BAR-BARIDADES

(Conto de Mailton Rangel para os participantes da comunidade Bar dos Escritores)

Sabem o que eu acho?... O cara, quando é sacana, é sacana mesmo... e até as forças da natureza ou, no mínimo, toda a insondável destinologia secreta das coincidências e circunstâncias parecem dispostas a corroborar – só de sacanagem – com a droga da sacanagem dele.

Pombas... imaginem vocês que, noutro dia, enquanto eu bebericava tranquilamente aqui no bar, com a minha lindíssima mulher, sentado nesta mesmíssima mesa e devidamente cercado, como sempre, de muitas dessas pessoas bonitas, ilustres e agradabilíssimas que a gente sempre vê por aqui... entra por aquela bendita porta um raio de sujeito magrelo, alto e espevitado, todo maquiado feito um palhaço e com a maior cara de tarado zombeteiro, e, pior: vestindo as roupas mais espalhafatosas e coloridas do mundo, ao molde de uma libélula cibernética saída das mais recônditas profundezas do inferno!

Usava, ainda – talvez como forma de se evadir da polícia ou esconder sua verdadeira identidade suspeita, um langanhento e melequento chapéu de palha, muito do esquisito e malandreado sobre sua cabeça obtusa. Enfim, uma figura, meus; uma fi-gu-ra-ça mesmo! (glub, gluuuuuub... glub... hrrrr...)

E para aumentar o cúmulo do absurdo, isso ocorreu, sabem como?... Num momento de bar lotadíssimo! fazia um tempão que eu não me deparava com este boteco tão cheio quanto naquela quarta feira.

O tal meliante – só podia sê-lo – sequer puxou uma cadeira pra sentar civilizadamente, como todos nós fazemos, e saborear, numa boa e sem torrar o saco de ninguém, um desses adoráveis drinques que a galera serve aqui. Ao invés disso, o danado seguiu foi direto, ali, pra frente daquele balcão, com um sorrisinho muito irônico e irritante naquela sua socável, destroçável, explodível e... chafurdável cara de palha... digo: de pau!... (glub, glub, glub, glub... hummm... hrrrr!...)

...E aí, meus camaradinhas; voltando-se para nós – toda a nobre pinguçada intelectualizada presente – o dito cujo me saca de uma espécie de embornal encardido que portava a tiracolo, uma porcaria de um negócio comprido de pano, feito um banerzinho enrolado sobre duas ripinhas de madeira coladas em suas extremidades longitudinais... Acho que é panor, o nome daquilo... humm: – Ô!!!... Ô Calaça, Edy, Dr. Nilson... – Mas será que ninguém me ouve?... Ô Daniel... Dona Olga, Juleni, Cristhina... Seu Creitôôô!... ÔÔÔ, MESTRES!... Poxa; será que eu estou enganado ou eles estão me “gelando” de propósito? ninguém responde do reservado?! ...Querem saber: essa turma já está é pra lá de Bagdá, e aí fica fazendo essa ondinha de me ignorar! Cadê o Véio?... Estava aqui no salão, daquele lado, agora há pouco e... sumiu! Esse é gente muito boa: amigo, solidário, um excelente contador de ‘causos’ e, ainda, é daqueles poetas que jamais depreciam a criação de ninguém; mas... ao que parece, já até perdeu seu belo assento cativo por aqui e sem se dar conta disso. ...Acento é com ‘cê’ ou com dois ‘esses’?... E querem saber? Tudo em razão das arriscadas bisbilhotices literárias que anda fazendo. O danado enche a cara e fica zanzando pra lá e pra cá de metrô, só pra perscrutar o que os passageiros andam lendo durante a viagem! Diz ele que é pesquisa de campo pra escrever um conto novo!

E o ‘Seu’ Creito é outro: vocês já viram como esse rapaz anda bebendo... dia e noite sem parar?... Parece que perdeu a medida da coisa. Vai acabar virando um poetó... digo: um alcoólatra!... Tse, tse, tse... menino tão novo, né?!

