Eu, Anne e Andy - O conto de uma vida

Foi há muito tempo que tudo aconteceu, e hoje quase no fim dos meus dias, relato minha história para que eu vá, mas deixe ao mundo um pedacinho de minha vida que aos poucos se acaba.

Não me recordo muito bem de datas ao certo, mas os detalhes importantes eu jamais poderia esquecer.

Não sei se tudo começou até mesmo antes que eu pudesse nascer, se foi pré-destinado ou se simplesmente era meu destino, mas em tese tudo começou há 60 anos atrás.

Eu nasci em uma pequena cidade chamada Fênix, morava em uma pequena casa com meus pais, éramos uma família tradicional, a vida dos meus pais se baseavam em trabalhar e investir nos estudos, passamos por momentos de dificuldades, mas estávamos sempre juntos, unidos sempre dando forças uns aos outros e apesar dos pesares éramos uma família muito feliz.

Eu, meu pai, minha mãe e quando completei três anos recebi um belo presente, minha irmã Anne nasceu para fazer parte dessa família e se tornar minha irmã do meio, pois após mais três anos Andy se tornara a caçula.

Crescemos muito unidas dividíamos tudo, nos protegíamos de tudo, sempre que uma precisava da outra era só olhar ao lado, éramos inseparáveis. E eu como irmã mais velha as tinha como minhas pequenas, estive diversas vezes a frente de seus problemas, queria defende-las de tudo e muitas vezes eu esquecia que o mundo não seria assim com elas, e que eu não poderia estar ao lado delas pra sempre privando-as de viver, eu não poderia viver por elas.

Fui a irmã mais velha, a caixinha de segredos de cada uma, ouvi sobre o primeiro amor, o primeiro beijo, a primeira nota vermelha, aquela que limpava a barra quando elas aprontavam alguma, e meus pais se orgulhavam muito dessa nossa união, que na verdade foi graças a educação que eles sempre nos deram.

Nossa vida era pra mim maravilhosa. Sim, ela “era”! Conto-lhes o por que um dia pensei que deixara de ser.

Quando eu tinha 23 anos tive a idéia de fazermos uma viajem sair um pouco, ir a novos lugares respirar novos ares, meus pais a princípio não acharam uma boa idéia, mas eram as férias de verão queríamos curtir antes que elas pudessem voltar às aulas, pois eu já me formara em medicina a algum tempo e naquela época já exercia minha profissão, Anne tinha 20 e Andy 17 anos, e após insistirmos pela conscientização deles, nossos pais deixaram confiando a mim a responsabilidade de cuidar de minhas irmãs, pois já não tinha mais esse espírito aventureiro, preferiram ficar.

Enfim, peguei meu carro para nos aventurarmos pela estrada a fora em direção a uma praia um pouco longe. Chegamos bem, nos hospedamos em um hotel da região, e vivemos grandes dias, pude proporcionar a elas exatamente uma semana de aventuras, conhecemos praias desertas, acampamos, fizemos um Lual, comemos maravilhas, era realmente uma cidade incrível. Éramos três irmãs vivendo sem preocupações, em uma cidade diferente, fizemos algumas amizades e nos apaixonamos por uma semana. Foi lá que conheci o Felipe e pudermos ter uma grande história que se estendeu após aquelas duas semanas.

Ao sétimo dia, nos despedimos de todos, fizemos nossas malas e avisamos nossos pais que estávamos voltando conforme o combinado, as féria valeram a pena apenas por causa daquela semana, pelo menos era o que pensávamos!

Já era de noite quando peguei meu carro para retornarmos, e foi nesse dia que minha vida mudou completamente! Já estávamos no meio do caminho, conversando sobre aquela semana maravilhosa e minhas irmãs me agradecendo por eu tê-las levado, a felicidade delas era nítida nos inúmeros sorrisos que ganhei aquele dia, ou melhor, até aquele momento.

Eu estava dirigindo quando avistei um carro tentando ultrapassar outro, assim estava vindo em nossa direção, foi tudo tão rápido ao passar por aquela curva, minha reação foi apenas a de desviar, pois na velocidade em que ele estava não conseguiria ultrapassar o outro carro a tempo, e em minha tentativa de desvio entrei direto em um poste, após isso tudo simplesmente apagou.

Acordei após uma semana em uma cama de hospital, já em Fênix, com minha mãe rezando ao meu lado, ao abrir os olhos toda a cena do acidente veio em minha cabeça, minha mãe chorou emocionada ao me ver acordar e rapidamente chamou os médicos que vieram ao seu chamado, não tive tempo de dizer nada ainda estava digerindo os acontecimentos, pois acabará de acordar após uma semana, me sentia fraca fisicamente, os médicos logo saíram e eu pude ficar sozinha com minha mãe que ainda chorava e as únicas palavras que consegui falar se resumiram em perguntar onde estavam minhas irmãs, minha mãe olhou-me fundo respirou e disse-me com calma: “não se preocupe, elas estão em um lugar melhor agora”. Eu tentei me enganar pensando que poderiam estar em um hospital melhor, em casa ou em qualquer outro lugar, mas eu entendi exatamente o que ela quis dizer com aquelas palavras que de certa forma tentaram amenizar o impacto da notícia de que Anne e Andy haviam morrido, não sei descrever meu sentimento naquela hora, busquei dizer algumas palavras, mas todas voltaram e silenciaram em meu coração, simplesmente as demonstrei em lágrimas que começaram a descer suavemente pelo meu rosto e uma dor profunda em meu coração a ponto de nem o sentir bater mais, eu não conseguia acreditar no que acontecera.

