O TRANSEUNTE
 
E como se eu fosse um daqueles que aos poucos traça seu rumo sem nada saber por que naquele dia estava eu traçando o meu, e como sendo um artista de palcos, deixei um para atuar num outro palco de grandes proporções. Não passava de meio dia e junto a uma tia saia da minha terra com alguns dos tantos pensamentos que imaginara e que depois de algum tempo muitos dos quais não realizei.  

E eu assim fui de encontro à cidade maravilhosa, e na ilha do governador, propriamente no bairro de Maria das Graças, encontrei aquela que junto a ela nasceu meu primeiro amor. Meu primeiro filho. Um garoto de olhos claros, tez morena, cabelos lisos e penteados, timido tal qual o pai.

Por muito ou pouco ao chegar nem mesmo falou comigo, meio constrangido, pensara ele talvez que nem mesmo eu era seu genitor. Depois de algum tempo, apresentado pela sua mãe, conversamos um pouco sobre tal situação de vivermos separados mesmo diante de tal condição. Conversamos de homem para homem. Perguntava-me porque eu não me aproximava um pouco da sua mãe. E com muita conversa apenas expliquei que eu, além dele tinha mais duas filhas que me esperavam, e que nem imaginavam  terem um irmão.

Tanto que depois de algum tempo embarquei num navio petroleiro com destino as terras do sol nascente, terras, muito distante de nós. Só de trasvessia num navio destes com aproximadamente duzentos, a trezentos e poucos metros, numa velocidade de mais ou menos quinze a vinte nós, trinta e dois dias de viagem, embora vendo céu e mar, talvez de vez anquando passavamos por alguns irmãos, e quano por acaso eramos da mesma companhia nos saudavamos uns aos outros com três apitos.

Então foram viagens bem dificeis de descrever alguns destes momentos, alguns com muitas histórias para contar, e outras quase sem nada. Todavia, recordo de uma destas viagens que não me sai da memoria e talvez seja o momento propicio que tenho para contar. Era porque não uma embarcação já cansada de trabalhar.

Pois singrara muitas vezes o mar desafiando maremotos, varando guerras vividas em dada época, em conflitos de países banhados pelo golfo persico. Isto, mais ou menos nos idos de 1990. Esta embarcação sem nenhum conforto, sem quase nenhuma condição de transladar de um hemisfério a outro, deixava transparecer como se fossemos mercenários em busca de ouro, ou escravos que viviam reprimidos e sob humilhação por causa das nossas profissões de homens do mar. 

Estes mesmos homens que tem tantas histórias para contar. Histórias de tantos amores, histórias de desilusões e outras boas de recordar, histórias plenas de aventuras, e histórias que tanto nos deixam tristes só em sentir que a saudade bate bem forte em nossos peitos querendo novamente que sejamos apenas por algum outro momento aqueles que foram mediante momentos bons de outrora e que certamente não voltaram mais.

E assim, recordei da casa de Dona Nazinha, uma mulher naquela época ainda bem jovem que amparava corações solitos que desejavam um pouco de calor vindas de lindas meninas que nos dava momentos de gratidão. Porque, a meu ver essas mulheres caminham nesta mesma estrada que navegam estes homens que compartilham uns com outros momentos de terna solidão.

A mulher, mesmo quando chega num cabarét destes talvez , não é só por causa de alguns miseros dinheiros, mas sonhando, imaginando ter uma vida aonde certamente ela fuja de alguma condição tão constrangedora. Traz consigo histórias que de certo modo foram molestadas pelos seus próprios pais, garotas que foram quando muito jovens aliciadas por alguns destes seus tios, e tantos outros marginais. A pedofilia por muitos estados se alastra, por muitos países vivem soltas a mercê de homens inescrupulosos que aprisionam meninas com promessas que nem mesmo o que prometem estes tem pra si.

Tipos que devem ser banidos da sociedade, mesmo estas sendo hipocritas. Porque muitos destes têm ciência do dano que causam na cabeça destas crianças.   Mas o assunto a meu ver precisa de mais apuro, fazer que cidadãos que administram pensem melhor e combatam tantos infratores e nem sequer cometam o mesmo, como muitos tem cometidos por este Brasil afora. 

Mas, mudemos um pouco de assunto, nesta casa vim conhecer talvez a responsavel dessas moças que logo quando lá cheguei, ela de certo modo se aproximou de mim, apresentou-se como sendo a proprietaria daquela casa, e me convidou para sentarmos a uma mesa para conversarmos um pouco. Falei de minhas viagens, falei de algumas investidas, até que em algum momento, ela me pediu licença, chamou Lurdinha, e apresentou a moça pra mim. Não me fiz de rogado, pois no mesmo instante gostei da sua aparência.   

Conversamos sobre vários assuntos, conversamos sobre novelas, disse até que de vez enquando gostava de pegar uma folha de papel, rabiscar alguns traços, compor algumas poesias, contar causos engraçados, como trajico fora certa vez, o momento que na baia da Guanara passei, quando a embarcação que me encontrava sofrera um assalto de marginais, e como naquele instante o comentário nos noticiários era o confronto da policia carioca com gangues do complexo da Rocinha e do Alemão, fez com que eu recordasse deste neste dado momento.

Nunca imaginara ver pela televisão uma guerra real numa cidade onde o Cristo vive de braços estendidos, protegendo a quem se encontra, ou aquem vem chegando anciosos para conhecerem o Rio de Janeiro. Sede logo mais da Copa do Mundo, e das próximas Olimpiadas. Até que vi que Lurdinha, mostrava ter alguns conhecimentos além do que fora por mim imaginado ao ver criatura aparentemente indefesa, ledo engano da minha parte.

Lurdinha, falava fluentemente o inglês, o tagalo, espanhol, e nosso português. Uma menina agradável na sua maneira de conversar, e se apresentar, falando sobre seus direitos e deveres, sobre nossa constituição, sobre o direito das mulheres e dos nossos que somos cidadãos. Também de como proceder numa hora que supostamente tenhamos alguns problemas referentes alguma compra. 

E assim afirmo que através daquela menina de aparente vinte e poucos anos pude perceber que nascia em mim um grande desejo de descrever tudo que decorria. Ela fora o segredo dos meus sonhos, aquela que tanto fizera para estar ao meu lado, enquanto a lua nos espiava pela fresta da janela e exigia um pouco mais de mim.

Olhei de encontro a ela e busquei sua boca, indo mais adiante eu prometi o céu, junto às estrelas que um dia, menos outro dia voltaria para encontrá-la. E assim, como de costume fui para o mar, confessando tudo que se passara comigo para a lua, mesmo ciente que ela observara por muito mais que o esperado.

Naveguei noites a fio, busquei entender em minha vã filosofia o porquê vive o homem em tantos conflitos em vez de ser um ser meramente apaixonado.

Apaixonado por tudo que nos é por Deus oferecido, enamorado pela natureza que muito mais nos oferece. Pela grandeza diante dos nossos olhos, e de termos nascido. Tanto que numa cidade como esta de pequeno porte quando o navio apita lá vamos nós para outro estado, viver outra situação, mesmo que em outra ocasião voltemos para quem até certo dia nos esperou.

Vamos levando marcas, deixando saudades naqueles, naquelas que conosco tanto contou, realizando sonhos, mediante trajetórias na vida destes transeuntes.