Mestre Kataphlan & Eu - A fagulha

Um dia, no início de meu treinamento, eu estava me sentindo profundamente aborrecido com as técnicas de meditação que eu havia aprendido semanas atrás.

Mestre Kataphlan ensinou-me um mantra, que eu deveria repetir apenas mentalmente por 30 minutos diários, quinze minutos pela manhã, e quinze minutos durante a tarde. Não era uma tarefa realmente difícil, porém, para mim era um pouco enfadonho. Quando aceitei aprender com o Mestre, eu desejava conhecimento, eu queria que ele me ensinasse, me recomendasse livros, essas coisas que os mestres normais fazem, mas, ele preferiu me ensinar técnicas estranhas.

Lembro-me bem do dia em que ele me ensinou essa forma de meditação, ele a chama de meditação das fagulhas. Eu deveria fechar meus olhos, sentar, e deixar os pensamentos fluírem enquanto repetia um mantra. Simplesmente isso, observar a mente repetindo o mantra e pensando simultaneamente. Segundo ele, após algum tempo, esse processo poderia gerar “fagulhas” em minha mente.

Desde então eu ficava assim, repetindo o mantra, sem tentar controlar meus pensamentos nem minha respiração, esperando a tal da “fagulha”, após uma semana, sem nenhuma faisquinha, fui até o mestre e perguntei:

---- Mestre, O que você quis dizer com fagulha?

---- Ah sim, eu quis dizer centelha.

---- Centelha de luz?

---- Isso.

Hoje eu consigo entender a sabedoria nas palavras do mestre, mas, naquele momento isso só piorou as coisas para mim.

---- Mas o que eu devo esperar da meditação? Para que serve essa centelha? - Eu achei que agora eu teria uma resposta clara e específica, mas, ao invés de me responder, ele pediu emprestado meu isqueiro.

Observei ele brincando com meu isqueiro por alguns minutos, ele parecia uma criança, ele ficava dizendo “Veja essa faísca! É disto que eu estou falando!”.

Quando aceitei ser seu aprendiz, fiz um pacto de sinceridade, se eu não compreendesse uma lição, não iria passar para a próxima. Falei envergonhado que não estava entendendo e ele sorrindo amavelmente pediu para que eu o seguisse.

Ele parou em frente a uma porta de sua casa, por algum motivo iniciou um dos muitos diálogos inesquecíveis que tive com ele.

---- Você gosta de lugares bagunçados?

---- Não muito.

---- Atrás dessa porta, eu mantenho uma bela bagunça.

---- Hmmm... Interessante, mas.

---- Feche os olhos.

Eu fechei meus olhos, ele abriu a porta e me conduziu junto a ele para dentro do quarto.

---- Posso abrir os olhos?

---- Pode.

---- Mas está tudo escuro.

---- Fez alguma diferença abrir os olhos aqui?

---- Acho que não, esta tão escuro que tanto faz, de olhos abertos ou fechados eu não consigo enxergar nada.

---- La atrás, no fundo desta sala eu guardo uma garrafa de vinho fino. Eu adoraria poder bebê-la com você esta tarde. Será que você consegue encontrá-la?

---- Acho que sim, aqui tem alguma coisa que quebre?

---- Tem sim, muitas coisas que podem quebrar se você esbarrar nelas. Algumas podem até machucar você.

---- Então acho que eu não conseguiria. Não sem luz.

---- Perfeito. Feche os olhos outra vez, e aprenda a primeira lição sobre meditação.

Fechei os olhos, e ele riscou o meu isqueiro da mesma maneira que estava fazendo a momentos atrás, e me perguntou:

---- Você viu isso? Viu essa faísca?

---- Não mestre, de olhos fechado não pude ver a faísca.

---- Entende agora que mesmo na completa escuridão, estar de olhos abertos faz diferença?

---- Sim. De olhos abertos eu teria visto alguma coisa.

---- Abra os olhos. Meditar é isso. Abrir seus olhos no escuro. Muitas pessoas ao perceberem-se em completa escuridão, fecham seus olhos permanentemente e acham que não fará diferença.

