Anabela

Havia um jardim perto de onde eu morava. A dona era uma velha chata, ranzinza. Ela cuidava do jardim todos os dias, regando e conversando com as plantas. Ali havia diversos tipos de flores, algumas eu jamais tinha visto em outros locais. E do jeito que sua dona era, se me visse pegando uma flor que fosse, acho que me matava. E eu roubava flores todos os dias. Uma só.

Anabela era uma mulher alta, cabelos pretos compridos, a bunda protuberante e extremamente convidativa. Uma mulher perfeita. Poderia ela se chamar Anabela, Analinda, Anagostosa, Anaperfumada... qualquer adjetivo somado ao nome “Ana” com certeza, resultaria nela. E fora por ela, pela Ana, a Bela, que podia ser tudo e todas, que eu me apaixonei perdidamente.

Da janela do meu quarto eu podia ver Ana saindo todos os dias para ir para a faculdade. Seus cabelos iam secos e soltos, dançando à mercê do vento. Eu encostava minhas mãos em meu queixo, o cotovelo na janela, e assistia à aquela cena todos os dias. Às seis da manhã.

Mas enquanto Anabela era tudo, eu não era nada. Eu não poderia ser nem eu mesmo – era vergonha. Eu era alto, magro e desengonçado. Minha mandíbula era para frente, meus dentes entortavam e os óculos de grau dez me davam uma aparência extraterrestre e tosca.

Jamais poderia me aproximar de Ana, a Bela. Mas queria deixar registrada a minha paixão e admiração por ela. Alguém deveria estar vendo aquilo, ou alguma coisa deveria estar provocando aquilo, então eu demonstrava, mesmo que não fosse para ela, eu demonstrava tudo o que eu sentia.

Eu acordava todos os dias às quatro da manhã e ia até o jardim da velha. Lá eu roubava sempre uma flor. Qualquer flor, a primeira que eu visse, eu roubava. Mas era apenas uma. Se fossem mais, talvez chamassem a atenção de Anabela, e assim, minha musa poderia me reconhecer.

Então eu roubava uma flor só e colocava no portão de Ana, a Bela e às seis horas ela o atravessava distraída, ainda um pouco desacordada, ou talvez pensando no dia que seria longo. Anabela não reparava nada a sua volta, simplesmente caminhava com um passo solene em direção ao ponto de ônibus.

Durante três anos da minha vida acompanhei essa cena e jamais tive coragem de me aproximar dela. E em três anos de declarações, Ana, a Bela, a que poderia ser tudo, nunca notou que recebia flores todos os dias.

As flores do jardim da velha foram, aos poucos, morrendo e a velha perdeu o interesse por elas. E nem assim, fazendo isso tudo, minha amada sequer notou que eu já morri. E levei comigo todas as flores para o paraíso. Assim, eu posso ver Ana, a Bela, sempre que eu quiser. Bem aqui no paraíso. E seus cabelos secos e soltos ainda dançam a mercê do vento, enquanto ela caminha com um passo solene em direção ao ponto de ônibus.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 26/10/2010
Código do texto: T2579241
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.