Obcecados

- A nossa sociedade é machista! Por isso eu sou machista também. Não aceito traição da parte da mulher de jeito nenhum! A mulher que trai é uma safada. Ricardo sempre dizia.

De certo que fora traído no passado por alguma de suas namoradas. Aí trazia o complexo dentro do peito. No presente era casado com Lorena. Ela era do tipo de mulher prendada que não levantava suspeita, por isso Ricardo a deixava livre para fazer o que quisesse, contando que lhe contasse quando iria fazer algum programa diferente.

- Eu não gosto que você invente esses programas diferentes justamente no dia em que eu quero te namorar.

Lorena não entendia muito bem esse lado do marido. E certo dia eles tiveram uma discussão calorosa, porque ela queria sair com as amigas e ele alegava que não era para ela ir porque estava com vontade de ficar com ela. Odete, que era uma amiga de Lorena traía Flávio a torto e a direto e, Flávio era amigo de Ricardo. Todas as amigas de Lorena e de Odete sabiam das inúmeras perfídias, mas, Ricardo, Flávio e seus amigos não sabiam. E nesse dia de discussão o nome de Odete entrou no meio, coisa que deixou Lorena mais nervosa, então, explodiu:

- O trouxa do Flávio merece mesmo! Acha que é o bam-bam-bam-da-cocada- preta, mas não passa de um chifrudo!

Para um pensador esse tipo de comentário é a deixa para milhões de pensamentos. Ricardo começou, a partir desse dia, a formular um monte de teoria em sua mente. Era do tipo que não deixava transparecer os sentimentos de modo que ninguém percebia suas suspeitas perniciosas.

Então, para se vingar antes do tempo, por felicidade conseguiu conhecer Fabiana. Fabiana era uma mulher casada, daquelas casadas que são largadas pelo marido por causa de cachaça, baralho, amantes ou qualquer outra leviandade. Ele deu o carinho que ela precisava e queria no momento de modo que ela se apaixonou fervidamente por ele. Aquilo iria feder.

- Por que você tem que se vingar das pessoas inocentes? Fabiana lhe disse certo dia que estava muito triste.

Calculista e leviano não quis saber:

- O importante é a vingança!

- Você viveria muito feliz se largasse sua mulher cara de fuinha e viesse ficar com o morenão igual a mim.

- Meu, você é casada.

No ponto de vista de Ricardo esse era o melhor de ter uma amante casada: ela não poderia fazer nada contra ele.

- Um dia outra pessoa se vinga de você também.

- Só se for o corno do seu marido.

- Pode ser eu também.

- Se liga mulher! Você não tem o direito nem de pensar em vingança.

Aqui você que é a traidora, entendeu?

- Quer dizer que você só tem medo do meu marido?

- Exatamente. Vai que ele me dá umas peixeiradas na pança. Do jeito que ele tem cara de paraibano matuto.

Passado alguns meses Lorena inventou um serviço à noite. Mesmo seu marido tendo milhões de pensamentos, ela não levantava suspeitas, então, ele consentiu já que a situação financeira não estava das melhores. Uma ajuda seria muito bem vinda.

Não se passaram muitos dias veio à notícia de supetão através de um email que dizia: “aquela noite foi maravilhosa. Estou doido para te ter em meus braços novamente e te dar mais carinho, minha flor, porque estou com saudade”. E a resposta de Lorena: “também estou com saudades meu dengo”.

Ricardo foi tomar satisfação e ela furiosa disse:

- Quero me separar!

Ele procurou de todas as maneiras reverter a situação. Chorou, conversou, prometeu mil mudanças, porque ele sabia que a culpa era dele por causa das inúmeras traições de sua parte, mas não conseguiu. Não tinha mais jeito. Lorena estava saindo com outro homem. O mundo do machista desabou. Nem o orgulho, ele tinha mais, porque já tinha implorado tanto para a “safada” como sempre disse. Aí ele não tinha mais ânimo para as amantes mesmo sabendo que tinha capacidade e lábia para conseguir outra mulher à altura, porque se tornou cético quanto à fidelidade das mulheres. É como se tudo tivesse retrocedido e o porvir não lhe fosse agradável mesmo antes de conhecê-lo.