...Mas... eu creio que seja panor sim, Zé! ...Não deve nem constar no dicionário... mas é panor! Também, se não for, fica sendo agora! ...Hááá...háhá...ahá... Afinal, pra quê eu sou poeta, porra!... Ô, desculpem, palavrão não; saiu sem querer! Há...há, há... Poeta pode inventar a palavra que quiser e bem entender; não estou certo??? ...Pombas... Zé Inácio... mas como é que você não sabe, rapaz; como?... Poxa; você já não foi até candidato a presidente da ASNOPOEMA, lá na periferia da Vila Maria?... Então, rapaz, político eu aceito: pode até ser ignorante, mas poeta tem que ser esperto e ladino, ô meu, senão ele não tira nem o do café!

... Desculpe, Zé; não fique chateado não! É só brincadeira minha!

Mas o objeto é... tipo um treco...que... a gente vê muito nesses filmes de reis e rainhas... de cavaleiros da Idade Media; sabem como é?... Um troço assim, que um outro boboca colorido e de nariz aquilino sempre desenrola na frente da fandangada e lê, ou finge que lê, com voz de omelete podre, algumas besteirolas autoritárias ou cretinices que o rei lhe tenha ordenado!... (glub, glub... glu... hrrrr) Êiiiiita!... Traz outro aí, ôô... Como é mesmo o nome desse menino novato da copa? Ô meu filho, escrever versinhos é coisa pra depois do expediente! Traz logo aí a droga da garrafa pra cá de uma vez!

Pois, então: como eu estava dizendo, o paspalho olha pra nossa erudita fachada com a maior cara de palha, digo: de pau, e – sem sequer se imbuir de uma mínima indumentária mental ou social pra freqüentar este nobre recinto – apregoa, todo serelepe, metidão e gesticuloso:

– Aí; minhas sinhoras e meus sinhores, inlustres frequentadores desse bar de iscritores: eu bem que podia tá agora robano, matano, estrupano, profanano e esculachano geral os cidadão honesto dessa cidade cosmopolitra; mas... me encontro-me aqui hoje somente pra ganhá o pãozinho provêncio com queijo e mortandela de cada dia pra minha molecada que tá lá de casa!... Só tô aqui pra decramá umas poesia de minha autoria pros doutores presentes, e, se Vossas Excelência entendê que eu tenho talento e mericimento, é só deixá caí um trocadinho abençoado na sacola que eu vou passar depois – disse o bestalhaço, com toda pompa – indicando com um dedão de quem teria todas as condições físicas para o exercício de uma temerária proctologia – o seu tão asqueroso embornal.

– Mas tem uma condiçãozinha nessa paradinha, viu, pessoal: eu trago aqui, também, o meu lepitopizinho pogramado pá fazê uma brincaderinha com os sinhores, isso, é claro, se todo mundo topá numa boa e sem pobrema, falô?

– Nossa brincadera... – Nossa o escambau: dele!!! – consiste no seguinte – Prosseguiu o inconveniente boçal apocalíptico... Sim; porque aquilo era exatamente o fim do mundo, concordam?... Não tem outra definição! Afinal, cadê a autoridade do italianão aí, o tal do ‘Seu’ Giovani, pra permitir a entrada de um traste fedegoso igual àquele em seu seleto estabelecimento?...

– Siguinte – continuou o pusilânime: – dipois que eu lê cada poesia e cada um dos sinhores contribuí com o que achá que eu mereço, aí, já com a minha sacolinha cheinha, eu vou abrí um pograminha de uíndolos nessa telinha que já tá virada pros sinhores e, a cada crique meu, vai aparecê uma palavra da poesia que eu li, pra que algum dos presente – aquele que os outros quisé indicá – adivinhá e dizer o seu singuinificado, Valeu, brous?