---- E eles perdem as fagulhas quando elas aparecem?

---- Não só perdem, como nem mesmo acreditam que elas existem.

Meu mestre mandou procurar a garrafa de vinho.

Eu fui, no escuro. Eu caminhava vagarosamente e com muito receio, eu não imaginava que tipo de armadilhas cortantes eu poderia encontrar, no segundo passo, toquei levemente com o joelho um móvel baixo, parei, e comecei a apalpá-lo para decidir por qual lado eu iria contorná-lo. Neste momento meu mestre riscou novamente o isqueiro, e sim, desta vez eu estava de olhos abertos. A claridade da faísca iluminou a sala por uma fração de segundos, foi realmente muito rápido, mas eu pude, com apenas essa faísca perceber com exatidão qual era o melhor caminho a ser feito até a garrafa de vinho que eu procurava. Na verdade, pude reparar vários móveis, alguns baixos e alguns altos, assim como alguma coisas no chão. Encostada na parede, vi uma prateleira, com três garrafas de vinho.

Enquanto eu caminhava com um pouco mais de segurança agora que tinha visto a disposição dos obstáculos a minha frente, o mestre disse:

---- Agora você entendeu para que servem as fagulhas.

---- Sim, com certeza.

Cheguei na ultima prateleira, onde eu havia visto as garrafas, vagarosamente estendi minhas mãos e consegui apalpá-las, decorando mentalmente a localização de cada uma delas. O mestre havia pedido que eu buscasse apenas uma garrafa, então perguntei:

---- Qual das garrafas devo pegar?

---- A da safra de 1983 por favor.

---- Mas como eu vou saber disso?

---- Está escrito no rótulo.

Ao dizer isso, riscou mais uma vez o isqueiro. Pude perceber que duas garrafas estavam com os rótulos virados para a parede, e a do meio era de 1999. Creio que enquanto estava apalpando as garrafas, eu pudesse ter percebido que os rótulos estavam virados para a parede, mas, no momento não dei muita importância ao fato.

---- Encontrou a garrafa?

---- Não mestre, duas estavam com os rótulos virados para a parede, não pude vê-los mesmo com a faísca.

---- E agora pode?

Ele riscou novamente, mas desta vez eu havia preparado as garrafas e girado elas de maneira que eu pudesse ler caso outra faísca iluminasse o local.

---- As duas são de 1994!

---- Então escolha uma e volte para cá.

Pode parecer bobo, mas, foi difícil escolhê-la. Quando finalmente tirei a garrafa da estante, o mestre começou a falar:

---- No inicio você esta no escuro e, a cada vez que medita aprende a abrir os olhos. De vez em quando, de olhos abertos você pode ver uma faísca que lhe ajuda a tomar o caminho certo. - Ele riscou mais uma vez, e eu pude traçar meu caminho vagaroso para a volta. - Com a prática, as faíscas vão se tornando mais constantes, isso facilita muito o seu desenvolvimento. - Ele começou a riscar rapidamente o isqueiro seguidas vezes, de maneira que se tornou extremamente fácil encontrar o caminho até a porta. Quando cheguei ao lado dele, ele acendeu a luz da sala. - E finalmente, um dia, a luz será constante.

Com a luz acesa, pude ver em uma prateleira abaixo das garrafas onde eu estava procurando, uma quarta garrafa.

---- Aquela era a garrafa que você estava procurando.

---- Posso pegá-la agora mestre?

---- Pode.

Eu voltei rápido pelo labirinto de móveis bagunçados, troquei as garrafas, e em alguns segundos estava novamente com meu mestre.

---- Então mestre? É para isso que serve a meditação.

---- Sim. - Ele me respondeu – Quanto mais luz em uma sala, mas fácil é de se passar por ela.

Naquela noite tomamos um ótimo vinho e em minha mente muitas fagulhas iluminaram ambientes que até então só eram visitados de olhos fechados...

=NuNuNO==

( Precisando de mais tempo dedicado a meditação...)

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 28/10/2010
Código do texto: T2582691
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