A Glória

Sorviam, os dois, deliciosamente, uma cerveja gelada em copos torneados e um camarãozinho pego com palitos. Conversavam. Mérian tomava conta da conversa, gesticulava. Todos, sem exceção, principalmente os brutamontes do sexo masculino que estavam no bar do Tadeu olhavam-no com uma inveja cruel. Peterson esnobava. Sua vergonha inicial havia passado, não totalmente, lógico, mas diminuíra de forma razoável. Passara agora a deliciar-se nos olhos de Mérian, no fundo, banhando-se em um mar azul anil, olhando fixo neles, nos dois belos exemplares. Aqueles olhos! E aquelas panturrilhas e aquela barriga. Mundo justo, este nosso. Tudo o que um homem realmente necessita. Viveu uma vida, ainda precoce, buscando aquele momento. Todos os anos foram vividos em busca daquilo, de uma noite como aquela. Tinha um talão de cheques, e um talão de cheques lhe dava vida.

Num dado instante, não sabia bem ao certo quanto, se poucos minutos ou muitas horas, perdera totalmente a noção do tempo, com uma voz mansa e delicada, pura, excitante, Mérian disparou:

- Preciso te contar um segredo. – O coração de Peterson novamente disparou. 250 batimentos por minuto. Agora sim, o infarto agudo do miocárdio. Começaria com uma dor forte no peito, falta de ar, amortecimento do braço esquerdo e pimba. Partiria dessa para uma melhor. Não, não melhor do que estava. Pô, estava com Mérian, e no céu não devem existir muitas Mérians. Morreria por uma boa causa. Céus. Um segredo? Revele-me o que quiser, diga que você é a culpada pelo 11 de setembro, que já foi detenta no Presídio Central, que foi abusada por trinta homens e gostou. Diga que tem frieiras, chulé, mau hálito, pêlos onde não devem crescer pêlos. Mesmo assim, mesmo com todos os defeitos do mundo, ainda seria eternamente apaixonado por ela, respiraria por ela, trabalharia a vida inteira para ela, seria seu escravo, só por ela, só por ela.

Foi então que bradou:

- Estou sem calcinha! – óóóó. Seu coração agora fora a 300 batimentos, faltou seu ar, sua barriga ficou comprimida, suas pernas amoleceram, junto com seus braços, e uma tontura lhe deixou ainda mais confuso. Soltou um grunhido, sem querer, um ronco esquisito da boca. Meu Deus. Com aquele vestidinho preto, curto, colado ao corpo e sem calcinha. Era a redenção, era a glória. Homens gostam de mulheres sem calcinha, ficam ainda mais excitantes, mais ternas, mais práticas. Deveria dizer que também estava sem cueca? Não! Lógico que não. Soaria como um porco. Mulheres podem ficar sem calcinha, homens nunca sem cueca. Homens só ficam sem cueca ao dormir, mesmo no frio. Lhe deu uma aflição, um medo. Precisava falar algo, ela lhe olhava com seus olhos azuis, provocativa, maldosa. Mulheres são pecaminosas, nos levam ao extremo pecado. Suou, gaguejou, tremeu. Pegou mais um camarãozinho com a mão trêmula, bebeu mais um gole da cerveja gelada e avançou, como um tigre faminto sobre a presa, como um Minotauro. Beijou a boca de Merian, acompanhado por uma ereção descontrolada. Um beijo macio, saboroso. Sua língua tocou os cantos mais escondidos da cavidade oral da loira, os caninos, os molares, os pré-molares e o céu da boca. Tudo.

- Vamos sair daqui. Precisamos de um lugar mais calmo. As pessoas estão nos olhando. – Ponderou Mérian. Ela, de novo ela, tomara a iniciativa. Que mulher! Mais uma vez fora um coitado, submisso, um mandado. Se bem que gostaria de ser a vida toda mandado por Mérian.

- Vamos. – Respondeu Peterson.

Chamou o baixinho, pediu a conta. 47 reais, agora sim, estava de vez falido. 47 por uma porção de camarão e duas cervejas? Um roubo. Tudo isso é culpa dos impostos. Até para tomar uma cerveja com uma loira de vestido preto sem calcinha e panturrilhas torneadas pagamos impostos. Uma roubalheira. Mas não era hora de discussões.

- Deixa que eu pago. – Ela falou.

Apesar da intensa vontade de deixá-la sacar uma nota de 50 e dar para o baixinho, deixando-lhe com o troco, ponderou:

- Não! De forma alguma. Nenhuma mulher no mundo que sai comigo para a conta. – Bela sacada essa. Sentiu um ar de superioridade, sacou o talão de cheques, preencheu, assinou, uma rubrica cheia de riscos e com pontos no final, pareceu importante. Era importante. O repórter Peterson, do Diário. O repórter Peterson e sua amada.

Saíram sem se despedir de ninguém, nem mesmo do seu amigo JP, que a essa altura já devia estar se refrescando aos braços da morena. Partiram, de mãos dadas. Peterson de peito estufado, sólido, um macho alfa na conquista da presa, um Sansão.

Entraram no Stilo prata de vidros negros, ela no volante, na boléia, ele beijando sua orelhinha e seu pescocinho e sentindo o aroma de uma violeta. O pescoço é o ponto fraco das mulheres, ouvira uma vez. E agora podia, como nunca, se deliciar de um belo pescoço. Peterson não sabia dirigir, precisava ainda tirar carteira. Foram, sem nem ele perguntar para onde. Ela comandava tudo. Ele apenas lhe arrancava suspiros intensos. Passou as mãos em suas pernas lisas, bronzeadas. Deveria subir ainda mais? Não. Resolver ir com cautela, com cancha, com toda a compostura.

Quando abriu os olhos o carro parou e viu onde estavam, pasmou.