Reminiscências 17

Transporte de Leite

Você já foi “transportado” em um jacá ou um balaio? Não? Mas eu já...

Bem, primeiramente acho que aqui cabe uma explicação para aqueles que não são meus contemporâneos: Jacá é um grande cesto feito de taquara (ou vime) para transporte de cargas sobre lombos de animais. O Balaio também era (e ainda é) fabricado pelas mesmas matérias prima, porém menores.

Uma das fontes de sustentação de nossa família era a venda de leite para um laticínio da região. Não era muito, mas ajudava.

Pois bem, só que o transporte de leite era feito no lombo de burros ou mulas (no nosso caso na nossa mula Viadora) até um ponto onde todos os pequenos fazendeiros deixavam o leite para que fosse completada a viagem em um enorme carro de boi, até o seu destino.

Este local, um vilarejo conhecido por Barreirinho, era distante.

Toda manhã, após a ordenha, meu irmão Cláudio, também conhecido pelo apelido de “bodoque” (que ele não leia isso), preparava nossa mula (cangalha e jacá) e era incumbido deste transporte. Só que sempre levava um de nós (irmãos menores) com ele nesta “viagem”. Quando eu era o escolhido, ficava mais feliz que pintinho na bosta.

Por duas razões, o leite era transportado no Jacá, primeiro porque a quantidade de leite não era muita (apenas um latão) e ia dentro de um dos jacás, e eu dentro do outro pra “contrabalancear a carga”; e segundo porque na volta trazíamos capim gordura para ajudar no trato dos animais.

Tudo pronto: Latão de um lado, eu do outro e meu irmão na garupa, iniciávamos nossa aventura.

Descíamos o morro, ganhávamos a porteira e saíamos por uma estradinha (antiga linha de trem) e lá íamos nós.

Que coisa maravilhosa! Encontrávamos com alguns trabalhadores conhecidos e parentes, que achavam muita graça naquela cena.

Mas quem se importava? Éramos felizes. Ah, se éramos...

Ao chegarmos, o Sr. Mário (dono do carro de boi) geralmente já estava nos esperando. Trocávamos o latão cheio por um vazio, e enquanto meu irmão conversava com as outras pessoas, eu admirava os bois e aquele meio de transporte rústico e ficava impressionado.

O dia que chegávamos mais cedo, eu caminhava um pouco além do ponto, só pra subir no carro de boi e andar um pouquinho. Aquilo sim era a glória.

Hora de voltar. Despedíamos de todos e agora, latão e eu de um lado e meu irmão do outro (pra contrabalancear, lembram?), as vezes até uma pedra era necessário.

No caminho parávamos para cortar capim e eventualmente alguns cachos de bananas e era chegada a hora da caminhada. Vínhamos conversando, atirando pedras e admirando tudo aquilo que estava a nossa volta.

Muito se questiona se felicidade existe. Bom, eu sou prova viva de que sim, e ela pode ser encontrada nas pequeninas coisas que não percebemos.

Tenho saudades, mas não é maior que a satisfação de saber que tivemos o privilégio de poder vivenciar tudo aquilo. Maior ainda o privilégio de poder deixar este testemunho.