O Proteu Imutável

- Puxa vida Rosália! Você poderia ao menos ficar abraçada comigo, meu. Estou tão triste e precisando de companhia. Até perece que não tivemos momentos lindos juntos.

- Você só quer matar sua carência de macho no cio para depois me deixar vendo navio como sempre fez.

- Depois de tudo que passamos? Achas mesmo que eu não mataria tua carência no momento que tu precisar? Só eu sei o que estou passando.

- Estás sofrendo porque queres, oras! Tu que faz tudo errado, por isso sofres.

E, completamente triste respondeu com total pesar e aflição na alma:

- Quem nunca curou ferida não sabe o que é dor.

Na verdade Noel era um rapaz carente que não sabia muito bem o que fazer com toda aquela carência. Vivia sofrendo suas lamúrias justamente para as pessoas que magoara. As pessoas que ele magoara eram justamente aquelas mulheres que ele mantivera um caso amoroso por algum tempo no pretérito. Rosália era uma dessas pessoas. Mulher fina, educada, distinta e meiga. Tão meiga que era sua principal qualidade vista pelos homens, coisa que deixava Noel louco de ciúme por dentro, porque era uma qualidade que saía dela com naturalidade e ele a admirava muito por causa disso. Achava que nunca mais iria encontrar outra pessoa com a mesma qualidade.

No ponto de vista de Noel o ciúme era uma fraqueza tola do homem e que deixava a mulher como cabeça. Então, costumava a dizer:

- A mulher sendo a cabeça do relacionamento só dá em merda.

Por isso, vivia sôfrego e complexado com todo aquele ciúme guardado a sete chaves dentro do coração, “para não ser a isca do tubarão”, como costumava dizer para seus amigos.

Quando a melancolia vinha, e era sempre após cometer alguma tolice, ele chorava, colocava músicas românticas para ouvir e ficava se recordando dos bons momentos que tivera com aquelas mulheres que mais lhe dera carinho e amor nos momentos melancólicos pretéritos de sua vida. Era dolorido lembrar, mas ele fazia por praxe, por pensar que somente com o sofrimento que se ganha o perdão e que se aprende algo na vida. Entristecia-se como todo romântico intenso.

Dir-se-ia que ele era tafulão, por sua vez volúvel. Toda mulher gosta de segurança. Ele era um proteu de mão cheia e suas amantes logo percebiam suas logorréias. Como toda mulher inteligente e prezada faz quando o relacionamento não está agradando, pegavam as malas e caíam nos braços do primeiro Fulano que se demonstrasse mais interessado por elas, mesmo este Fulano não tendo a mesma qualidade que Noel na arte do amor.

Por sua vez, Noel se acabava aos prantos, cheio de remorso, porque o remorso é diferente do verdadeiro arrependimento. Em seu pensamento tolo achava estar arrependido, e não estava.

Certa vez em que estava em uma de suas crises de arrependimento e choro disse com ênfase e coragem de homem destemido:

- Eu vou mudar!

Espalhou a notícia para seus amigos, para que suas ex-amantes soubessem e notassem a mudança nele, com esperança de reatar com alguma delas ou conseguir algo com outra mulher que ainda não tivesse tido caso algum.

- Porque se eu não mudar o meu “eu” meus próximos relacionamentos continuarão sendo um fiasco. E sempre sou eu que acabo sofrendo. Mas, agora eu aprendi. Quero uma mudança de uma vez por todas!

Seus amigos o apoiavam:

- Você tem que ser mais firme em suas atitudes, pô! Quando você está feliz não liga para nada. As mulheres faltam se derreter aos seus pés por causa de seu carisma elevado. Aí aparecem outras. O que você faz? Nem liga para aquela que está te valorizando no momento e a magoa. Claro que ela não vai mais te querer. Tem que deixar de ser volúvel, porque nos momentos de tristeza ninguém vai te consolar e você ainda vai ficar culpando justamente aquelas mulheres que choraram noites adentro por você, como sempre faz.

E foi num desses momentos de euforia que Noel conhecera Angélica. Moça fina, bonita, educada. Para ele o único defeito que ela tinha era que não chegava aos pés de Rosália em questão de meiguice. Lembrava-se da meiguice da ex-amante e sentia um vazio que Angélica não preenchia. Então, culpava-se pelo relacionamento não progredido com Rosália. Ter uma mulher como ela em questão de meiguice era realmente muito difícil.

Nos primeiros encontros, ele mostrou o seu melhor para Angélica. Sabia como conquistar uma mulher:

- Primeiro você impressiona. Mostra ser o melhor homem do mundo. É fácil, porque quando avistamos a presa prestamos atenção nela com minúcia. Olhos nos olhos. Sorrisos abertos porque não há mágoas e nem segredos. Aí tudo fica mais fácil e mais claro, porque a mulher gosta de ser notada.

Na primeira relação amorosa, ele a levara a um motel de luxo, fora carinhoso e safado, porque Angélica permitira, então, com sua experiência, percebera que isso se fazia necessário. Afinal ela era mulher experiente e sabia muito bem o que queria e gostava. Fora o amante perfeito. Aquele homem com ejaculação olímpica. E como era de se esperar, Angélica se apaixonara facilmente.

Mas, com o decorrer dos meses, Noel começou a passar insegurança. Não era mais aquele homem ávido por conhecê-la como fora no início da relação. De feliz, ela começara a ser pungente, porque queria aquele Noel ático, sincero, safado, descolado, carismático e brincalhão de outrora. Só que este seu desejo nunca era realizado.

Então, certo dia:

- Estou tendo um caso com Augusto.

- Quem é Augusto? Noel quis Saber.

Obviamente, ela não deu resposta, porque não queria confusão para ninguém.

Noel esperava tal atitude, mas nunca imaginou que seria tão rápida. Aí chorou sozinho em sua alcova para não demonstrar fraqueza. Seus amigos já não o viam pelas ruas tomando cerveja ou contando suas aventuras amorosas, gabando-se de sua virilidade ou contando piadas como era de seu costume.

- Puxa vida! Primeiro a Fernanda. E aquela desgraçada tinha que “avisar” a Rosália de meus defeitos. Agora a Rosália não me quer mais, dá razão para Fernanda e ainda joga praga para a Angélica, que também não me quer mais.

E todos viram seus olhos fundos de tanto chorar e a massa corporal que perdera por causa do desdém que recebera de Angélica. Parecia que aquela rejeição vinha de seu grande amor. Porque viam que sua barba crescia, a pusilanimidade em sua face e em suas atitudes, porque não dormia e não se alimentava direito.

Aí surgiam comentários:

- Você viu o Noel?

- Não. O que aconteceu?

- Ele realmente está triste. Parece que dessa vez ele está sentindo muito a perda.

- Sério?

- Você tem que ver como ele está mudado.

Mas, num certo dia de verão a inspiração lhe veio à mente. Noel sorriu em seu íntimo. Então, ligou para uma amiga que tivera um caso e disse com toda empolgação e carisma de outrora:

- Olá meu amor. Há quanto tempo, hem! Tudo bom?

- Tudo sim. E você?

- Estou morrendo de saudade, pô! E garanto que vou ficar melhor com sua ajuda.

A isca estava lançada.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 11/11/2010
Código do texto: T2609346
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