicicleta!

Do lado esquerdo da minha rua, o lado esquerdo de uma rua é sempre o lado impar, existia uma família de malucos que morava num casarão com aspecto de abandono. Essa família era constituída de três irmãos. A mãe deles havia morrido e deixado de herança aquele casarão. Nenhum deles fazia nada; viviam não sei como. O irmão mais velho, Zé Leite, mesmo sem ocupação definida, e tendo como patrimônio uma velha bicicleta, resolveu casar-se. E não é que o danado conseguiu mesmo! Foi numa cidade vizinha, Uruçuca, cidade mal afamada, diziam que lá até o delegado era “florzinha” e voltou com uma mulher, uma moreninha até jeitosa!

Ocorre, que o homem é um ser eminentemente empreendedor, e vive inovando, e um empreendedor deve acreditar que o modelo atual pode ser melhorado, e o Zé Leite acreditou, e aquela frase popular ficou martelando na sua cabeça...

Casar ou comprar uma bicicleta! Casar ou comprar uma bicicleta!

Bem, ele pensou. A bicicleta eu já tenho. A mulher também! Agora é hora das mudanças, e é através das mudanças que se obtém experiências e estas, traduz-se em ciência, que por sua vez é utilizada para fins evolutivos.

Foi pensando e agindo dessa forma, que o tal sujeito se tornou um empreendedor. Foi até a cidade de Itabuna e entabulou negociações com uma bicicletaria, montando a primeira locadora de bicicletas da cidade - Rent a Bike.

Aquilo tudo foi uma grande novidade, nós os “molecotes”, fazíamos de tudo para arrumar uns trocados e alugar as bicicletas.

Naquela época, eu trabalhava na venda do Sr. Manuel e ficava com comichões para pegar alguns trocos para a noite alugar as bicicletas.

A minha turma era constituída de: Dominguinhos, Pé-de-revólver, Liu, Didi, Roque e eu.

O Zé Leite que estava levando o seu empreendimento muito a sério, alugava as bicicletas e quando os meninos passavam cinco minutos além do tempo, ele imediatamente pegava a sua bicicleta particular e ia atrás do moleque, e geralmente dava cascudos e fazia aquela gritaria danada.

O Diabo Loiro, como era conhecido o Dominguinhos, era o mais velho da turma e já introduzido nas coisas do “amor”, percebendo essa fraqueza do Zé Leite, ocupou o vácuo e passou a corromper a tal mulher, fazendo a cabeça dela no sentido de que ela também poderia ser uma investidora. Porque ele era um murrinha, um mão de vaca, nem um vestido novo lhe dava, era um fedorento que nem banho tomava, etc. etc. Só sei que o desgramado conseguiu fazer a cabeça da mulher e passou a vendê-la para nós.

No início, íamos ao grupo escolar Profª Leonina, mas, já no primeiro dia deu uma confusão medonha. O marido que havia saído atrás de um retardatário, não demorou muito a encontra-lo, e ao voltar para casa a sua princesa, que vivia trancada, simplesmente tinha desaparecido. Como éramos em cinco, a nossa “aula” no grupo escolar havia se prolongado um pouco, e ao retornarmos, o homem estava completamente azedo, não esperou a coitada nem entrar em casa e no meio da rua mesmo, já foi enchendo-a de porrada. Ficamos todos assombrados e deixamos de alugar bicicletas por umas duas semanas. Como o negócio dele enfraqueceu, ele amansou um pouco, depois ele não sabia ao certo o que estava acontecendo.

Foi ai que o Diabo Loiro colocou em pratica o plano “B”.

Sendo sabedor do sangue quente do Zé Leite, contratou o Zé meu irmão, o qual recebia uma pequena comissão da gente, para alugar uma bicicleta pelo período de meia hora. A tarefa do Zé era rodar pela praça da feira, pitangueiras para se mostrar, pois o Zé Leite quando ia atrás, saia perguntando por onde havia passado o seu “cliente”, e depois, rumar direto para a Vila Malva. A Vila Malva era uma localidade bem distante da cidade, até achar o Zé, demoraria umas duas horas, tempo suficiente para que pudéssemos “amar” a sua jovem e empreendedora esposa. Cada um de nós pagava para ela, cinco “dinheiros” da época. Era um bom negócio, o prazer é que era diferente, com o mesmo valor dava para alugar uma bicicleta por duas horas.

Tudo aquilo era uma grande novidade, pois naquela cidadezinha não existia nada nem o que se fazer. Imaginem que a paquera se dava na praça da prefeitura, que chamávamos de “jardim”. Ficávamos iguais bobos, dando voltas no jardim, com as mãos nos bolsos, para passarmos pelas meninas que circulavam em sentido contrário, e quando uma delas nos olhava, nossa, era um grande feito.

Uma pessoa empreendedora precisa ter características diferenciadas como originalidade, ter flexíbilidade e facilidade nas negociações, tolerar erros, ter iniciativa, ser otimista, ter auto-confiança e ter intuição e ser visionário para negócios futuros, e o Zé Leite demonstrou possuir essas qualidades, facilitando para nós a sua mulherzinha e assim, resolveu o grande dilema. “Casar ou comprar uma bicicleta”.

Um empreendedor deve acreditar que o modelo atual pode ser melhorado. Ele compreende que não será nada fácil traduzir esta frase em resultados e por isso, é a primeira pessoa a aceitar o desafio de mudar, e o Zé Leite mudou, pois tinha consciência que um empreendedor é um administrador, necessita ter conhecimentos administrativos, ter uma política para a empresa, ter diligência, prudência e comprometimento. Passou então, a investir pesadamente na parte mais rendosa da empresa.

A sua mulherzinha que vivia trancafiada, agora estava solta e desfilava belos vestidos de chita vermelha, maquiada com ruge e creon para realçar as sobrancelhas e fazer a “pintinha” no rosto, e seus belos e carnudos lábios de mel, ostentavam um vermelho brilhante com cheiro de urucum.

O homem mudou! Agora era realmente um empreendedor. Tomava banho, de vez em quando trocava de roupas, às vezes até arriscava ir à praça da feira com a sua preciosa mercadoria, que agarrada no seu braço, desfilava rebolativa, sorrindo para todos e jogando a cabeça para trás.

E todas as noites, ele alugava bicicletas para os moleques mais caloteiros e depois saia atrás deles e demoraaaava! Um dos quartos da sua mansão foi transformado no castelo dos nossos sonhos, e aquilo era real, não era ilusão não! Ela existia. Era mesmo de carne e osso, e tinha até cheiro. Era um cheiro assim! Tipo, índios dos Afoxés!

Esses empreendedores são maravilhosos!

Eles adoram uma mudança.

Eles seguem adiante exaurindo possibilidades e visionando o por vir.

Tudo isso, realmente foi um grande empreendedorismo, pois, naquela época se me perguntassem o que eu preferiria, de imediato a minha resposta seria: uma bicicleta. Mas graças à visão do Senhor José Leite, tomei gosto pelo setor de RH da sua empresa e hoje sou um homem feliz, e, acredito, sabedor das coisas!

Arre! Que história linda de um projeto de homem.