Ricardo perdia muito tempo pensando na inteligência que o outro homem tinha e como ele era na cama, nos bens materiais que o outro possuía, porque ele não possuía muita coisa e o que realmente tinha levado Lorena à cama desse vulto tenebroso. Não se conformava, porque ele era bom de cama, não deixava a mulher carente de jeito nenhum. Nesse sentido, ele era o marido e o “amante” perfeito. Talvez soubesse que o tempo desgasta tudo, “mas justo comigo?”

Naquela confusão de sentimentos, Ricardo não conseguia mais dar a atenção necessária para Fabiana, que começou a se envolver sexualmente com Laerte. Ela ainda era apaixonada por Ricardo, mas não aceitava o fato de ele ficar chorando pela ex-mulher. Queria-o só para ela. E Fabiana sabia que o homem não gosta que outro homem mexe em seu brinquedinho. Sabia que aquela atitude iria ter algum retorno.

Então, aqueles pensamentos sensatos de outrora de Ricardo evaporaram como água de chuva de verão no asfalto quente. Parecia que o machista do passado voltava e dominava seu pensamento escrupuloso em certos momentos, porque se sentia traído pela amante mesmo sem ter assumido nenhum tipo de relacionamento com ela. Aceitava ser traído com o marido dela, mas não aceitava ser traído com o tal de Laerte.

- Mulher não vale nada mesmo. Seja casada, seja solteira, seja amante ou o que for. O negócio delas é só desgraçar a vida do homem mesmo.

Ronaldo, um colega seu simpatizante de GLS o convidou para uma balada eletrônica. Ricardo era machista demais para aceitar tal convite, mas por insistência do colega e pelo fato de que precisava se distrair um pouco por causa de sua dor de corno aceitou o convite.

- Não sei por que você pensa dessa maneira. Os gays são muito amigos e fieis.

- Será que são mesmo?

- Vai por mim. Eu mesmo tenho dois amigos gays. Eles se amam, sabia? Nunca se traíram. Eles são muito sinceros nos que falam. Você vai gostar, porque eles são muitos auto-astrais.

Quando entraram na balada, logo de cara Ricardo viu duas mulheres se atracando aos beijos. Achou estranho, mas não sentiu nojo. “Será falta de homem? Duvido!”. Mas, quando viu dois rapazes formosos se beijando ficou boquiaberto. “Falta de mulher não é porque eu tive duas.”

- Julho esse é Ricardo, Ricardo esse é Julho. Laerte apresentou um colega gay.

Ricardo achou estranha a simpatia que sentiu por Julho logo no primeiro momento de modo que foram papear no barzinho da balada. Ali eles ficaram a noite inteira conversando como se fossem velhos conhecidos.

Julho era um rapaz com a mente aberta, inteligente, muito bonito e elegante. Dava para notar pelas vestes e pelo calçado. A maneira como se expressava era meio afeminada, mas muito culta e educada. “Porque será que Lorena não ficou com um homem como o Julho? Foi ficar com aquele pangaré que nem paciência sabe ter com ela.” Pensava assim porque não aceitava o fato. De tão machista que era não queria ficar por baixo de jeito nenhum. Tinha que fazer alguma coisa para “cutucar” o coração da ex-mulher já que ainda sentia algo por ela. Então, convidou Julho para passar um fim de semana em sua casa, a casa que morara com Lorena.

Dona Rosélia que era a mulher mais fofoqueira da vila anunciou para vizinhança toda até que a notícia chegou aos ouvidos de Lorena.

- Você viu amiga?

- O quê?

- Seu ex-marido atracado com um gay na casa que era de vocês.

- Ele não está mais comigo. Não estou nem aí.

Fabiana, a amante que mesmo ficando com Laerte ainda era apaixonada por Ricardo não agüentou a notícia:

- O desgraçado quer provar que até os homens se apaixonam por ele?

Revoltada e inconformada pagou para um mercenário matar Ricardo.

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 11/11/2010
Código do texto: T2609579
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