UM CAPIAU MUITO DESAJEITADO

Até uns 30 ou 40 anos atrás, os rapazes e moças eram muito tímidos, mormente aqueles que viviam no meio rural. Contam as pessoas mais idosas que os fatos a seguir narrados aconteceram efetivamente como decorrência da extrema timidez de um rapaz que, para conveniência desta narrativa, vamos chamar de Mané.

Mané morava na zona rural de Turmalina e namorava com Mariazinha. Depois de um ano de namoro, combinou com Mariazinha um dia para pedido de sua mão aos pais. Seria num domingo, quando iria almoçar na casa da moça e teria que reunir toda a coragem do mundo para pedi-la em casamento.

Finalmente, chegou o domingo combinado. O rapaz montou em seu cavalo e tocou para a fazenda da família de Mariazinha. Ali, muitos parentes da moça estavam reunidos para o almoço e a solenidade de noivado. As primas de Mariazinha, algumas ainda em idade de menina-moça, como se dizia, a olhavam invejosas de sua ventura que se já se avizinhava.

Mané conversava com o futuro sogro e a parentada na sala de visitas, muito avexado como sempre. Então, chamaram para o almoço que, às nove horas da manhã, segundo o costume da época, já estava servido à mesa. Pouco a pouco e meio cerimoniosos, todos foram passando à sala de jantar. Após o dono da casa ter se servido com o primeiro prato, as pessoas foram metendo a colher e se empanturrando com a comida que, diga-se de passagem, fora preparada com o esmero e o capricho que o ensejo exigia.

Mané, impelido pela fome e pela pinguinha que tomou como aperitivo, deixou a timidez de lado e se serviu com um big prato. Todos conversavam muito animados, inclusive de boca cheia, havendo mesmo quem cometia a indelicadeza de soltar estrondosos arrotos... Mané já estava na metade do segundo prato, comendo um enorme osso de suã. Para saborear melhor o tutano alojado no buraco do osso, enfiou-lhe o dedo, sem cerimônia. Não é que seu dedo ficou entalado no osso! Por mais que pelejasse, não conseguiu desalojar o dedo do raio do osso! Envergonhado e, antes que alguém percebesse a sua enrascada, dependurou o dedo com o osso ao lado da cadeira e continuou comendo com o uso apenas da mão direita.

De fato, para sua felicidade, ninguém percebeu a maçada em que se metera, menos um dos muitos cachorros que rondavam a mesa à cata de ossos que as pessoas ingenuamente lhes atiravam. Ao perceber aquele osso ainda carnoso dependurado, o cão fez valer seu instinto e o abocanhou juntamente com a mão de Mané. Desesperado pela dor que a presa do cão causou em sua mão, o rapaz levantou-se apressadamente e, nesse lance, sua espora enrolou-se na toalha da mesa, puxando-a e fazendo vir ao solo panelas, pratos, talheres e tudo mais que sobre ela se encontrava. Como o cão não soltasse sua dolorida mão, Mané saiu em disparada para o quintal, levando consigo o cão e, na espora, a toalha da mesa. Apavorado e coberto de vergonha, tentou fugir, montando em seu cavalo. Como se esqueceu de desamarrar o cavalo e o esporava freneticamente, este saiu em disparada, arrancando o mourão de cerca ao qual estava preso. E lá se foi Mané, levando consigo o cachorro, a toalha da mesa, uma panela enfiada na cabeça e o mourão da cerca que acabou por enforcar o cavalo.

De tão envergonhado por tanta lambança feita num só dia, Mané nunca mais voltou à casa de Mariazinha, pondo fim a um noivado que sequer chegou a se concretizar...