Voltei para casa após alguns dias, e em meu corpo não havia nenhuma marca daquele acidente apenas uma cicatriz na perna direita e uma incurável em meu coração, fiquei em êxtase durante um tempo, era um indício de estar afogando minha vida que já não fazia nenhum sentido em uma profunda depressão, onde eu só conseguia me fazer perguntas. Porque tudo aconteceu? O que foi que eu fiz? Por que com elas e não comigo então?

Mas eu não encontrava respostas, só me culpava pela idéia de ter levado elas á aquela viagem, e ter destruído a vida dos meus pais por isso, eles tentavam ser fortes, para que eu não me culpasse mais ainda, mas os fiz sofrer muito, justo eles que me deram tudo e eu tirei deles os bens mais preciosos, que também eram meus bens mais preciosos. “Minhas pequenas” tinham tanto a viver ainda e eu as privei disso num momento por protegê-las do mundo, e agora por ter, ter tirado elas dele.

Torturei-me com palavras ferinas durante muito tempo, não encontrava mais sentido em minha vida, na verdade nada mais fazia sentido, elas não estavam mais comigo e sendo essa a realidade por mais dura que seja, eu precisava aceitar e continuar a viver, só não sabia como! Encontrei em minha gaveta quando estava revirando o passado um texto de Anne e Andy, aquelas duas gostavam muito de escrever, comecei a ler algumas coisas e uma em especial me chamou a atenção pelo seu título: “quando não estivermos aqui” comecei a ler e dizia mais ou menos assim:

“Um dia não estaremos mais aqui, a vida é só um estado de passagem, não podemos ficar pra sempre, nos tornaremos lembranças. Se poderá nos ver? É claro! Estaremos no céu como estrelas, para te iluminar. Se poderá nos ouvir? Sim! Seremos o canto dos pássaros a te desejar bom dia. Se poderá nos sentir? Sim! A cada brisa que roçar sua face seremos nós lembrando-te de que não está sozinha. Se poderá falar conosco? Diga, nós estamos ouvindo. Quando não estivermos aqui, lembre-se de que você está, que existem pessoas que precisam de você, e que se estivéssemos ai iríamos querer o melhor pra você, iríamos querer que vivesse”.

Refleti por todo o dia sobre aquelas palavras, e decidi que seria o ultimo onde eu sentiria pena de mim mesma, aquele dia foi o ultimo dia em que eu tive medo de viver novamente. Tive a certeza de que algo seria maior do que ter medo tive coragem de levantar a cabeça e continuar, pois sei que não estava sozinha.

No dia seguinte tornei tudo diferente, fui o suporte dos meus pais para que assim como eu eles pudessem continuar, voltei ao trabalho e me libertei daquele sentimento de culpa, eu era médica tinha a chance de poder salvar vidas, quando na verdade a vida que eu estava salvando era a minha, me dediquei a isso dar esperança a aqueles que assim como eu a perderam um dia, consegui recomeçar.

Se lembram do Felipe que mencionei na semana de férias de verão? Bem, voltamos a nos falar, ele esteve ao meu lado todo o tempo mesmo com a distância sempre me reconfortara com suas palavras, mas eu não estava aberta a ouvi-las antes, pois dessa vez ele vinha com a notícia de que trabalharia em Fênix, fiquei muito feliz, pudemos dar continuidade ao que havíamos começado o que acabou durando minha vida inteira.

Meus pais se aposentaram, puderam viver tranquilamente, tudo o que havia acontecido não os afligia mais, eles nunca me culparam pelo que aconteceu, muito pelo contrário sempre disseram que a culpa não era minha eu sempre cuidei delas e se aconteceu, foi porque deveria ter acontecido, está além de nossa compreensão. Continuaram a morar na mesma casa até o fim de seus dias.

Bem e eu, tive fé de que existe algo bem maior do que podemos ver, na existência das pessoas, o tempo em que elas viveram não foi em vão, ninguém vive em vão, e todos nós precisamos ir um dia, o que realmente importa é o podemos fazer no tempo em que estamos aqui, a vida é muito breve e não sabemos quando nossa existência irá acabar, por isso é preciso aproveitar cada momento, cada instante ao lado de quem amamos, e poder deixar ao mundo um pouco da experiência que tivemos, assim como eu, que lhes deixo essa carta relatando um pouco da minha experiência de ter vivido, agora simplesmente espero poder ir, pois completei meus dias de vida como deveria ter completado, simplesmente saiba completar os seus, Deus coloca muitas maravilhas em sua vida, saiba aproveita-las e simplesmente viva, sem medo de ser feliz.

Fabrine
Enviado por Fabrine em 08/08/2010
Código do texto: T2426726