Décio pescador, contador de causos e outras mentiras

Décio era uma figura lendária. Sua chegada era fácil de se prever: um, dois, três... onze cachorros! E lá vinha ele, empurrando seu carrinho de mão, cachimbo balançando entre os lábios, quase sempre apagado. Por onde passava era uma alegria só. Suas histórias eram ouvidas e reouvidas à exaustão. O curioso era que o causo, mesmo que não fosse inédito - e geralmente não era - ia recebendo elementos novos a cada interpretação. Morava na bucólica cidade interiorana de Tomazina. Na juventude fora mergulhador, ajudava no resgate de afogados no Rio Cinzas. O peso dos anos e a nicotina tiraram-lhe o fôlego para o mergulho. Com o passar do tempo, suas caçadas, pescarias e outras aventuras, reais ou fruto do seu imaginário, foram ficando para trás. Só restaram os relatos. Ah, os relatos... Décio tecia verdadeiras pérolas, as quais recheava de exageros absurdos e criativos, que primavam pela originalidade.

Numa delas, contava, em tom sério - "eu jamais contei uma mentira", moço - sobre uma pescaria no Cinzas. Ancorou seu bote perto da corredeira de baixo, ligou seu radinho de pilha e jogou seu sondar (linha de mão), à espera dos mandis. A água estava correntosa, e vez em quando precisa dar umas remadinhas para deixar o bote na direção do cardume, como costumava ensinar. Numa dessas manobras, fisgou um peixe. O pequeno barco retorceu, e sua linha atingiu o rádio, que foi às águas. Lamentando pela perda do aparelho, consolava-se pelo tamanho do peixe. Segundo ele, poucos tinham pescado um mandi tão grande naquele rio.

Sua história poderia ter acabado aqui. Porém, Décio contava que depois da piracema do ano seguinte, foi pescar no mesmo local. Nada. De peixe nem um lambarizinho "caga-sebo". Só os timborês que vinham lhe roubar a isca. De repente, sentiu que o sondar tinha fisgado algo. Percebeu que aquela música que ouvia ao longe, havia algum tempo, sem saber de onde vinha, ia se avolumando. Foi puxando a linha e o som aumentando. Quando retirou o anzol da água, qual não foi sua surpresa ao perceber que havia pescado seu estimado radinho de pilha.

Décio hoje mora no céu. Mas suas histórias estão vivas nas ruas da pequena cidade onde morava e que ajudou a construir.

Debrito
Enviado por Debrito em 23/08/2010
Reeditado em 23/08/2010
Código do texto: T2455484
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