Diante daquilo, não sei por que razão, mas, parecia-me que somente eu me comportava como um ser dotado de inteligência e senso crítico naquele dia, diante da tão grotesca situação.

Até mesmo minha mulher, no comboio de uma unanimidade que só a mim excluía, parecia especialmente assanhadinha e animada com aquela idiotice. Aliás, assanhadaça!

Vá entender as mulheres!... (Glub, glub...)

Ah, mas houve um momento, mais ou menos no meio da “decramação” idiota dele, que eu não aguentei... Ah, não; não aguentei mesmo: Joguei primeiro o paliteiro da mesa na cara dele, depois, o meu celular prateado, que, por infortúnio, passou direto e caiu dentro da terrina de sopa de letrinhas que o garoto vinha trazendo pra mesa 24. Tive o maior dos prejuízos... Mas, mesmo assim, procurei manter a pompa, né: mandei anotar a sopa da comitiva de Pelotas na minha comanda; fingi que o celular novo não passava de um mero apetrecho facilmente substituível pra mim e... continuei: juntei as mãos em forma de cuité ao redor da boca, com toda a minha altivez e coragem, e proferi, a plenos pulmões, uma rotunda e ululante vaia pr’aquele mamulengo decrépto: “Sai fora, seu nojento asqueroso! Xôôôô... Seu cara de minhoca embalsamada!...” E digo pra vocês: só parei com a coisa e me sentei de novo porque, numa atitude de provável caridade com aquele desprezível, a galera presente estabeleceu nessa hora um silêncio sepulcral, do tipo daquele que fizeram na Assembléia Legislativa, quando aquela loura tonta se meteu a interpretar o hino nacional!

O bestalhão inculto, por sua vez, depois de aproveitar aquele silêncio geral pra ficar me encarando caladão e soturno, por cerca de uns dois minutos – coisa que nem me afligiu: fiquei bebendo! – com uma expressão própria de cachorro triste que levou paulada do dono, ainda teve a audácia de dirigir um sorrisinho chocho pra minha mulher, antes de continuar em seu ridículo “escrarecimento”, quando, então a minha vontade mais premente já era socá-lo e defenestrá-lo, como um verme alegórico e deletério, para a frieza crua e infecta da calçada, porque lá sim, é que é lugar bem apropriado pra todo e qualquer mendigo analfabeto como aquele; e isso, ainda torcendo para que, em seguida, passassem por aqui aqueles delinqüentes assassinos de Brasília e pusessem um fogo inapagável na carcaça dele, conforme fizeram com o pobre índio que nem perturbava ninguém.

– ...Mas só – continuava o escalafobético, com um bizonho vozeirão impostado de mula sem cabeça: – que, aquele que fô indicado e num subé arresponder a resposta vai tê que acrescentá na nossa sacolinha mais cinquenta pilas, e, se por um acalso, esse indicado subé a resposta, então, eu é que tenho que tirá esse mermo valô da minha sacolinha e entregá pra ele, como prêmio pela sua intiligência.

Depois desse quiproquó eu fiquei até meio encabulado com um fato: tanto o “casmurrão” estranho do ‘seu’ Giovani quanto aquele grandalhão seboso – o tal de Zerolho – que comanda a segurança dele, ficaram o tempo todo me olhando de banda e em pé aqui, junto da minha mesa, um deste lado e o outro deste. Acho que eles estavam mesmo era só me fazendo sala pra não perder o freguês. Afinal das contas, além de um bom gastador, eu sempre fui ‘persona mui grata’ por aqui, e nunca fiz inimizades, como certos assoberbados com os quais a gente se depara aqui todos os dias...

Então: eu posso até abominar a porcaria de um poema e a declamação de outrem, mas – estrategicamente – eu sempre aplaudo; aplaudo muito e digo que está uma maravilha, porque aí, quando eu levantar pra exibir os meus, terei sempre a boa perspectiva de ser congratulado também; não estou certo?...

