Uma vida, um pito e um cavalo

Há dias o velho Gaudêncio estava deitado, já não tinha-se esperança que levantasse, pois pesavam os seus noventa e oito anos, acompanhados do frio dos pampas, de seu inseparável cigarro de palha e da cachaça feita ali mesmo em Bagé. Faziam o que estava ao alcance para diminuir a dor e tornar menos penosos os poucos dias que sobravam a Gaudêncio, que há alguns dias vinha tendo visões e já não dispunha de muita razão. Tinha sonhos e acordava assustado, mas nunca triste, parecia sempre alerta e pronto pra uma campereada.

Gaudêncio nasceu e passou toda sua vida em Bagé, criava gado e ovelhas, nunca teve conforto, porém, viveu no sossego dos campos e teve sempre por companhia os quero-queros e seu cavalo, indispensável na lida do campo. Teve seis filhos, todos vivos, fato que o orgulhava sobremaneira, e sempre fazia questão de lembrar disso quando falava de sua família.

Há alguns anos começou sentir o cansaço dos anos e da vida dura que levou. - Seus pulmões estão comprometidos.- diziam os médicos- o que ele refutava com mais uma pitada no palheiro e um riso largo. - Não me preocupo com a morte, vivi demais e é hora de apear do cavalo. - Disse Gaudêncio quando ouviu o diagnóstico de sua doença, que não entendeu muito, e nem lhe interessava entender, só sabia que lhe restavam poucos dias.

Uma semana depois de internado seu neto Jorge, alertado da situação de seu avô, foi visitá-lo . Era o neto favorito, não fazia questão de esconder, já que eram muito parecidos, tanto fisicamente quanto no temperamento.

Chegando no quarto, Jorge vê o rosto magro do velho, encoberto pela barba, já toda branca. O rosto estava magro, e os olhos profundos, demonstrando o cansaço da doença. Ao sentar de jorge na cama, Gaudêncio acorda de sobressalto, e, com os olhos assustados fita o neto e diz.

- Cheguei de uma campereada agora mesmo, meu neto. O patrão mandou levar o gado até o outro pasto, mas me fugiram algumas rêzes e foram pro rio. Peguei o cavalo e me fui atras dos bichos a galope, mas já tinham atravessado o rio. O baio quase que não consegue me levar no lombo pro outro lado, mas não me entreguei, afinal nunca deixei o patrão na mão, esporeei o bicho e atravessei, peguei o gado e trouxe de volta.

- Esse é meu vô – disse Jorge exaltando o feito do velho e mal contendo uma lágrima ao ver a expressão de triunfo no rosto do avô pela campereada feita em sonho.

- Acho que vou dar uma cochilada, amanhã o patrão disse que vamos a Dom Pedrito e tenho que estar descansado. Dizendo isso Gaudêncio adormeceu na sua ilusão de cavalgadas, bois e pastos de Bagé.

Antonio Gonzales
Enviado por Antonio Gonzales em 25/07/2010
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