A Sinistra Mariquinha

Mariquinha, nascida Maria Aparecida, era uma supersticiosa mulher em seus 55 anos mais ou menos vividos.
Tibúrcio de Eloá, nascido Tibúrcio de Meira, marido de Mariquinha, era por assim dizer um trovão sem ronco, uma locomotiva sem combustível.
A língua era grande, mas o cérebro cabia na cabeça de uma formiga.
Tibúrcio andava meio borococho ultimamente, a voz fraca, olheiras, fraqueza nas pernas, apesar de seus 60 anos, ninguém dava menos de 80 pra ele.
Para finalizar o estado de saúde do homem, sua pressão arterial era 18x11, quando estava tranqüilo.
Dona Mariquinha tinha em certas horas do dia ares de viúva, pois Tibúrcio como ela mesma dizia:
____Cheirava a caixão de defunto.
Era um verdadeiro guarda costas dona Mariquinha, pois onde ia Tibúrcio ela deslocava-se e vigiando o infeliz, sempre aguardando o momento final.
Sentado na sala, lá estava Mariquinha.
Deitado na cama, lá estava Mariquinha.
Sentado na latrina, pela janela ela olhava.
Ao banco, ao supermercado, nas caminhadas, no cemitério, lá estava ela esperando o pior.
Escondida de Tibúrcio, sem consultar médico, apenas confiando em seu faro, numa bela manhã, deu entrada nos papéis para o plano funerário do distinto, depois de escolher o caixão, os aparatos do evento, e acertar o preço, destilou um sorriso ao sair da funerária, parecia ter tirado um peso das costas.
Quando chegou em casa ficou um longo tempo olhando Tibúrcio e reafirmando a certeza de que o pobre já podia encomendar a alma, e coitado, justamente neste momento sobreveio uma tosse terrível, engrossando a artéria do pescoço, avermelhando todo o rosto, Mariquinha gritou:
___Valha-me Deus, e deu duas batidas nas costa dele desobstruindo a garganta, vendo-o respirando bem novamente, olhou para outro lado não disfarçando a sua decepção.
E por mais 2 anos a peregrinação de Mariquinha atrás de Tibúrcio prosseguiu, mas numa manhã, Mariquinha levantou depois de dele, que já estava sentado em sua cadeira de palhinha na varanda.
Lá da cozinha, enquanto cevava o chimarrão, olhava de lado para Tibúrcio, e vez por outra esticava o pescoço para o lado para se certificar de que não seria hoje o óbito...
Enquanto levava o chimarrão até a varanda, retornou ao seu pensamento o sonho da noite...
Nele ela via Tibúrcio deitado em seu caixão, laterais douradas, flores de todas as cores, velas e até viu um sorriso nos lábios dele, quem sabe não seria hoje? Olhou para ele e pensou:
____Hoje não tiro os olhos de ti Tibúrcio.
Apesar de Mariquinha, deixar transparecer que nada queria do marido em termos de herança, não se sabe porque via com bons olhos a passagem do infeliz.
É claro, boatos a parte.
Esbaldaram-se de chimarrão, Tibúrcio levantou da cadeira, pegou sua bengala, sob os olhares de Mariquinha...
Pigarreou e foi em direção a latrina, ali a uns 15 metros de distancia.
Esta latrina era totalmente de madeira, assento, e assoalho.
Devido aos anos em que ali estava, pois fora feita com um buraco bem fundo, o matagal tomou conta de suas laterais.
A poucos metros de Tibúrcio, Mariquinha o seguia, afinal poderia ser agora...
Esperou ele entrar na latrina e sorrateiramente foi ate a lateral da mesma e encostou o ouvido...
Relembrou ali encostada cada lance de seu sonho fúnebre, quando levantou a cabeça, sentiu suas pernas penetrarem lentamente na terra...
O tempo encarregou-se de tornar fofa aquela terra em volta da latrina.
Pelo buraco do assento onde estava sentado, Tibúrcio esticou seu corpo esguio e atlético, e conseguiu segurar a mulher pelos cabelos, antes que ela mergulhasse em uma profundidade de 12 metros de... Bem... Vocês sabem.
 
Não viva a vida dos outros, tentando advinhar o seu futuro, esquecendo de viver a sua e tudo que ela pode fazer de bem para outras vidas.

Malgaxe
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 27/11/2010
Código do texto: T2640343
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.