Mas... como “festa de burro e manada/ consiste só em comer/ de todo e qualquer tipo de capim, conforme o Rangel declara muito bem naquele seu poema quilométrico e esquisito, por via das dúvidas... Baixei a guarda e tentei ignorar a presença daquele verme deletério na minha frente. Os dois brutamontes continuaram me fazendo sombra, mas eu fiz de conta que eles também nem existiam.

...Eu sei disso! E também sei até de fatos que vocês desconhecem. Primeiro, como todo mundo percebe, além deste bar, o bruto também é dono de toda a empáfia contida nas galáxias do universo, porque, só se aproxima pra cumprimentar e abrir os dentes quando a mesa se encontra ocupada por figurões e celebridades, especialmente os do nicho gaúcho! ...Pois, não é?... Pra gente miúda, como nós, o arrogante não dá nem bom dia, quanto mais as horas!

No entanto, dizem por aí que esse assoberbado de uma figa já tem até delito grave e pesado em cima daquelas suas costas largas!

Não, não, não!... Não, senhores; esse aqui não é o primeiro comércio dele não. Ele já teve, antes – lá pras bandas de Caraguatatuba – uma “lanchonetezinha cultural” sob a razão social de BDP. ...Razão social é o nome da empresa, Zé; acorda! ...Isso mesmo: ‘Da Poesia”! Pois, foi de lá que ele teve que sair fugido e às pressas, porque, num dia em que bebeu além da conta, ele acabou cravando – num golpe seco e inesperado – cinco centímetros de um saca-rolhas bem na bunda... Desculpem: nas nádegas de um jovenzinho metido a esperto, só porque o molecote riu e depreciou os poemas mixurucas dele, que se encontravam colados por todas as paredes do tal estabelecimento.

No entanto, o que ele nem imaginava, é que o tal garotão era filho, simplesmente, daquele famigerado delegado lá de Taboão da Serra, Doutor “RoMão Branka dá Cruz”.

Dizem que o galego saiu muito furtivamente no meio da madrugada daquela mesma noite e até vestido de arlequim, com medo de ser reconhecido e dedurado!

(Glub, glub, glub...)

Só sei que, com esse incômodo ‘assoreamento’ pra cima de mim, eu dei até uma ligeira relaxada: aproveitando que minha mulher também tinha saído da mesa, sei lá pra onde ou pra quê, fiquei foi só bebendo, bebendo, bebendo... e devorando toda a porçãozona de batatinha frita que ela tinha deixado paga.

Mas, vocês acham que eu já estava calminho e sereno?... Negativo: continuava é extremamente aparvalhado, sem entender por que todos ali aturavam aquela garatuja circense. A mulherada do bar – especialmente elas, inclusive a minha – pareciam até estar diante de um faraó menino, reencarnação de Budha, uma celebridade da tevê, Mel Gibson, Nicolas Caje... ou sei lá o que mais. (glub, glub, glub, glu... herrrr)

Pombas, vá entender as mulheres!...

Finalmente, começou o tal joguinho e, para o suprassumo da minha indignação, a tal “poesia” do indivíduo não tinha o menor valor literário. Nada, nada: não era poema coisa nenhuma, e sim uma baboseira de palavras estranhas e desconexas; tudo pobre e absolutamente mal elaborado, e mais: até palavrão – coisa que eu tanto abomino – os textos continham.

Pombas, palavrão não: poeta que é poeta não admite obscenidades!

Imaginem vocês: eu, homem esclarecido, acompanhado da minha mulherzinha, 26 aninhos de puríssima perfeição, toda cheirosinha... venho aqui em busca do bom convívio e da poesia, pensando estar num ambiente à altura da minha formação... e me deparo com aquilo?!

Até agora eu não sei o que é que ela podia estar vendo de bom naquele maldito espantalho da cara suja... pra ficar toda... toda... da forma que ficou!...

