Existem pessoas que cruzam nossas vidas e deixam marcas, nos ensinam lições, nos fazem rever conceitos que aprendemos na vida. Só aí entendemos que nem sempre o certo é certo e o errado é o errado. Depende apenas de como observamos tudo, qual o ângulo, qual o conceito.
            Comigo isso aconteceu. Na época que eu dirigia uma casa de apoio a portadores de câncer, tive a oportunidade de por várias vezes modificar minha opinião sobre ética.
           Sr Antonio foi o primeiro responsável por essa  mudança. Ele era do Cariri, região muito sofrida da Paraíba. Tínhamos todo o tempo do mundo para jogar conversa fora, e daí surgiam histórias de vida cada qual mais digna de ser retratada em letras. É o que tento fazer agora, tentando ser o mais fiel possível ao meu amigo.
           Ele constituiu família muito cedo. Completamente desprovido de bens, morando numa região quase sem chuva, a manutenção da família tornava-se impossível. Um dia, um lampejo brilhou em sua cabeça. Estava pronta a estratégia. Tudo estava desenhado, era só partir para a ação. Mas, do que se tratava? Olhando sua mulher na beira do fogo a fazer um chá de mato para enganar as barrigas esfomeadas dos rebentos, teve uma brilhante idéia. Chamou um dos filhos e disse: Vai na bodega de Seu Zé e me trás um quilo de açúcar. Diz que amanhã eu pago. De posse do açucar, Sr Antonio foi no terreiro onde havia um enorme cajueiro, raspou o caule do mesmo, e fez um chá bem forte. Do açúcar, fez um mel grosso e escuro, juntou ao chá e estava pronto o milagre. Pegou dez garrafas, encheu todas. Colocou tudo em um bisaco e foi para a estrada. Logo um caminhão que ia para Campina Grande parou. Ele saltou com seu bisaco para a carroceria com centenas de galinhas, e entre penas chegou ao seu destino.
        Chegando á cidade, começou a apregoar o remédio milagroso. A beberagem curava tudo, dor de corno, espinhela caída ou ventre baixo. Antonio era bom de bico e logo uma pequena platéia se formou. Ele falava com uma certeza tão grande que não tinha como duvidar. Em pouco tempo, estava ele de volta á casa, dessa vez com dinheiro para pagar a bodega, comprar alguma comida e ainda novamente comprar açúcar para novos fabricos. Dessa vez, cinco quilos.
        Sr Antonio mudava sempre de ponto. O medo de encontrar algum comprador que tivesse se dado mal com o remédio, sempre existia. E, ele ia de bairro em bairro, de cidade em cidade. Um dia lá vinha um freguês seu correndo em sua direção. Sr Antonio bem que tentou fugir, em vão. Lá estava o homem... a agradecer o bem que ele lhe havia feito vendendo a garrafada. Seu filho moribundo resurge, depois do milagroso remédio. Daí as curas se seguiram. Era um galo como presente pela mulher parida que tinha se recuperado. Era um quarto de bode pela ferida cicatrizada. Enfim, a partir daí ele voltava aos mesmos lugares na certeza que estava distribuindo não uma mentira, mas uma verdade. A mentira que virou verdade tamanha a fé.
         E a água virou vinho como em Canaã. Um milagre acontecia.
         Como julgar Sr Antonio? Afinal suas garrafadas criaram sua prole.
         Olhei Sr Antonio e acreditei na sua meizinha, no seu milagre.
        Um milagre na Canaã do Cariri.
        Que dane-se a ética!