Ela estava linda! No calorão que fazia, com o bar superlotado, ela parecia até que havia andado na chuva, de tão... molhadinha que estava. Vá entender as mulheres!... Ora, quem?! Minha mulher, pombas! Será que eu estou falando grego?

... O quê???... Ah, tá: então vocês acham normal e aceitável, que um mendigo furibundo daquele entre neste lugar de classe, onde só tem gente fina, pra recitar barbaridades libidinosas na frente das mulheres alheias??? Vocês estão é doidos! Não é exagero meu coisíssima nenhuma. Assim que a palhaçada acabou e que o cretino ia saindo, inexplicavelmente – coisa insólita: i-nex-pli-ca-vel-men-te aplaudido pelos pseudo-eruditos daqui e cheio de puxa-sacos atrás, deixou cair esse fragmento de papel aqui, ó; que eu recolhi à sorrelfa! Nesta folhinha se encontra um exemplo e a prova das baboseiras que ele apresentou neste sagrado e seleto recinto.

Eu, francamente, até agora ainda estou em dúvida se aquela ovação toda era mesmo para o furibundo ou se era para mim, pelo fato de eu ter contribuído para que ele se escafedesse mais cedo!

Vou ler este excremento poético pra vocês:

“(...) (...)”

E então???...

Ah, não... eu não acredito no que estou ouvindo!

Poxa, meus camaradas, basta aguçar o senso crítico e usar o bem senso! ...Quê que é isso, meus?!... Uma droga dessa nunca foi poesia, nem aqui e nem na lua!

Vocês nem parecem as pessoas esclarecidas que eu considero que sejam! Sabem, por exemplo, o real significado dessa palavra “falo”?... Pois o “Falo” “grosso”, que ele menciona nesse ridículo verso, que não rima com nada, porque tem uma terminação obtusa e ponteaguda, significa.... Ó!!!... Pois, é; pensaram o quê: que o estúpido estava se referindo ao verbo falar??? Pombas, amiguinhos, vocês precisam leu mais a droga do “pai do poeta burro” pra se instruírem melhor!

Ah, relaxem, foi só uma brincadeirinha! ...Tudo bem, desculpem-me!

...Tá, mas eu também acabei de pedir desculpas, não foi?

(Glub, glub, glub...)

E tem mais uma coisinha: depois que o reles mandrião acabou de recitar essas veleidades é que a minha cabeça ficou mais emaranhada ainda, pois, a meu ver, sendo uma bizarrice chula ou não, aquele que fala a palavra “falo” em sua fala é porque sabe falar isento de falácias; não estou certo? Pois, vocês, por um acaso, não sentiram a brutal diferença? Não notaram a forma e os vocábulos empregados no poemeto esdrúxulo que eu acabei de ler? ... Claro, amigos, uma porcaria eu ratifico que é – sem dúvida, pois, como poema, o troço nem troça é! Porém... por outro lado, os termos e colocações – arre, não gosto dessa palavra – que ele usa aí, deixando de lado a baixaria verbal que se insere, encontram-se gramaticalmente corretas e polidas. Portanto, não têm nada a ver com o linguajar de ameba lúdica que ele exibia na apresentação, concordam?... Pois, então: isto mostra que, além de tudo que eu já apontei, o sujeito ainda merece mais um adjetivo que eu não tinha mencionado: EMBUSTEIRO! Maldito embusteiro! Além de inconveniente e desqualificado em todos os sentidos para adentrar ao nosso convívio, ele ainda esteve o tempo todo nos enganando, porque – como eu só detectei depois de ler este papel – aquele “tiririquês” do início, antes da tal “declamação” era mera fachada.

Um pústula desse, na minha opinião, só merecia a morte por enforcamento! (glub, glub, glub, glub...)

Pois, é!... Sim!... E não é exatamente isso que eu acabei de dizer? ...Poxa, gente, olha só: eu perco meu tempo pra confidenciar uma situação que me angustiou, coisa que mexe com a minha sensibilidade e até envolve minhas particularidades emocionais mais profundas, e vocês ficam fazendo esse ouvido de mercador? Qual é, moçada??? ... Poxa, estão querendo me “gelar” ou me “fritar” também?...

Tudo bem!...

Tudo bem, eu entendo!.. Tá!... Vocês dois são meus amigos. Aliás, pagar as despezas, pra mim, já é uma das maiores provas de amizade sincera. Vamos beber! (glub, glub, glu...)

Não sei quem foi que instituiu esse posicionamento, de que poeta e escritor tem que ser sempre polido, educado e tolerante. Eu afirmo pra vocês: aguentei até onde me foi possível!

E o mais drástico disso tudo foi a grana suada que eu tive que chafurdar naquela sacola nojenta do maldito espantalho... Pombas; também, com aqueles escabrosos representantes da truculência me mantendo na maior rédea curta, grudados e de cara feia a minha volta... E toda a corja desumana presente – não sei até agora por que epidemia de sadismo – me indicando... e rindo, de forma zombeteira e até desrespeitosa, numa espécie de delírio coletivo digno de um coliseu romano, pra que eu respondesse às mirabolantes palavras que o espantalho inventou para os seus textículos e poemas...

Quê?... Eu disse textículos, pombas: textos pequenos; não ponham coisas inadequadas na minha boca!

... E foram nove, ao todo! Infelizmente, eu não soube o significado, sequer, de uma unicazinha daquelas malditas “neo-logices” excomungadas! Conclusão: nove vezes R$ cinquenta “pilas”... é mais do que eu ganhava por semana, quando ainda estava empregado, e isso, fora o celular que eu havia comprado com o adiantamento do décimo terceiro!

(Glub, glub, glub, glub...)

Heim?... Pois, é, meus; estou sim: desempregado e mau pago! É que... o meu ex-patrão, aquele hipócrita ingrato e miserável, também estava aqui no dia, e... simplesmente, a-do-rou, todas as basbaquices ridículas do infeliz espantalho... e aí... no dia seguinte, quinta feira pela manhã... o besta me chamou no escritório e me botou exatamente no olho cruel e individualista da rua vazia, em razão das trapalhadas e das bravatas que eu aprontei!

E lembrar que o maldito cartaz, anunciando o tal do grande visitante que aqui se apresentaria, esteve estampado ali na porta por mais de vinte dias!... Grande... GRANDE... visitante... que se apresentaria... Como é que eu pude deixar de ler? Como?...

Caramba!... E como é que alguém vai olhar um raio de um cartaz na porta de um bar, cuja respectiva calçada vive sempre apinhada de coisinhas sorridentes e admiráveis, pra serem perscrutadas e sondadas, despercebidamente, pelo meu astuto olhar de poeta?...

Oh, Deus... tudo por culpa do sexo oposto! Quando eu cheguei, nesse dia, de braços com a minha preciosa mulher, devidamente adornado com os estratégicos óculos “Rayban” que eu tinha trocado por uma garrafa de uísque falsificado com o Véio, tudo que eu conseguia decodificar eram as belas coxaças de porcelana daquelas mocinhas gostosas, que preferem o público jovem das mesas externas para declamar seus poeminhas pra lá de obscenos. E aí eu lhes pergunto: alguém que gosta das frutinhas pode enxergar cartaz numa situação como essa?

Pombas, meus: como é que eu podia saber que o famoso poeta e escritor ‘Cairo do Agito – que eu nem conhecia pessoalmente, mas que – só pela obra – já respeitava e admirava como ninguém – faria, exatamente aqui e naquele fatídico momento, a sua proeminente e elogiosa performance poético/teatral?

Vá entender poetas famosos!... (Glub, glub, glub, glub.... sniff… sniff…)

Sim, senhores (snif); e vá entender as mulheres!... (sniff... sniff...)

Não, João Canastra, muito obrigado; eu não quero melecar o seu lenço não... e quer saber: também não preciso da compaixão hipócrita de ninguém não! Façam apenas, por obséquio, se não for muito incômodo, só uma “paredinha” de corpo’ aí, pra que ‘uns e outros’ não me vejam neste estado. Eu me ajeito com esses guardanapinhos da mesa!... (Sniff, hhhhssss...)

...Desculpem, companheiros; está tudo bem! É que eu sempre me emociono muito quando lembro dela, e, por essa inglória força do hábito, ainda fico aqui, repetindo pateticamente, diante de vocês: “minha”, “minha”, “minha”, “minha”... “minha”... MINHA UMA OVA!... O pusilânime desclassificado, bucéfalo do espantalho a levou, sabe-se lá pra que tipo de alcova sórdida! ... Ele... roubou ela de mim! ...Ele; o Senhor Cairo espantalho maldito do Agito... Ele sim, é que que é “O CARA”; porque eu... não passo de uma capivara lírica, cega e assoberbada!

Ele é o cara que sabe, brilhantemente, compor e recitar aqueles poemas transbordantes de testosterona e libidinagens, que fazem um rápido e suave afago nas almas femininas, como forma de abrir-lhes a guarda mal guardada, para, em seguida, deslocarem-se, maquiavelicamente fluídicos, a fim de lhes alcançar, de forma irrefutável, as latentes sensibilidades e vibrações clitoriais e uterinas!

Pois, é... Se eu não fosse este burro que sou, poderia ter aproveitado a oportunidade pra estabelecer, com o tal figurão, um belo início de amizade; trocar telefones, adicioná-lo no Orkut... sei lá!... Eu perdi foi uma oportunidade de ouro; porque, com certeza, se eu pudesse levar uns dedos de prosa com aquele distintíssimo cidadão, pelo menos lá uma vez, num encontrozinho pra tomas umas e outras... eu certamente pegaria o “gancho” de uns contatos bem bacanas, e até, quem sabe, melhoraria meus conhecimentos na arte de escrever. Ele é o cara!

...Se ao menos constasse um telefone nesse papelzinho que ele deixou cair... eu... ligava pra ele... e... me desculpava...

Me desculpava...

... ME DESCULPAVA, PORRRRRRRRA, VOCÊS ESTÃO SURDOS???

... EU ME DESCULPAVA COM ELE, ENTENDERAM???

...Mulher, a gente até pode arranjar outra. Afinal, poetas como eu sempre conseguem mulher com certa facilidade. Mas, uma amizade com ele – o distintíssimo Senhor Cairo Espantalho – pra mim... Seria tudo! Eu bem que precisava, e muito, de uma alavancada – no bom sentido, claro! – de um amigo influente, pombas; precisava ganhar alguma coisa com os meus escritos; escoar a edição do meu livro, que se encontra encalhada e mofando num canto da minha quitinete... Pombas: pagar minhas dívidas; comprar um celular novo...

PUTA QUE PARIU: vá entender as porras das mulheres!... (glub, glub, glub, glub...)

...E o que mais queima e dilacera o meu peito agora – além de saber que vocês, seus dois filhos de uma puta depravada; só me aturam e pagam e bebem comigo pelo simples medo de que eu espalhe o seu segredinho de plágio; do caderninho de poemas que vocês roubaram do mendigo Realeza, lá na Avenida Cruzeiro do Sul... O que mais queima é... simplesmente imaginar, a essa hora desta noitezinha tão fria... o que aquele bem treinado e libidinoso histrião, digo, escritor, pode estar aprontando com ela, minha ex mulherzinha linda e bem sucedida, com aquela merda de dedo enorme que eu vi muito bem e com o tal do “falo grosso latente”, que ele tanto apregou por aqui!...

Vá entender as mulheres!...

– O CAIRO... digo: o cara, quando é sacana, é sacana mesmo!

(Mailton Rangel)

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 07/11/2010
Reeditado em 09/11/2010
Código do texto: T2602283
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